Blog Voto Positivo
Nesse livro, ele aponta, entre outras coisas,
preocupações específicas sobre o muco nasal e a forma como ele deve ser
removido. Afirma que não é correto se jogar ele ao leu e muito menos colocar as
mãos na comida a torto e a direita.
A compostura política é algo diferente, é uma
questão que apela à substância e à forma, ao método como parte inseparável do
conteúdo da política democrática. Consiste numa forma de comportamento, num
estilo, num tom que reforça na ação política a procura de um caminho reflexivo
para liderar a pólis que procura os caminhos dos compromissos e
acordos históricos, que aproximam visões avessas a polarizar posições
conflituosas, que tentam alcançar o apoio do cidadão, pois deseja proclamar as
virtudes dessas propostas.
Procura soluções possíveis que sejam
aceitáveis para grandes maiorias
e procura olhar o adversário distante do conceito-relação
amigo-inimigo, em que o inimigo deve ser destruído.
A compostura política implica decência e decoro nos métodos a utilizar, moderação na linguagem, e descarta a estridência e o insulto, ao desejar fortalecer não só as posições que defende, mas ao mesmo tempo a vida democrática como um todo, protegê-la do declínio, das brigas que reinam nos sistemas políticos decadentes, que acabam por incentivar o surgimento como uma pandemia de ideias rudes e autoritárias que se propõem a estabelecer a ordem a todo custo, mesmo quando há direitos e liberdades pisoteados.
Este tom, este estilo, não significa renunciar as convicções e a objetivos e metas ousados e necessários, não devem corresponder a uma posição política fraca e vazia, mas procura os seus objetivos de forma serena, gradual, comedida, sem pretender possuir verdades absolutas, mas com ouvidos abertos aos outros, a quem pensa diferente e age de forma ponderada e ajustada às circunstâncias, ao tempo e ao lugar.
Isso não significa que aqueles que a praticam
como o recém-empossado primeiro-ministro do Reino Unido Keir Starmer do Partido
Trabalhista não tenham temperamento e sangue nas veias, mas sim que tenham uma
capacidade de autocontrole que é sempre útil para qualquer pessoa, mas é
essencial para um líder que aspira a liderança dirigir os destinos de um país,
competindo em um sistema pluralista e diversificado.
Há poucos dias completaram-se quarenta anos
do falecimento, em 11 de junho, de Enrico Berlinguer (1922-1984),
secretário-geral do Partido Comunista Italiano, ocorrida no meio de uma
manifestação, dramaticamente devido a um acidente vascular cerebral durante um
discurso. Berlinguer liderou o maior Partido Comunista do Ocidente naqueles
anos e realizou uma transformação gradual da sua tradição histórica e teórica,
conduzindo-o a um horizonte democrático e reformador. Ele nunca liderou um
governo, mas para o seu funeral a Itália rendeu todas as honrarias de chefe de
Estado, com apoiantes e adversários homenagearam-no, mesmo os mais ferozes,
houve um sentimento de perda não só política, mas cultural, ele deixou uma
marca profunda por ter ajudado a Itália a passar por momentos infelizes durante
o recomeço da democracia.
Anos depois de sua partida, o partido que
contribuiu poderosamente para mudar deu origem, juntamente com outras tradições
políticas progressistas, ao atual Partido Democrático, que nas últimas eleições
europeias alcançou 24,8% dos votos, sendo o segundo partido em Itália, uma
enorme garantia democrática em tempos de ascensão da extrema direita e de
tendências iliberais.
Algumas de suas ideias não duraram, mas sua
figura permanece sendo muito respeitada mesmo entre as novas gerações. Nestes
quarenta anos perdurou um respeito, um apreço e até uma reverência que percorre
todo o arco político, as mais diferentes posições e de muitos cidadãos
afastados da política.
Berlinguer faz falta porque ele incorporava
com impressionante precisão o que tememos que a nossa comunidade planetária
possa perder: a compostura. A capacidade de manter um estilo público e uma
respeitabilidade em seu cotidiano que não pode ser apagada pelos
acontecimentos, como se entre os deveres de um líder, estivesse o de
demonstrar, não como algo menor, mesmo nas mais duras e dramáticas tempestades
políticas um estilo.
Um estilo de decência, austeridade e altivez
em todas as suas batalhas desde a libertação da Itália, quando era muito jovem,
até à sua morte demasiada precoce.
Afinal, foi essa a marca que ele deixou, algo
humano, corajoso e que transpirava brandura. Muito poucos políticos sobrevivem
a um respeito profundo, duradouro e horizontal pela sua compostura política.
Berlinguer não é o único, claro, e há outros de diversas tendências políticas,
mas são poucos.
Estamos próximos ao início de um período
eleitoral que pode fortalecer ou enfraquecer a nossa democracia, que apesar da
sua resiliência e resistência não nos encontramos no melhor momento, a
atmosfera existente e o nível dos debates são mesquinhos e dolorosos.
Não será hora de refletir sobre o tom, o estilo e o método de ação política? Talvez esta reflexão nos ajude a abandonar como fez em uma semana a França, ao pôr de lado as visões extremas, os interesses particulares que por vezes parecem ocupar a maior parte do espaço público e a regressar, pouco a pouco, ao caminho do bem comum.
Nenhum comentário:
Postar um comentário