sexta-feira, 4 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Governo faz bem em bloquear bets irregulares

O Globo

Antecipar suspensão das empresas de apostas que não solicitaram registro ajuda a inibir efeitos nocivos

Foi acertada a decisão do governo de antecipar para este mês o bloqueio de empresas de apostas, ou bets, que não se regularizaram junto à União ou aos estados no prazo estipulado — a suspensão estava prevista apenas para janeiro de 2025. Na quarta-feira, o Ministério da Fazenda divulgou uma lista com 93 empresas legalizadas, responsáveis por 205 bets, além de 18 autorizadas a atuar nos estados. Agora só falta a Anatel tomar as providências técnicas para impedir as irregulares de atuar.

O governo demorou a agir, embora fosse evidente a confusão que reinava no setor. Prova disso é haver bets patrocinadoras de alguns dos maiores clubes de futebol do país e ostentando suas marcas nos uniformes dos times que nem aparecem na lista de empresas legalizadas divulgada pelo governo.

Outro problema começa a ocorrer enquanto a regulação não entra em vigor: as empresas autorizadas a atuar apenas em determinado estado passaram a funcionar nacionalmente, contrariando as normas do Ministério da Fazenda. Um exemplo foram as bets credenciadas pela Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj), que operam no Brasil graças a uma liminar da Justiça Federal do Distrito Federal. É fundamental que haja uma regra para o país todo, já que o jogo digital rompe as fronteiras dos estados.

A regulamentação de jogos on-line pelo Congresso, aprovada no final do ano passado, foi a decisão sensata, uma vez que não adiantaria fechar os olhos para a realidade de apostas que proliferavam pelo país. Dezenas de bets já operavam no Brasil sem nenhuma regulamentação e sem que o Tesouro arrecadasse um centavo sequer com essa atividade altamente lucrativa.

Mas o governo demorou a implementar o monitoramento e a fiscalização das bets. Esperar até janeiro, como inicialmente planejado, não se mostrou a melhor decisão. Uma vez liberados, apostas e jogos on-line explodiram, trazendo, como era previsível, efeitos indesejáveis. Sinal eloquente de que o governo não se preparou foi a constatação, feita por técnicos do Banco Central, de que havia em agosto, entre os 24 milhões de brasileiros que apostaram nas bets, pelo menos 5 milhões de integrantes de famílias beneficiárias do Bolsa Família, cujas apostas somaram R$ 3 bilhões. Agora o Planalto corre para tentar impedir essa distorção da finalidade do programa social — garantir subsistência aos miseráveis.

Em meio ao descontrole, separar as empresas que se regularizaram das que operam ilegalmente é o ponto de partida para começar a fiscalizar as credenciadas e bloquear de modo eficaz as ilegais. Normas existem. O Ministério da Fazenda publicou diversas portarias estabelecendo regras para mitigar os efeitos nocivos da proliferação de apostas, especialmente a dependência psíquica e o endividamento excessivo. É preciso começar a aplicá-las desde já. As empresas mais sérias já implementaram algumas, como a vedação ao uso de cartões de crédito nas apostas.

Mas não basta o Congresso aprovar uma lei e o governo depois regulamentá-la. Será preciso fiscalizar e aperfeiçoar as normas constantemente, para evitar distorções como o uso do Bolsa Família nas apostas. A arrecadação não pode ser a única, nem a principal, preocupação do governo.

Importador e produtor ganharão caso UE adie nova lei antidesmatamento

O Globo

Embora sejam reflexo de práticas protecionistas, novas regras também atendem ao interesse do Brasil

A Comissão Europeia, braço executivo do bloco europeu, recomendou adiar a entrada em vigor da lei que prevê a proibição da importação de produtos do agronegócio oriundos de áreas desmatadas depois de 2020. Se a proposta for aprovada pelo Parlamento Europeu e pelos países-membros, a lei antidesmatamento, que vigoraria de forma gradual a partir do fim de dezembro, será atrasada em um ano. Como faltam detalhes sobre a metodologia e a implantação, os europeus precisam de mais tempo para se preparar. A prorrogação seria a decisão correta.

