Governo faz bem em bloquear bets irregulares
O Globo
Antecipar suspensão das empresas de apostas
que não solicitaram registro ajuda a inibir efeitos nocivos
Foi acertada a decisão do governo de
antecipar para este mês o bloqueio de empresas de apostas,
ou bets, que não se regularizaram junto à União ou aos estados no prazo
estipulado — a suspensão estava prevista apenas para janeiro de 2025. Na
quarta-feira, o Ministério da Fazenda divulgou uma lista com 93 empresas
legalizadas, responsáveis por 205 bets, além de 18 autorizadas a atuar nos
estados. Agora só falta a Anatel tomar as providências técnicas para impedir as
irregulares de atuar.
O governo demorou a agir, embora fosse evidente a confusão que reinava no setor. Prova disso é haver bets patrocinadoras de alguns dos maiores clubes de futebol do país e ostentando suas marcas nos uniformes dos times que nem aparecem na lista de empresas legalizadas divulgada pelo governo.
Outro problema começa a ocorrer enquanto a
regulação não entra em vigor: as empresas autorizadas a atuar apenas em
determinado estado passaram a funcionar nacionalmente, contrariando as normas
do Ministério da Fazenda. Um exemplo foram as bets credenciadas pela Loteria do
Estado do Rio de Janeiro (Loterj), que operam no Brasil graças a uma liminar da
Justiça Federal do Distrito Federal. É fundamental que haja uma regra para o
país todo, já que o jogo digital rompe as fronteiras dos estados.
A regulamentação de jogos on-line pelo
Congresso, aprovada no final do ano passado, foi a decisão sensata, uma vez que
não adiantaria fechar os olhos para a realidade de apostas que proliferavam
pelo país. Dezenas de bets já operavam no Brasil sem nenhuma regulamentação e
sem que o Tesouro arrecadasse um centavo sequer com essa atividade altamente
lucrativa.
Mas o governo demorou a implementar o
monitoramento e a fiscalização das bets. Esperar até janeiro, como inicialmente
planejado, não se mostrou a melhor decisão. Uma vez liberados, apostas e jogos
on-line explodiram, trazendo, como era previsível, efeitos indesejáveis. Sinal
eloquente de que o governo não se preparou foi a constatação, feita por
técnicos do Banco Central, de que havia em agosto, entre os 24 milhões de
brasileiros que apostaram nas bets, pelo menos 5 milhões de integrantes de
famílias beneficiárias do Bolsa Família, cujas apostas somaram R$ 3 bilhões.
Agora o Planalto corre para tentar impedir essa distorção da finalidade do
programa social — garantir subsistência aos miseráveis.
Em meio ao descontrole, separar as empresas
que se regularizaram das que operam ilegalmente é o ponto de partida para
começar a fiscalizar as credenciadas e bloquear de modo eficaz as ilegais.
Normas existem. O Ministério da Fazenda publicou diversas portarias
estabelecendo regras para mitigar os efeitos nocivos da proliferação de
apostas, especialmente a dependência psíquica e o endividamento excessivo. É
preciso começar a aplicá-las desde já. As empresas mais sérias já implementaram
algumas, como a vedação ao uso de cartões de crédito nas apostas.
Mas não basta o Congresso aprovar uma lei e o
governo depois regulamentá-la. Será preciso fiscalizar e aperfeiçoar as normas
constantemente, para evitar distorções como o uso do Bolsa Família nas apostas.
A arrecadação não pode ser a única, nem a principal, preocupação do governo.
Importador e produtor ganharão caso UE adie
nova lei antidesmatamento
O Globo
Embora sejam reflexo de práticas
protecionistas, novas regras também atendem ao interesse do Brasil
A Comissão Europeia, braço executivo do bloco
europeu, recomendou adiar a entrada em vigor da lei que prevê a proibição da
importação de produtos do agronegócio oriundos
de áreas desmatadas depois de 2020. Se a proposta for aprovada pelo Parlamento
Europeu e pelos países-membros, a lei antidesmatamento, que vigoraria de forma
gradual a partir do fim de dezembro, será atrasada em um ano. Como faltam
detalhes sobre a metodologia e a implantação, os europeus precisam de mais
tempo para se preparar. A prorrogação seria a decisão correta.
