Folha de S. Paulo
Será preciso mostrar à sociedade que a
direita nacionalista não tem respostas para os problemas
Macron e
todos os que acreditam numa sociedade aberta e plural respiram aliviados
com o mau
resultado do Reunião Nacional nas eleições legislativas
francesas. Foi —é preciso lembrar— o melhor
resultado de sua história, mas ficou aquém da esperada maior bancada
e ainda mais de uma maioria de parlamentares.
Apesar disso, não parece que o discurso nacionalista, anti-imigração e
anti-integração global (ou, no caso da UE, continental) vá desaparecer. Ele
segue forte e, se seus adversários não conseguirem entregar resultados e
narrativas mais persuasivas, crescente. Marine Le Pen declarou
que sua vitória foi "apenas postergada". Está nas mãos de Macron e da
coalizão entre esquerda e centro enterrar ou cumprir essa profecia.
Macron, que depois do
primeiro turno parecia o grande derrotado, emerge agora não como o
vencedor triunfante, mas como um líder que ao menos conseguiu se manter. A
frente partidária vencedora —a Nova Frente Popular, de esquerda—
não tem maioria para indicar um primeiro-ministro sozinha. Terá que negociar
com os centristas, formar
coalizão, algo tão normal para nós. Assim, o próximo
primeiro-ministro será alguém de esquerda, mas não um radical.
Isso mais a realidade das regras fiscais da
UE e dos movimentos do mercado deve proteger o país do terraplanismo econômico
de um Mélenchon,
líder do França Insubmissa, partido mais radical da NFP. Um
parlamento fragmentado que ao menos depende dos centristas é melhor para o
presidente do que um no qual direita ou esquerda pudessem governar sozinhas.
Analisando essa vitória de esquerdistas e centristas, dois elementos saltam aos
olhos. O primeiro é a importância das regras eleitorais. A eleição em dois
turnos incentiva a moderação e a formação de alianças. Vimos isso no Brasil em
2022: Lula ganhou
por um fio, graças à aliança com Simone Tebet e com a pequena parcela de
eleitores liberais da "terceira via".
A diferença é que a aliança na França cobrava
um preço mais alto: diversos candidatos tiveram que abrir mão de suas
candidaturas. E assim chegamos ao segundo elemento: uma disposição inédita,
tanto de centristas quanto de esquerdistas, de colocarem suas diferenças de
lado para juntos
combaterem a direita nacionalista. Esse tipo de abnegação virtuosa
não se vê todo dia. A estratégia deu certo.
Do outro lado do Canal da Mancha, em 4 de julho, a esquerda também teve uma
vitória avassaladora. O Partido
Conservador caiu de podre depois de 14 anos no poder. Nesse
meio tempo, os trabalhistas expulsaram sua ala mais radical e deram uma guinada
ao centro.
A ala do Partido Conservador que defendia o brexit teve sua chance. Depois de
todas as promessas, chegou o momento de entregar a melhora na qualidade de
vida, que não veio, e a população se fartou. Democracia é também a
possibilidade de errar, aprender e corrigir os erros.
Regras do jogo racionais —que estimulam a moderação— e respeitadas e disposição
de fazer política para construir frentes amplas deram conta do desafio de hoje.
Mas ele continua posto no amanhã. E, aí, não haverá mera estratégia eleitoral
que dê conta. Será preciso mostrar à sociedade que a direita nacionalista não
tem respostas para os problemas que ela própria foi pioneira em apontar. E isso
passa por reconhecer esses problemas —os custos da imigração e da integração
regional—, implementar soluções concretas e traçar uma narrativa que vença o
pessimismo reacionário. Na falta disso, chegará uma hora em que essa direita
também terá sua chance no poder. Democracia tem dessas.
Um comentário:
Concordo.
Postar um comentário