Ela será igualmente crucial para exportadores de todos os países, brasileiros inclusive, se adequarem às novas exigências de documentação e rastreabilidade de seus produtos. No último ano, os países exportadores vinham alertando os europeus sobre os prazos exíguos e o perigo de sobressaltos nas cadeias de suprimento, com impacto no preço de vários itens. Em setembro de 2023, governos latino-americanos, asiáticos e africanos informaram os europeus sobre os riscos. Em junho, os americanos também se manifestaram. No mês passado, o governo brasileiro pediu formalmente o adiamento ao comissário de agricultura do bloco.

A prorrogação abrirá a possibilidade de formar consensos na União Europeia (UE) em favor de mudanças. Uma das maiores críticas é a adoção de regras sem levar em conta as diferenças entre produtores. Café ou soja brasileiros não podem estar sujeitos às mesmas regras que produtores asiáticos de óleo de palma. Os próprios agricultores do bloco reclamam, pois estarão sujeitos à mesma legislação para suas vendas externas. Faltam também mais esclarecimentos sobre como resolver incompatibilidades entre as legislações.

A lei antidesmatamento é um reflexo evidente da cultura protecionista dos europeus, de longa tradição. A política agrícola comum em defesa dos produtores locais foi chancelada em 1962, um dos primeiros acordos firmados pelos integrantes da comunidade criada em 1958. Mas combater o desmatamento também é do interesse do Brasil. Não convém a ninguém incentivar a produção com destruição do meio ambiente e maior emissão de gases do aquecimento global. Se os produtores agrícolas sentirem efeito no bolso, mudarão mais rápido suas técnicas na direção de práticas sustentáveis.

Num primeiro momento, alguns produtores brasileiros tentaram desmerecer os impactos da lei. A UE importa 13% (ou US$ 21,5 bilhões) das exportações do agronegócio do Brasil, um quarto do que compra a Ásia. Ainda assim, é o segundo mercado para as vendas externas do país. Produtores de café, carne, cacau, soja e artigos florestais, como madeira ou móveis, estão entre os que deverão ser mais afetados. A lei antidesmatamento europeia será a primeira de outras que virão. Como o resto da humanidade, o Brasil também precisa levar a sério o desafio das mudanças climáticas.

Déficit cai, mas desaceleração esperada acende alerta fiscal

Valor Econômico

É vital para a credibilidade do governo atingir a meta fiscal no primeiro ano de vida do novo regime e esforçar-se para obter o primeiro superávit em 2025

As receitas passaram a crescer mais que as despesas, o que não ocorreu no ano até julho, e o resultado fiscal do governo central melhorou em agosto. O déficit primário no mês foi de R$ 22,4 bilhões, o que fez o resultado negativo acumulado no ano recuar para R$ 100 bilhões. Nos quatro meses restantes do ano é factível que o déficit chegue aos R$ 68,8 bilhões estimados pelo quarto relatório bimestral de despesas e receitas. Excluindo-se os R$ 40 bilhões de créditos extraordinários, que não são computados para efeitos de cumprimento da meta (mas contam para o endividamento), há chances de o governo entregar a meta fiscal pelo seu piso, de R$ 28,8 bilhões.

No resultado do ano até agosto, as receitas líquidas, já deduzidas as transferências para Estados e municípios, avançaram 8,4% acima da inflação, e as despesas, 7,1%. Foi a maior diferença do ano até agora. Até junho, foi o contrário, com os gastos suplantando a receita líquida em todos os meses. As contas da Previdência continuam pesando negativamente. Enquanto Tesouro e Banco Central apresentaram saldo positivo de R$ 139,6 bilhões em 12 meses, a Previdência teve um rombo de R$ 239,6 bilhões. Com isso, nesse período, o déficit primário foi de R$ 227,5 bilhões, ou 1,98% do PIB, ante R$ 233,3 bilhões até julho, 2,04% do PIB. Um dos pontos preocupantes, assinalou o secretário do Tesouro, Rogério Ceron, foi o comportamento das despesas do Benefício de Prestação Continuada, que cresceram 16,6% acima da inflação (R$ 73,22 bilhões), uma velocidade de expansão bastante superior à dos benefícios previdenciários no período (3,2% reais).