Ela será igualmente crucial para exportadores
de todos os países, brasileiros inclusive, se adequarem às novas exigências de
documentação e rastreabilidade de seus produtos. No último ano, os países
exportadores vinham alertando os europeus sobre os prazos exíguos e o perigo de
sobressaltos nas cadeias de suprimento, com impacto no preço de vários itens.
Em setembro de 2023, governos latino-americanos, asiáticos e africanos
informaram os europeus sobre os riscos. Em junho, os americanos também se
manifestaram. No mês passado, o governo brasileiro pediu formalmente o
adiamento ao comissário de agricultura do bloco.
A prorrogação abrirá a possibilidade de
formar consensos na União
Europeia (UE) em favor de mudanças. Uma das maiores críticas é
a adoção de regras sem levar em conta as diferenças entre produtores. Café ou
soja brasileiros não podem estar sujeitos às mesmas regras que produtores
asiáticos de óleo de palma. Os próprios agricultores do bloco reclamam, pois
estarão sujeitos à mesma legislação para suas vendas externas. Faltam também
mais esclarecimentos sobre como resolver incompatibilidades entre as
legislações.
A lei antidesmatamento é um reflexo evidente
da cultura protecionista dos europeus, de longa tradição. A política agrícola
comum em defesa dos produtores locais foi chancelada em 1962, um dos primeiros
acordos firmados pelos integrantes da comunidade criada em 1958. Mas combater o
desmatamento também é do interesse do Brasil. Não convém a ninguém incentivar a
produção com destruição do meio ambiente e maior emissão de gases do
aquecimento global. Se os produtores agrícolas sentirem efeito no bolso, mudarão
mais rápido suas técnicas na direção de práticas sustentáveis.
Num primeiro momento, alguns produtores
brasileiros tentaram desmerecer os impactos da lei. A UE importa 13% (ou US$
21,5 bilhões) das exportações do agronegócio do Brasil, um quarto do que compra
a Ásia. Ainda assim, é o segundo mercado para as vendas externas do país.
Produtores de café, carne, cacau, soja e artigos florestais, como madeira ou
móveis, estão entre os que deverão ser mais afetados. A lei antidesmatamento
europeia será a primeira de outras que virão. Como o resto da humanidade, o
Brasil também precisa levar a sério o desafio das mudanças climáticas.
Déficit cai, mas desaceleração esperada
acende alerta fiscal
Valor Econômico
É vital para a credibilidade do governo atingir a meta fiscal no primeiro ano de vida do novo regime e esforçar-se para obter o primeiro superávit em 2025
As receitas passaram a crescer mais que as
despesas, o que não ocorreu no ano até julho, e o resultado fiscal do governo
central melhorou em agosto. O déficit primário no mês foi de R$ 22,4 bilhões, o
que fez o resultado negativo acumulado no ano recuar para R$ 100 bilhões. Nos
quatro meses restantes do ano é factível que o déficit chegue aos R$ 68,8
bilhões estimados pelo quarto relatório bimestral de despesas e receitas.
Excluindo-se os R$ 40 bilhões de créditos extraordinários, que não são
computados para efeitos de cumprimento da meta (mas contam para o
endividamento), há chances de o governo entregar a meta fiscal pelo seu piso,
de R$ 28,8 bilhões.
No resultado do ano até agosto, as receitas
líquidas, já deduzidas as transferências para Estados e municípios, avançaram
8,4% acima da inflação, e as despesas, 7,1%. Foi a maior diferença do ano até
agora. Até junho, foi o contrário, com os gastos suplantando a receita líquida
em todos os meses. As contas da Previdência continuam pesando negativamente.
Enquanto Tesouro e Banco Central apresentaram saldo positivo de R$ 139,6
bilhões em 12 meses, a Previdência teve um rombo de R$ 239,6 bilhões. Com isso,
nesse período, o déficit primário foi de R$ 227,5 bilhões, ou 1,98% do PIB,
ante R$ 233,3 bilhões até julho, 2,04% do PIB. Um dos pontos preocupantes,
assinalou o secretário do Tesouro, Rogério Ceron, foi o comportamento das
despesas do Benefício de Prestação Continuada, que cresceram 16,6% acima da
inflação (R$ 73,22 bilhões), uma velocidade de expansão bastante superior à dos
benefícios previdenciários no período (3,2% reais).
