Valor Econômico
Presidente treinou com um discurso suave, mas entrou em campo pressionando
Em uma icônica cena da final da Copa do Mundo de 1958, eternizada em preto e branco e presente nos melhores documentários sobre futebol, o meia Didi pega a bola no fundo do gol brasileiro com impressionante tranquilidade, coloca embaixo do braço e caminha lentamente em direção ao centro do campo conversando com seus companheiros. A Suécia acabava de abrir o placar contra uma seleção traumatizada por perder o título em casa, no Maracanã, oito anos antes.
O capitão era Bellini. Mas Didi exercia
notável liderança sobre o grupo. Eleito o melhor jogador daquela Copa, a
imprensa europeia passou a chamá-lo de “Senhor Futebol”. Nelson Rodrigues o
apelidou de “O Príncipe Etíope”.
Sua elegância em campo era conhecida. Fora
dele, sua influência ajudou a Seleção Brasileira a fazer história: ajudou a
convencer o técnico Vicente Feola a escalar Pelé, um jovem de 17 anos, e pediu
a entrada de Garrincha no time.
Para especialistas, sua postura altiva e fria
após o gol da Suécia foi fundamental para que o Brasil virasse o jogo. Era esse
o comportamento que se esperava do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta
semana.
Após mais uma série de gols sofridos no
Congresso, Lula parecia ter aproveitado uma viagem ao exterior para pegar a
bola no fundo da rede. Com frieza a la Didi, reposicionou o governo, até então
pressionado pela militância após omitir-se em votação na Câmara da urgência do
indefensável projeto de lei que propõe tornar homicídio o aborto realizado
acima de 22 semanas de gestação, em qualquer situação, inclusive em caso de
estupro.
O presidente disse ser contrário ao aborto.
Ponderou, entretanto, que este é um tema que precisa ser tratado como questão
de saúde. E chutou forte: “Acho que é insanidade alguém querer punir uma mulher
com uma pena maior do que o criminoso que fez o estupro. É, no mínimo,
insanidade isso”. Foi um lance elogiável.
Também tentou driblar os zagueiros do
mercado. Enquanto estiver no cargo, assegurou, o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, “jamais ficará enfraquecido”. E sinalizou disposição em discutir as
crescentes despesas públicas.
No entanto, após reunião da Junta de Execução
Orçamentária, a notícia foi que o presidente ficara “mal impressionado” com o
crescimento dos subsídios. Descartou-se uma mudança nos pisos constitucionais
de saúde e educação.
Nessa terça-feira (18), em entrevista à rádio
CBN, o petista deu razão àqueles que duvidam de sua disposição de avançar em
uma discussão objetiva sobre cortes de gastos. Em outra frente, foi novamente
ao ataque contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, justamente
na véspera da decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) sobre a taxa
básica de juros. O presidente também reclamou da preocupação do mercado com o
cenário futuro projetado para a inflação.
A expectativa geral no mercado, que aliás tem
de fato revisado para cima as projeções de inflação para 2024 e 2025, é de
manutenção da Selic em 10,50% ao ano e interrupção do ciclo de cortes. Além do
mais, com a perspectiva de mudança no perfil do Comitê de Política Monetária e
do próximo presidente do BC, é crescente o receio entre os investidores com um
“replay” dos piores momentos do governo Dilma Rousseff.
Em 2010, após a eleição da petista, setores
do mercado e até mesmo do governo defendiam que se aproveitasse o período de
transição para anunciar cortes no Orçamento. Lula não topou, deixando a missão
para a sucessora.
Após a posse, ela até fez algumas
sinalizações de que o Orçamento sofreria ajustes. O Banco Central adotou uma
postura temporariamente conservadora. No entanto, as políticas monetária e
fiscal assumiram uma face expansionista no decorrer do tempo: com uma inflação
resistente, não restou opção ao BC a não ser elevar os juros novamente, em meio
a severos danos em sua credibilidade, de 7,25% a 14,25% do início de 2013 a
meados de 2015.
Agora, teme-se que esse cenário se repita no
fim do mandato atual, se o BC for pressionado a baixar os juros e não houver um
controle do lado das despesas.
Isso porque a PEC da Transição viabilizou uma
expansão dos gastos. A atual administração argumentava que seria preciso
reconstruir o Estado, mas nos bastidores também dizia que era preciso evitar
problemas de popularidade no início do governo em um ambiente extremamente
polarizado. O novo arcabouço também abriu espaço para maiores desembolsos do
setor público.
Em relação às discussões sobre corte de
despesas, o que está atualmente sobre a mesa do presidente já foi debatido por
seus antecessores e não avançou. Um assessor do ex-ministro da Economia Paulo
Guedes, por exemplo, recebeu um cartão vermelho de Bolsonaro por sugerir que as
aposentadorias deixassem de ser corrigidas pela inflação. Foram várias as
tentativas de “descarimbar” os recursos do Orçamento e reduzir subsídios. Todas
na trave.
Didi, o eterno craque da Seleção Brasileira,
também era conhecido por suas frases. Certa vez defendeu-se das críticas de que
não estava se esforçando nos treinamentos: “Treino é treino, jogo é jogo”.
Lula treinou com um discurso suave, mas entrou em campo pressionando o Copom. Conseguiu mobilizar aliados tradicionais. Tentou colocar a arbitragem contra aquele que considera seu adversário. Jogou para a arquibancada.
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