As contas da Previdência, apesar de serem as maiores responsáveis pelo déficit primário, terão melhor desempenho no semestre. Os gastos com o 13º salário de aposentados e pensionistas, que normalmente são pagos no fim do ano, foram antecipados para o início. No aumento da despesa total no ano, de R$ 98,7 bilhões, a Previdência não foi a vilã, contribuindo com R$ 21 bilhões. Salto maior tiveram as despesas do Executivo sujeitas a programação financeira, com R$ 31,2 bilhões, que são os gastos obrigatórios por determinação legal, mas sob os quais há controle de fluxo de pagamento, como algumas despesas com saúde, benefícios ao servidor etc. Os investimentos cresceram 23% e atingiram R$ 47,7 bilhões.

As despesas como porcentagem do PIB começaram a regredir, e o Tesouro indica que elas deverão fechar o ano na casa dos 19%. As despesas totais iniciaram o ano ao redor de 20% do PIB, aumentaram para 20,4% no primeiro semestre e agora recuaram para 20,2%. As obrigatórias fizeram o mesmo caminho e se situaram em 18,4% em agosto, enquanto as discricionárias somaram 1,8% do PIB.

Além das mudanças feitas pelo governo para arrecadar mais, fechando brechas legais, o crescimento acima do previsto da economia impulsionou fortemente as receitas. Nos oito primeiros meses do ano, por exemplo, a arrecadação do IPI subiu 36,9% acima da inflação, a da Cofins, 21,4% (mais R$ 42,1 bilhões em relação ao mesmo período do ano passado), e a do Imposto de Renda, 9% (mais R$ 43,8 bilhões). Não se deve, no entanto, esperar desempenho melhor do que esse nos próximos meses. A expectativa, com o início de um novo ciclo de alta dos juros, é de uma desaceleração lenta da atividade econômica, que já começou a aparecer em alguns dos últimos indicadores, como os da produção industrial.

Os resultados serão também moldados pelos próximos passos do governo Lula, que pode ou não ampliar os estímulos fiscais para a economia, responsáveis em grande parte pela expansão acima do previsto até o segundo trimestre do ano. Ontem, a S&P, outra empresa de classificação de risco visitada pelo presidente Lula em Nova York, indicou que não pretende tão cedo modificar a nota atribuída ao Brasil (dois níveis abaixo do grau de investimento). “O crescimento do Brasil também deveria significar uma maior capacidade para estabilizar a dívida”, disse Manuel Orozco, diretor da agência no Brasil. “Isso não está acontecendo agora”. Para ele, a expansão está sendo puxada pelo consumo e boa parte deste “está sendo impulsionada por uma política fiscal expansiva e um crescimento do gasto real”.

A continuidade dessa política implodirá o novo regime fiscal, mas a intenção da equipe econômica é obter o melhor resultado fiscal possível dentro de um governo no qual a austeridade fiscal não é uma prioridade unânime. Há sinais de que o governo começou a estimular mais gastos via crédito por meio dos fundos públicos, como os da Marinha Mercante e da Aviação Civil, alguns fora do orçamento, como os fundos garantidores. A PEC 66 permitiu o uso de 25% de seu superávit financeiro.

É vital para a credibilidade do governo atingir a meta fiscal no primeiro ano de vida do novo regime e esforçar-se para obter o primeiro superávit em 2025. A mudança do humor fiscal reduzirá com rapidez os juros, que hoje embutem prêmio excessivo porque os investidores desconfiam de que as regras fiscais não são levadas a sério pelo governo Lula.

Melhora no risco do Brasil está associada a reformas

Folha de S. Paulo

É compreensível que Lula capitalize voto de confiança da Moodys, mas governo precisa cortar gastos para conter dívida

A empresa de avaliação de crédito Moody’s concedeu um inesperado voto de confiança no futuro das contas do governo e da economia brasileira. No melhor dos cenários, trata-se de uma dádiva a ser aproveitada; no pior, um estímulo a manter as coisas como estão.