As contas da Previdência, apesar de serem as
maiores responsáveis pelo déficit primário, terão melhor desempenho no
semestre. Os gastos com o 13º salário de aposentados e pensionistas, que
normalmente são pagos no fim do ano, foram antecipados para o início. No
aumento da despesa total no ano, de R$ 98,7 bilhões, a Previdência não foi a
vilã, contribuindo com R$ 21 bilhões. Salto maior tiveram as despesas do
Executivo sujeitas a programação financeira, com R$ 31,2 bilhões, que são os
gastos obrigatórios por determinação legal, mas sob os quais há controle de
fluxo de pagamento, como algumas despesas com saúde, benefícios ao servidor
etc. Os investimentos cresceram 23% e atingiram R$ 47,7 bilhões.
As despesas como porcentagem do PIB começaram a regredir, e o Tesouro indica que elas deverão fechar o ano na casa dos 19%. As despesas totais iniciaram o ano ao redor de 20% do PIB, aumentaram para 20,4% no primeiro semestre e agora recuaram para 20,2%. As obrigatórias fizeram o mesmo caminho e se situaram em 18,4% em agosto, enquanto as discricionárias somaram 1,8% do PIB.
Além das mudanças feitas pelo governo para
arrecadar mais, fechando brechas legais, o crescimento acima do previsto da
economia impulsionou fortemente as receitas. Nos oito primeiros meses do ano,
por exemplo, a arrecadação do IPI subiu 36,9% acima da inflação, a da Cofins,
21,4% (mais R$ 42,1 bilhões em relação ao mesmo período do ano passado), e a do
Imposto de Renda, 9% (mais R$ 43,8 bilhões). Não se deve, no entanto, esperar
desempenho melhor do que esse nos próximos meses. A expectativa, com o início de
um novo ciclo de alta dos juros, é de uma desaceleração lenta da atividade
econômica, que já começou a aparecer em alguns dos últimos indicadores, como os
da produção industrial.
Os resultados serão também moldados pelos
próximos passos do governo Lula, que pode ou não ampliar os estímulos fiscais
para a economia, responsáveis em grande parte pela expansão acima do previsto
até o segundo trimestre do ano. Ontem, a S&P, outra empresa de
classificação de risco visitada pelo presidente Lula em Nova York, indicou que
não pretende tão cedo modificar a nota atribuída ao Brasil (dois níveis abaixo
do grau de investimento). “O crescimento do Brasil também deveria significar
uma maior capacidade para estabilizar a dívida”, disse Manuel Orozco, diretor
da agência no Brasil. “Isso não está acontecendo agora”. Para ele, a expansão
está sendo puxada pelo consumo e boa parte deste “está sendo impulsionada por
uma política fiscal expansiva e um crescimento do gasto real”.
A continuidade dessa política implodirá o
novo regime fiscal, mas a intenção da equipe econômica é obter o melhor
resultado fiscal possível dentro de um governo no qual a austeridade fiscal não
é uma prioridade unânime. Há sinais de que o governo começou a estimular mais
gastos via crédito por meio dos fundos públicos, como os da Marinha Mercante e
da Aviação Civil, alguns fora do orçamento, como os fundos garantidores. A PEC
66 permitiu o uso de 25% de seu superávit financeiro.
É vital para a credibilidade do governo atingir a meta fiscal no primeiro ano de vida do novo regime e esforçar-se para obter o primeiro superávit em 2025. A mudança do humor fiscal reduzirá com rapidez os juros, que hoje embutem prêmio excessivo porque os investidores desconfiam de que as regras fiscais não são levadas a sério pelo governo Lula.
Melhora no risco do Brasil está associada a
reformas
Folha de S. Paulo
É compreensível que Lula capitalize voto de
confiança da Moodys, mas governo precisa cortar gastos para conter dívida
A empresa de avaliação de crédito Moody’s
concedeu um inesperado
voto de confiança no futuro das contas do governo e da economia
brasileira. No melhor dos cenários, trata-se de uma dádiva a ser aproveitada;
no pior, um estímulo a manter as coisas como estão.