É compreensível que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) capitalize a boa notícia, com ênfase no que há de mais favorável a suas políticas. A agência, afinal, deu destaque ao crescimento do Produto Interno Bruto acima do esperado, o principal trunfo do Palácio do Planalto até aqui.

Afirmou ainda ser "positiva" a perspectiva de que o país suba outro degrau na escala de credibilidade e, assim, de que a dívida pública deixe de ser considerada investimento especulativo.

O pensamento positivo da Moody’s, porém, não faz desaparecer uma realidade pouco confortável. Do início do ano passado para cá, a dívida pública saltou do equivalente a 71,7% do PIB para 78,5%. Mesmo na perspectiva otimista das autoridades, deve chegar a 81% em 2026.

Uma alta de quase 10 pontos percentuais, em um quadriênio de crescimento econômico razoável e na ausência de choques, é sintoma de descontroles fiscais e descrédito na situação orçamentária —também refletido na retomada da alta dos juros.

A Moody’s reconhece que a credibilidade do assim chamado arcabouço fiscal "é ainda limitada", mas um bom ritmo de crescimento do PIB, o compromisso com metas de redução do déficit e medidas de contenção de despesas devem contribuir para a estabilização macroeconômica. A administração petista deveria levar a sério tais observações.

Note-se ainda que, como constata a agência, a situação brasileira ora mais favorável se deve também a reformas promovidas por "sucessivos governos" —entre elas a autonomia do Banco Central, a melhora da governança das empresas estatais e a mudança nas leis trabalhistas, todas elas objeto de fortes críticas de Lula e seus aliados.

Mais reformas, como a tributária, melhorariam o ambiente de negócios, o uso eficiente de recursos produtivos e o crescimento potencial do país, afirma a empresa de avaliação de crédito.

Dentre as novidades esperadas pela Moody’s estão a contenção da alta de despesas com Previdência, saúdeeducação e compromissos obrigatórios em geral. Trata-se de mudança que daria viabilidade às metas fiscais e contribuiria para a redução das taxas de juros. No entanto são medidas às quais se opõe o presidente da República, além da provável maioria do Congresso Nacional.

A melhora da nota de crédito é sem dúvida uma boa notícia. Nem de longe, por si só, vai diminuir o custo de financiamento da dívida pública, o que mantém altos os custos do crédito para o país inteiro. Com otimismo, a avaliação da Moody’s pode ser encarada como um incentivo para que o país persista no caminho das reformas e da contenção fiscal.

O fim do carvão na eletricidade

Folha de S. Paulo

Reino Unido encerra queima do combustível mais poluente e não cobra tarifas sobre produtos chineses para descarbonização

No século 18, a invenção da máquina a vapor na Inglaterra deu a largada na Revolução Industrial propelida a carvão mineral, que se tornaria a principal fonte para geração de eletricidade. O ciclo se fecha, agora, com a desativação da última usina movida por esse combustível fóssil no Reino Unido.

Em 30 de setembro desligaram-se as turbinas da central elétrica em Ratcliffe-on-Soar. Esse processo de descomissionamento das usinas mais poluidoras começou em 2015, no esforço para zerar emissões líquidas de carbono na economia britânica até 2050.

O plano era interromper em uma década o consumo de carvão para eletricidade —e foi cumprido. Faz sentido focar o início da descarbonização nesse combustível, que emite a maior quantidade de CO2 dentre as fontes fósseis, como petróleo e gás natural.

Há quem defenda estas duas como alternativas de transição, mas o ideal é substituir os três recursos finitos por fontes limpas renováveis, como eólica e solar —com retaguarda de energia não intermitente, hidrelétrica, nuclear ou armazenada em baterias.

Trata-se do caminho para cumprir o Acordo de Paris (2015) de conter o aquecimento global em 1,5ºC a 2ºC até 2100, mas o mundo ainda segue no sentido oposto.

Em 2023, o consumo de carvão foi de 8,53 bilhões de toneladas, um recorde, segundo a Agência Internacional de Energia. Mais da metade da queima ocorreu na China, que teve alta de 4,9%.

Países do G7 acordaram em abril eliminar a geração a carvão em dez anos, entretanto com flexibilidade para os muito dependentes, criticada por ambientalistas. O Japão tem ainda 30% de sua energia proveniente desse fóssil, e a Alemanha, 25%. Na China, a dependência vem caindo, mas ainda é de 53%.

Nas negociações sobre mudança climática, historicamente, tem prevalecido a lógica de maior tolerância com a potência asiática e outros países em desenvolvimento, onde há muita pobreza para erradicar e parcos recursos para financiar a transição.

A maré está virando, contudo. Ao mesmo tempo em que cresce a pressão das nações ricas para Pequim reduzir emissões, criam-se tarifas sobre carros elétricos, painéis fotovoltaicos e baterias de lítio chineses.

Tal voga protecionista tem tudo para encarecer e atrasar a eletrificação das economias. EUA, União Europeia e Canadá já engataram essa marcha a ré no liberalismo que pregam para os outros. A bem da verdade, o Reino Unido, pátria tanto dessa doutrina quanto do carvão industrial, por ora se absteve do passo incoerente.

Um freio ao voluntarismo ambiental europeu

O Estado de S. Paulo

Excessos regulatórios europeus não só terão impactos sociais em países em desenvolvimento, como serão contraproducentes à causa ambiental e danosos aos consumidores europeus

Pressionada por governos, associações comerciais e produtores, a Comissão Europeia adiou em um ano a implementação de sua Lei Antidesmatamento, que proíbe a comercialização de produtos de áreas desmatadas após 2020. É um alívio não só para o Brasil, mas para países diversos, dos EUA à China, além de nações latino-americanas, africanas e do Sudeste Asiático. O governo brasileiro tem um ano para trabalhar com produtores nacionais em busca de adaptação às regras, mas, sobretudo, para mobilizar sua diplomacia a se alinhar com outras partes interessadas ao redor do mundo e pressionar a Comissão Europeia: o problema não é só, como ela alega, o prazo para a adequação às regras, mas os excessos dessas regras.

A lei, por exemplo, não distingue entre desmatamento legal e ilegal, como previsto nas leis brasileiras. O Código Florestal é uma das legislações mais equilibradas e restritivas do mundo. Fazendeiros no bioma amazônico são obrigados a manter a cobertura original de 80% de suas propriedades – nos outros biomas, esse porcentual chega a 50% – e isso sem serem remunerados por seus serviços ambientais. No Brasil, 66% do território é coberto por vegetação nativa. Na Amazônia, são 83%. Já na Europa são só 2%. A agricultura brasileira ocupa só 10% do território, e, pelos critérios da ONU, ela tem baixo nível de emissões de CO2. Segundo estudo publicado na revista Science, 62% do desmatamento ilegal na Amazônia e no Cerrado está concentrado em apenas 2% das fazendas de gado e soja.

A maioria dos produtores já atende às novas exigências europeias. Mas a regulação desconsidera não só as leis e certificados nacionais, mas técnicas de plantio que envolvem ciclos de desmate e reflorestamento, e impõe critérios de rastreabilidade complexos e onerosos. Os maiores prejudicados serão os pequenos e médios produtores, que, não tendo como arcar com essas exigências, serão marginalizados em favor das grandes corporações.

No passado, a principal motivação para regras como essas era o protecionismo. Há algo disso no novo regulamento. Mas o fato que mais ilustra suas disfuncionalidades e excessos é que as maiores pressões vieram não de fora, mas de dentro. Cerca de 20 países europeus pediram sua suspensão ou abolição. O Partido Popular Europeu (centro-direita), o maior da Europa, a chamou de “um monstro burocrático”.

Importadores e industriais europeus reclamam dos custos. Agricultores se queixam de que as regras prejudicarão suas exportações. Recentemente, fazendeiros franceses cercaram o Palácio do Eliseu com tratores obrigando o governo a recuar de uma lei que os obrigava a preservar florestas em meros 4% de suas propriedades. Os protestos se multiplicam da Holanda à Alemanha e à Polônia.