É compreensível que o governo Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT)
capitalize a boa notícia, com ênfase no que há de mais favorável a suas
políticas. A agência, afinal, deu destaque ao crescimento
do Produto Interno Bruto acima do esperado, o principal trunfo do
Palácio do Planalto até aqui.
Afirmou ainda ser "positiva" a
perspectiva de que o país suba outro degrau na escala de credibilidade e,
assim, de que a dívida pública deixe de ser considerada investimento
especulativo.
O pensamento positivo da Moody’s, porém, não
faz desaparecer uma realidade pouco confortável. Do início do ano passado para
cá, a dívida pública saltou do equivalente a 71,7% do PIB para
78,5%. Mesmo na perspectiva otimista das autoridades, deve chegar a 81% em
2026.
Uma alta de quase 10 pontos percentuais, em
um quadriênio de crescimento econômico razoável e na ausência de choques, é
sintoma de descontroles fiscais e descrédito na situação orçamentária —também
refletido na retomada da alta dos juros.
A Moody’s reconhece que a credibilidade do
assim chamado arcabouço fiscal "é ainda limitada", mas um bom ritmo
de crescimento do PIB, o compromisso com metas de redução do déficit e medidas
de contenção de despesas devem contribuir para a estabilização macroeconômica.
A administração petista deveria levar a sério tais observações.
Note-se ainda que, como constata a agência, a
situação brasileira ora mais favorável se deve também a reformas promovidas por
"sucessivos governos" —entre elas a autonomia do Banco Central,
a melhora da governança das empresas estatais e a mudança nas leis
trabalhistas, todas elas objeto de fortes críticas de Lula e seus aliados.
Mais reformas, como a tributária, melhorariam
o ambiente de negócios, o uso eficiente de recursos produtivos e o crescimento
potencial do país, afirma a empresa de avaliação de crédito.
Dentre as novidades esperadas pela Moody’s
estão a contenção da alta de despesas com Previdência, saúde, educação e
compromissos obrigatórios em geral. Trata-se de mudança que daria viabilidade
às metas fiscais e contribuiria para a redução das taxas de juros. No entanto
são medidas às quais se opõe o presidente da República, além da provável
maioria do Congresso
Nacional.
A melhora da nota de crédito é sem dúvida uma
boa notícia. Nem de longe, por si só, vai diminuir o custo de
financiamento da dívida pública, o que mantém altos os custos do
crédito para o país inteiro. Com otimismo, a avaliação da Moody’s pode ser
encarada como um incentivo para que o país persista no caminho das reformas e
da contenção fiscal.
O fim do carvão na eletricidade
Folha de S. Paulo
Reino Unido encerra queima do combustível
mais poluente e não cobra tarifas sobre produtos chineses para descarbonização
No século 18, a invenção da máquina a vapor
na Inglaterra deu
a largada na Revolução Industrial propelida a carvão mineral, que se tornaria a
principal fonte para geração de eletricidade. O ciclo se fecha, agora, com a
desativação da última usina movida por esse combustível fóssil no Reino Unido.
Em 30 de setembro desligaram-se as turbinas
da central elétrica em Ratcliffe-on-Soar. Esse processo de descomissionamento
das usinas mais poluidoras começou em 2015, no esforço para zerar emissões
líquidas de carbono na economia britânica
até 2050.
O plano era interromper em uma década o
consumo de carvão para eletricidade —e foi cumprido. Faz sentido focar o início
da descarbonização nesse combustível, que emite a maior quantidade de CO2
dentre as fontes fósseis, como petróleo e
gás natural.
Há quem defenda estas duas como alternativas
de transição, mas o ideal é substituir
os três recursos finitos por fontes limpas renováveis, como eólica e
solar —com retaguarda de energia não intermitente, hidrelétrica, nuclear ou
armazenada em baterias.
Trata-se do caminho para cumprir o Acordo de
Paris (2015) de conter o aquecimento global em 1,5ºC a 2ºC até
2100, mas o mundo ainda segue no sentido oposto.
Em 2023, o consumo de carvão foi de 8,53
bilhões de toneladas, um recorde, segundo a Agência Internacional de Energia.
Mais da metade da queima ocorreu na China,
que teve alta de 4,9%.
Países do G7 acordaram em abril eliminar a
geração a carvão em dez anos, entretanto com flexibilidade para os muito
dependentes, criticada por ambientalistas. O Japão tem ainda 30% de sua energia
proveniente desse fóssil, e a
Alemanha, 25%. Na China, a dependência vem caindo, mas ainda é de
53%.
Nas negociações sobre mudança
climática, historicamente, tem prevalecido a lógica de maior
tolerância com a potência asiática e outros países em desenvolvimento, onde há
muita pobreza para erradicar e parcos recursos para financiar a transição.
A maré está virando, contudo. Ao mesmo tempo
em que cresce a pressão das nações ricas para Pequim reduzir emissões, criam-se
tarifas sobre carros elétricos, painéis fotovoltaicos e baterias de lítio
chineses.
Tal voga protecionista tem tudo para encarecer e atrasar a eletrificação das economias. EUA, União Europeia e Canadá já engataram essa marcha a ré no liberalismo que pregam para os outros. A bem da verdade, o Reino Unido, pátria tanto dessa doutrina quanto do carvão industrial, por ora se absteve do passo incoerente.
Um freio ao voluntarismo ambiental europeu
O Estado de S. Paulo
Excessos regulatórios europeus não só terão
impactos sociais em países em desenvolvimento, como serão contraproducentes à
causa ambiental e danosos aos consumidores europeus
Pressionada por governos, associações
comerciais e produtores, a Comissão Europeia adiou em um ano a implementação de
sua Lei Antidesmatamento, que proíbe a comercialização de produtos de áreas
desmatadas após 2020. É um alívio não só para o Brasil, mas para países
diversos, dos EUA à China, além de nações latino-americanas, africanas e do
Sudeste Asiático. O governo brasileiro tem um ano para trabalhar com produtores
nacionais em busca de adaptação às regras, mas, sobretudo, para mobilizar sua
diplomacia a se alinhar com outras partes interessadas ao redor do mundo e
pressionar a Comissão Europeia: o problema não é só, como ela alega, o prazo
para a adequação às regras, mas os excessos dessas regras.
A lei, por exemplo, não distingue entre
desmatamento legal e ilegal, como previsto nas leis brasileiras. O Código
Florestal é uma das legislações mais equilibradas e restritivas do mundo.
Fazendeiros no bioma amazônico são obrigados a manter a cobertura original de
80% de suas propriedades – nos outros biomas, esse porcentual chega a 50% – e
isso sem serem remunerados por seus serviços ambientais. No Brasil, 66% do
território é coberto por vegetação nativa. Na Amazônia, são 83%. Já na Europa
são só 2%. A agricultura brasileira ocupa só 10% do território, e, pelos
critérios da ONU, ela tem baixo nível de emissões de CO2. Segundo estudo
publicado na revista Science, 62% do desmatamento ilegal na Amazônia e no
Cerrado está concentrado em apenas 2% das fazendas de gado e soja.
A maioria dos produtores já atende às novas
exigências europeias. Mas a regulação desconsidera não só as leis e
certificados nacionais, mas técnicas de plantio que envolvem ciclos de desmate
e reflorestamento, e impõe critérios de rastreabilidade complexos e onerosos.
Os maiores prejudicados serão os pequenos e médios produtores, que, não tendo
como arcar com essas exigências, serão marginalizados em favor das grandes
corporações.
No passado, a principal motivação para regras
como essas era o protecionismo. Há algo disso no novo regulamento. Mas o fato
que mais ilustra suas disfuncionalidades e excessos é que as maiores pressões
vieram não de fora, mas de dentro. Cerca de 20 países europeus pediram sua
suspensão ou abolição. O Partido Popular Europeu (centro-direita), o maior da
Europa, a chamou de “um monstro burocrático”.
Importadores e industriais europeus reclamam
dos custos. Agricultores se queixam de que as regras prejudicarão suas
exportações. Recentemente, fazendeiros franceses cercaram o Palácio do Eliseu
com tratores obrigando o governo a recuar de uma lei que os obrigava a
preservar florestas em meros 4% de suas propriedades. Os protestos se
multiplicam da Holanda à Alemanha e à Polônia.