A elite tecnocrática em Bruxelas alega agir em função do “interesse público”. De fato, sob influência excessiva do ativismo ambiental, a legislação conta com apoio de grande parte dos consumidores europeus. Mas esses consumidores estão mal informados e ignoram que medidas como essas não só terão impactos sociais negativos – como sobre os pequenos produtores dos países em desenvolvimento – e serão contraproducentes ao próprio meio ambiente – ao obrigar, por exemplo, esses produtores marginalizados a apelar a práticas predatórias para sua subsistência –, mas afetarão seus próprios interesses. Pergunte a um europeu se ele prefere que seus produtos venham de áreas com desmatamento “zero”, e obviamente dirá que sim, mas pergunte se está disposto a pagar até 30% a mais por seu café, chocolate e outros produtos, e a resposta será bem diferente. Barreiras excessivas como as previstas na nova lei impõem riscos de inflação, insegurança alimentar e desestabilização da economia europeia.

Por décadas o crescimento da Europa tem ficado para trás na comparação com outros países desenvolvidos, mas sua produtividade na fabricação de regulações é incomparável. Boa parte delas é mero protecionismo disfarçado. Mas não é só hipocrisia. Muitas são genuinamente motivadas por boas intenções. O problema é que, como sabe bem a sabedoria popular, de boas intenções o inferno está cheio.

Lula no ‘País das Brincadeiras’

O Estado de S. Paulo

Defensor do consumo público e privado para acelerar economia, Lula da Silva ignora alertas sobre aumento do endividamento do governo e das famílias e mantém a política de gastos

De tempos em tempos, determinados termos econômicos passam a compor o noticiário, caracterizando a natureza cíclica da atividade. O termo da vez é o “hiato positivo do produto” que, de forma resumida e metafórica, significa que o fotograma imediato de uma economia sobreaquecida não sustentará um filme de média ou longa-metragem. Neste caso, a tendência futura passa a ser infinitamente mais importante do que o quadro atual, e é por isso que as mais recentes projeções de indicadores como inflação e relação dívida/PIB são tão preocupantes.

Relatório do Banco Central (BC) projeta que até 2026 o IPCA continuará girando acima da meta de 3%. A expectativa é de 4,3% em 2024, 3,7% em 2025 e 3,3% no acumulado de 12 meses em 2026. Já o Tesouro Nacional trabalha com a possibilidade de a dívida pública bruta ficar acima de 81% do Produto Interno Bruto (PIB) a partir de 2026, como mostrou o Projeto de Lei Orçamentária (Ploa) de 2025. Neste ano, deve fechar pouco abaixo de 78%.

São perspectivas ruins calculadas por técnicos de um governo que, a despeito das consequências negativas que se avizinham, prefere insistir na ilusão de resultados de curto prazo baseados em uma perigosa opção por políticas expansionistas. É mais conveniente para Lula da Silva comemorar o aumento do emprego e renda e o aquecimento do comércio enquanto incentiva métodos nada ortodoxos para tentar elevar ainda mais o crédito e o consumo. Em outra frente, articula meios para bancar a política desenvolvimentista que caracteriza o lulopetismo.

De fato, o aumento, há vários trimestres, da população ocupada puxou para baixo a taxa de desemprego, que no monitoramento de agosto ficou em 6,6%, um dos menores saldos da série histórica iniciada há 12 anos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A taxa de crescimento da ocupação no mercado de trabalho – formal e informal – já supera a de crescimento da população em idade ativa, ou seja, a oferta de trabalho está atendendo à demanda com certa folga.

Entre avanços e recuos mensais, as vendas no comércio varejista têm conseguido manter um saldo positivo. De janeiro a julho, acumula alta de 5,1% e, no acumulado de 12 meses até julho, de 3,7%, de acordo com o IBGE. Um crescimento marcado pela melhora do mercado de trabalho e, em grande parte, pelos programas de transferência de renda. E assim, embalada pelo consumo das famílias e do governo, a economia roda no tom e no ritmo ditados pelo instrumento errado, quando o ideal seria que a orquestra inteira estivesse sendo preparada para executar a mesma partitura.