A elite tecnocrática em Bruxelas alega agir
em função do “interesse público”. De fato, sob influência excessiva do ativismo
ambiental, a legislação conta com apoio de grande parte dos consumidores
europeus. Mas esses consumidores estão mal informados e ignoram que medidas
como essas não só terão impactos sociais negativos – como sobre os pequenos
produtores dos países em desenvolvimento – e serão contraproducentes ao próprio
meio ambiente – ao obrigar, por exemplo, esses produtores marginalizados a apelar
a práticas predatórias para sua subsistência –, mas afetarão seus próprios
interesses. Pergunte a um europeu se ele prefere que seus produtos venham de
áreas com desmatamento “zero”, e obviamente dirá que sim, mas pergunte se está
disposto a pagar até 30% a mais por seu café, chocolate e outros produtos, e a
resposta será bem diferente. Barreiras excessivas como as previstas na nova lei
impõem riscos de inflação, insegurança alimentar e desestabilização da economia
europeia.
Por décadas o crescimento da Europa tem
ficado para trás na comparação com outros países desenvolvidos, mas sua
produtividade na fabricação de regulações é incomparável. Boa parte delas é
mero protecionismo disfarçado. Mas não é só hipocrisia. Muitas são genuinamente
motivadas por boas intenções. O problema é que, como sabe bem a sabedoria
popular, de boas intenções o inferno está cheio.
Lula no ‘País das Brincadeiras’
O Estado de S. Paulo
Defensor do consumo público e privado para
acelerar economia, Lula da Silva ignora alertas sobre aumento do endividamento
do governo e das famílias e mantém a política de gastos
De tempos em tempos, determinados termos
econômicos passam a compor o noticiário, caracterizando a natureza cíclica da
atividade. O termo da vez é o “hiato positivo do produto” que, de forma
resumida e metafórica, significa que o fotograma imediato de uma economia
sobreaquecida não sustentará um filme de média ou longa-metragem. Neste caso, a
tendência futura passa a ser infinitamente mais importante do que o quadro
atual, e é por isso que as mais recentes projeções de indicadores como inflação
e relação dívida/PIB são tão preocupantes.
Relatório do Banco Central (BC) projeta que
até 2026 o IPCA continuará girando acima da meta de 3%. A expectativa é de 4,3%
em 2024, 3,7% em 2025 e 3,3% no acumulado de 12 meses em 2026. Já o Tesouro
Nacional trabalha com a possibilidade de a dívida pública bruta ficar acima de
81% do Produto Interno Bruto (PIB) a partir de 2026, como mostrou o Projeto de
Lei Orçamentária (Ploa) de 2025. Neste ano, deve fechar pouco abaixo de 78%.
São perspectivas ruins calculadas por
técnicos de um governo que, a despeito das consequências negativas que se
avizinham, prefere insistir na ilusão de resultados de curto prazo baseados em
uma perigosa opção por políticas expansionistas. É mais conveniente para Lula
da Silva comemorar o aumento do emprego e renda e o aquecimento do comércio
enquanto incentiva métodos nada ortodoxos para tentar elevar ainda mais o
crédito e o consumo. Em outra frente, articula meios para bancar a política
desenvolvimentista que caracteriza o lulopetismo.
De fato, o aumento, há vários trimestres, da
população ocupada puxou para baixo a taxa de desemprego, que no monitoramento
de agosto ficou em 6,6%, um dos menores saldos da série histórica iniciada há
12 anos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A taxa de
crescimento da ocupação no mercado de trabalho – formal e informal – já supera
a de crescimento da população em idade ativa, ou seja, a oferta de trabalho
está atendendo à demanda com certa folga.
Entre avanços e recuos mensais, as vendas no
comércio varejista têm conseguido manter um saldo positivo. De janeiro a julho,
acumula alta de 5,1% e, no acumulado de 12 meses até julho, de 3,7%, de acordo
com o IBGE. Um crescimento marcado pela melhora do mercado de trabalho e, em
grande parte, pelos programas de transferência de renda. E assim, embalada pelo
consumo das famílias e do governo, a economia roda no tom e no ritmo ditados
pelo instrumento errado, quando o ideal seria que a orquestra inteira estivesse
sendo preparada para executar a mesma partitura.
Foi basicamente o aumento de gastos públicos
e privados que levou a economia no segundo trimestre do ano a crescer acima das
expectativas – 1,4%, de acordo com o PIB calculado pelo IBGE. E é também o
fator de maior preocupação, pois presume elevação da inadimplência das famílias
e o crescimento da dívida pública, que o governo Lula da Silva tenta frear
artificialmente com malabarismos que excluem despesas públicas do cálculo do
Orçamento.
Como não há maneiras honestas de esconder por
muito tempo os efeitos nefastos dessa política, a pressão inflacionária que vai
sendo criada pelo governo tem de ser contida pelo Banco Central por meio dos
juros. Para justificar o aperto monetário que voltou a adotar em setembro, com
o aumento de 0,25 ponto porcentual da taxa Selic, os diretores do BC destacaram
“resiliência na atividade, pressões no mercado de trabalho, hiato do produto
positivo, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas”.
Mas isso não parece incomodar Lula da Silva.
Ao contrário: sempre que pode, chama a gastança de “investimento” e vitupera
contra os que lhe cobram mais prudência. Tivesse mais luzes, o presidente
conheceria a história de Pinóquio, que se deixou levar ao “País das
Brincadeiras” na expectativa de que, ali, ele pudesse fazer o que bem
entendesse, sem qualquer responsabilidade. Passados cinco meses nessa “bela
festança de brincar e se divertir o dia todo”, Pinóquio acordou certo dia com
“um magnífico par de orelhas de burro”. No final da história, como todos sabem,
o boneco aprende com seus erros e cria juízo. No caso de Lula, não há Grilo
Falante que dê jeito.
Pobreza avança na Argentina
O Estado de S. Paulo
Todos sabiam que o ajuste de Javier Milei
pioraria a vida no país, mas o tombo assusta
Mais da metade da população (52,9%) da
Argentina encontrava-se em situação de pobreza no primeiro semestre de 2024, de
acordo com um levantamento do Instituto Nacional de Estatísticas e Censo
(Indec), o primeiro sob a gestão do anarcocapitalista Javier Milei. Presidente
há menos de um ano, Milei vem promovendo um duro ajuste econômico, amargo e
necessário, segundo ele, para que o país saia da decadência econômica de
décadas. No entanto, sem sinais de melhora visíveis para a população, além dos
efeitos colaterais nada desprezíveis como o aumento da pobreza, as medidas de
Milei podem perder o fundamental apoio do Congresso, sem o qual o plano para
“salvar” o país acabará, como tantos outros, deixando apenas um rastro de
miséria reciclada.
Vítimas da incompetência de diversos
governos, os argentinos, talvez mais por desespero que por convicção, confiaram
a Milei o posto de presidente, que ele ocupa desde dezembro de 2023. O
excêntrico mandatário vem cumprindo o que prometeu: cortes drásticos de gastos
e de subsídios, além da desvalorização da moeda, o peso. Mas, se antes Milei
afirmava que o ajuste seria complicado e cobraria um alto preço da população,
agora já adota a surrada fórmula de torturar números negativos para deles
extrair uma realidade mais rósea, culpando administrações anteriores pelo
sacrifício que ele impôs aos argentinos.
Sacrifício que, demonstra o Indec, vem sendo
feito e sentido, e é esse sentimento da população que complica a posição de
Milei. Embora, com alguma razão, ele atribua as mazelas do país aos governos
peronistas, o brutal ajuste econômico que os argentinos encaram agora é obra
dele. Ninguém disse que seria fácil, e Milei era dos primeiros a afirmar isso.
Diante da crueza dos fatos, porém, ele age como legítima liderança populista
latino-americana, culpando os governos anteriores por absolutamente tudo.
Apesar de uma melhora nas previsões de
inflação na Argentina, elas ainda seguem estratosféricas em relação ao resto do
mundo (130% em 2024, segundo o BBVA). Ademais, o fim de subsídios e benefícios
sociais joga na pobreza cada vez mais argentinos, que em outros tempos
desfrutavam de elevado padrão de vida.
Enquanto Milei vociferava contra o comunismo
e a agenda de desenvolvimento da ONU em sua estreia na Assembleia Geral do
organismo multilateral, o apoio ao partido dele, Libertad Avanza, perdia força.