Foi basicamente o aumento de gastos públicos e privados que levou a economia no segundo trimestre do ano a crescer acima das expectativas – 1,4%, de acordo com o PIB calculado pelo IBGE. E é também o fator de maior preocupação, pois presume elevação da inadimplência das famílias e o crescimento da dívida pública, que o governo Lula da Silva tenta frear artificialmente com malabarismos que excluem despesas públicas do cálculo do Orçamento.

Como não há maneiras honestas de esconder por muito tempo os efeitos nefastos dessa política, a pressão inflacionária que vai sendo criada pelo governo tem de ser contida pelo Banco Central por meio dos juros. Para justificar o aperto monetário que voltou a adotar em setembro, com o aumento de 0,25 ponto porcentual da taxa Selic, os diretores do BC destacaram “resiliência na atividade, pressões no mercado de trabalho, hiato do produto positivo, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas”.

Mas isso não parece incomodar Lula da Silva. Ao contrário: sempre que pode, chama a gastança de “investimento” e vitupera contra os que lhe cobram mais prudência. Tivesse mais luzes, o presidente conheceria a história de Pinóquio, que se deixou levar ao “País das Brincadeiras” na expectativa de que, ali, ele pudesse fazer o que bem entendesse, sem qualquer responsabilidade. Passados cinco meses nessa “bela festança de brincar e se divertir o dia todo”, Pinóquio acordou certo dia com “um magnífico par de orelhas de burro”. No final da história, como todos sabem, o boneco aprende com seus erros e cria juízo. No caso de Lula, não há Grilo Falante que dê jeito.

Pobreza avança na Argentina

O Estado de S. Paulo

Todos sabiam que o ajuste de Javier Milei pioraria a vida no país, mas o tombo assusta

Mais da metade da população (52,9%) da Argentina encontrava-se em situação de pobreza no primeiro semestre de 2024, de acordo com um levantamento do Instituto Nacional de Estatísticas e Censo (Indec), o primeiro sob a gestão do anarcocapitalista Javier Milei. Presidente há menos de um ano, Milei vem promovendo um duro ajuste econômico, amargo e necessário, segundo ele, para que o país saia da decadência econômica de décadas. No entanto, sem sinais de melhora visíveis para a população, além dos efeitos colaterais nada desprezíveis como o aumento da pobreza, as medidas de Milei podem perder o fundamental apoio do Congresso, sem o qual o plano para “salvar” o país acabará, como tantos outros, deixando apenas um rastro de miséria reciclada.

Vítimas da incompetência de diversos governos, os argentinos, talvez mais por desespero que por convicção, confiaram a Milei o posto de presidente, que ele ocupa desde dezembro de 2023. O excêntrico mandatário vem cumprindo o que prometeu: cortes drásticos de gastos e de subsídios, além da desvalorização da moeda, o peso. Mas, se antes Milei afirmava que o ajuste seria complicado e cobraria um alto preço da população, agora já adota a surrada fórmula de torturar números negativos para deles extrair uma realidade mais rósea, culpando administrações anteriores pelo sacrifício que ele impôs aos argentinos.

Sacrifício que, demonstra o Indec, vem sendo feito e sentido, e é esse sentimento da população que complica a posição de Milei. Embora, com alguma razão, ele atribua as mazelas do país aos governos peronistas, o brutal ajuste econômico que os argentinos encaram agora é obra dele. Ninguém disse que seria fácil, e Milei era dos primeiros a afirmar isso. Diante da crueza dos fatos, porém, ele age como legítima liderança populista latino-americana, culpando os governos anteriores por absolutamente tudo.

Apesar de uma melhora nas previsões de inflação na Argentina, elas ainda seguem estratosféricas em relação ao resto do mundo (130% em 2024, segundo o BBVA). Ademais, o fim de subsídios e benefícios sociais joga na pobreza cada vez mais argentinos, que em outros tempos desfrutavam de elevado padrão de vida.

Enquanto Milei vociferava contra o comunismo e a agenda de desenvolvimento da ONU em sua estreia na Assembleia Geral do organismo multilateral, o apoio ao partido dele, Libertad Avanza, perdia força. Se as eleições legislativas de 2025 fossem agora, o partido obteria 29,5% dos votos, segundo pesquisa da Pulso Research – em maio, o porcentual era de 34,8%. Já os kirchneristas avançaram de 17% para 20,4%.