Se as eleições legislativas de 2025 fossem agora, o partido obteria 29,5% dos
votos, segundo pesquisa da Pulso Research – em maio, o porcentual era de 34,8%.
Já os kirchneristas avançaram de 17% para 20,4%.
A pobreza em alta e a falta de perspectiva de
dias melhores podem reconduzir os argentinos, acostumados a protestar como
poucos povos no mundo, às ruas, embora Milei, para contrariedade do papa
Francisco, tenha se cercado de medidas que coíbem manifestações.
Enquanto a pobreza aumenta, a popularidade de Milei cai. Até agora, só a retórica incendiária do presidente segue inabalada. Não parece o suficiente para garantir apoio nem do Congresso nem da população.
Brasileiros tristes, estressados e com raiva
Correio Braziliense
No Brasil, apenas 31% dos trabalhadores se
disseram engajados com a atividade que desempenham. País ocupa a sétima
colocação nesse quesito
Os trabalhadores brasileiros estão
estressados, tristes e com raiva. Pelo menos é o que indica o estudo State
of the Global Workplace 2024. O relatório anual elaborado pela consultoria
Gallup mostra que, no Brasil, 46% dos profissionais estão estressados, 25%,
tristes e 18%, com raiva em relação ao trabalho.
A pesquisa é robusta, com a participação de
128 mil funcionários de empresas de 160 países, ouvidos presencialmente ou por
telefone. Globalmente, 41% dos trabalhadores afirmaram que sentiram estresse no
dia anterior à entrevista, 21% tiveram raiva e 22%, tristeza.
Novamente, a posição brasileira desperta
preocupação. O país ocupa o quarto lugar na América Latina em sentimentos de
raiva e tristeza, o que evidencia um cenário vulnerável para a saúde mental. No
caso do estresse, está em sétimo lugar.
Uma análise dos sentimentos por países mostra
que a Bolívia lidera o ranking da tristeza no trabalho (32%), à frente de El
Salvador e Jamaica — empatados com 26% — e, logo depois, o Brasil (25%).
No caso da raiva, os bolivianos também estão na frente (25%), seguidos por
jamaicanos (24%), peruanos (19%) e brasileiros (18%). Uruguaios e
mexicanos aparecem nas últimas posições de raiva, com 9% e 7%, respectivamente.
Na categoria estresse, embora o Brasil tenha
ficado em sétimo lugar, 46% dos trabalhadores apontaram a condição, sendo que a
Bolívia, pela terceira vez, ocupa a primeira posição (55%. República Dominicana
e Costa Rica ocupam o segundo e o terceiro lugares (51%), Equador e El Salvador
(50%), o quarto e o quinto, e Peru, o sexto (48%).
Diante desse panorama nada incentivador, a
Gallup calculou o custo do baixo engajamento dos funcionários na economia
global. A perda é de US$ 8,9 trilhões, o que corresponde a 9% do Produto
Interno Bruto (PIB) mundial. Esse engajamento é uma combinação de envolvimento
e entusiasmo dos colaboradores, desempenhando adequadamente suas funções nos
locais de trabalho.
No Brasil, apenas 31% dos trabalhadores se
disseram engajados, e o país ocupa a sétima colocação nesse quesito. Na frente,
estão El Salvador (41%), Panamá (35%), Costa Rica (34%), República
Dominicana (33%), México (31%) e Guatemala (31%).
Os dados indicam que assistimos à combinação
de fatores de alerta, como sobrecarga de trabalho, altos picos de
estresse, falta de reconhecimento e dificuldades em equilibrar os aspectos
pessoais e profissionais e a incerteza de um futuro próspero.
Um estudo desenvolvido pela corretora
de benefícios It´sSeg Company, em 2023, corrobora com esse panorama. Os
casos de colaboradores com transtornos psicológicos aumentaram em 20% em
relação ao ano anterior, posicionando as doenças mentais como a segunda maior
causa de afastamentos do trabalho, perdendo apenas para lesões corporais, como
dores musculares e inflamações.
Para reduzir esse quadro, é fundamental que
as corporações tracem estratégias que garantam o bem-estar emocional de seus
subordinados, visando, assim, à própria sobrevivência da empresa. Ser feliz no
trabalho faz toda a diferença nos resultados.
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