A pobreza em alta e a falta de perspectiva de dias melhores podem reconduzir os argentinos, acostumados a protestar como poucos povos no mundo, às ruas, embora Milei, para contrariedade do papa Francisco, tenha se cercado de medidas que coíbem manifestações.

Enquanto a pobreza aumenta, a popularidade de Milei cai. Até agora, só a retórica incendiária do presidente segue inabalada. Não parece o suficiente para garantir apoio nem do Congresso nem da população.

Brasileiros tristes, estressados e com raiva

Correio Braziliense

No Brasil, apenas 31% dos trabalhadores se disseram engajados com a atividade que desempenham. País ocupa a sétima colocação nesse quesito

Os trabalhadores brasileiros estão estressados, tristes e com raiva. Pelo menos é o que indica o estudo State of the Global Workplace 2024. O relatório anual elaborado pela consultoria Gallup mostra que, no Brasil, 46% dos profissionais estão estressados, 25%, tristes e 18%, com raiva em relação ao trabalho.

A pesquisa é robusta, com a participação de 128 mil funcionários de empresas de 160 países, ouvidos presencialmente ou por telefone. Globalmente, 41% dos trabalhadores afirmaram que sentiram estresse no dia anterior à entrevista, 21% tiveram raiva e 22%, tristeza.

Novamente, a posição brasileira desperta preocupação. O país ocupa o quarto lugar na América Latina em sentimentos de raiva e tristeza, o que evidencia um cenário vulnerável para a saúde mental. No caso do estresse, está em sétimo lugar.

Uma análise dos sentimentos por países mostra que a Bolívia lidera o ranking da tristeza no trabalho (32%), à frente de El Salvador e Jamaica —  empatados com 26% — e, logo depois, o Brasil (25%). No caso da raiva, os bolivianos também estão na frente (25%), seguidos por jamaicanos (24%),  peruanos (19%) e brasileiros (18%). Uruguaios e mexicanos aparecem nas últimas posições de raiva, com 9% e 7%, respectivamente.

Na categoria estresse, embora o Brasil tenha ficado em sétimo lugar, 46% dos trabalhadores apontaram a condição, sendo que a Bolívia, pela terceira vez, ocupa a primeira posição (55%. República Dominicana e Costa Rica ocupam o segundo e o terceiro lugares (51%), Equador e El Salvador (50%), o quarto e o quinto, e Peru, o sexto (48%).

Diante desse panorama nada incentivador, a Gallup calculou o custo do baixo engajamento dos funcionários na economia global. A perda é de US$ 8,9 trilhões, o que corresponde a 9% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. Esse engajamento é uma combinação de envolvimento e entusiasmo dos colaboradores, desempenhando adequadamente suas funções nos locais de trabalho. 

No Brasil, apenas 31% dos trabalhadores se disseram engajados, e o país ocupa a sétima colocação nesse quesito. Na frente, estão  El Salvador (41%), Panamá (35%), Costa Rica (34%), República Dominicana (33%), México (31%) e Guatemala (31%).  

Os dados indicam que assistimos à combinação de fatores de alerta,  como sobrecarga de trabalho, altos picos de estresse, falta de reconhecimento e dificuldades em equilibrar os aspectos pessoais e profissionais e a incerteza de um futuro próspero.

 Um estudo desenvolvido pela corretora de benefícios It´sSeg  Company, em 2023, corrobora com esse panorama. Os casos de colaboradores com transtornos psicológicos aumentaram em 20% em relação ao ano anterior, posicionando as doenças mentais como a segunda maior causa de afastamentos do trabalho, perdendo apenas para lesões corporais, como dores musculares e inflamações.

Para reduzir esse quadro, é fundamental que as corporações tracem estratégias que garantam o bem-estar emocional de seus subordinados, visando, assim, à própria sobrevivência da empresa. Ser feliz no trabalho faz toda a diferença nos resultados.

 


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