quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Acuada, extrema-direita abre flanco ao Susp - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Animosidade da bancada da bala não é aposta em dobro, mas esperneio ao cerco. Quanto mais pressionada, mais exaltada a extrema-direita fica. Por isso, o momento parece oportuno para a PEC da Segurança Pública

“Um policial jogou um cabra de uma ponte. Por quê? Porque o cara chega à conclusão de que não vai adiantar merda nenhuma levar aquele cara para a delegacia”. Gilson Cardoso Fahur tem 61 anos, é sargento reformado da Polícia Militar e deputado federal pelo PSD do Paraná, filiado, portanto, às hostes do presidente do partido, Gilberto Kassab, do governador do Estado, Ratinho Jr., e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG).

Tinha diante de si o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, convocado para uma audiência pública na Câmara dos Deputados na tarde de terça-feira. Fahur não se limitou a justificar o ato de barbárie da PM paulista, que jogou de uma ponte um entregador de aplicativo, sem passagem pela polícia, que estava numa moto e não obedeceu a uma ordem policial para parar. Comentou ainda a morte de Gabriel Renan Soares, de 26 anos, atingido pelas costas.

“Outro noia vai roubar um mercado, furta três pacotes de sabão, já tinha furtado bolachas de manhã, infernizando o comerciante, porque não é só um (...) são vários, furtando dia e noite, cagando e mijando em frente da casa dos outros, do comércio dos outros. O policial está no local fazendo compras, vê o ladrão, todo espalhafatoso, escorregando e dá onze tirinhos nele [sim, usou o diminutivo]. Depois é responsabilizado e afastado. Vão acabar com a polícia no Brasil se afastarem os policiais, pelo amor de Deus”.

Fahur está no segundo mandato como deputado federal. No primeiro, foi o mais votado de seu Estado, com 314 mil votos. Do seu discurso de estreia na tribuna da Câmara, destacou um trecho para fixar como o cartão de visitas de seu perfil no X: “Não tem que investigar nada não. Tem que arquivar e acabou (...) bandido bom é bandido morto. Preso só dá despesa, solto, só da prejuízo pra sociedade”.

Na recondução à Câmara, em 2022, Fahur teve pouco mais da metade dos votos, sendo o sétimo da bancada paranaense, perdendo para Gleisi Hoffmann (PT). O discurso de Fahur não é um ponto fora da curva na extrema-direita. A sucessão de barbaridades da PM paulista é concomitante à conclusão do relatório da Polícia Federal mostrando a violência bolsonarista contra a democracia.

Tome-se outro parlamentar da comissão, Marcel Van Hatten (Novo-SP), que foi indiciado pela PF por ter chamado Fabio Shor, delegado que atua nos inquéritos bolsonaristas e foi fartamente ameaçado de morte, de “bandido”. Na audiência, Van Hatten chamou o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, que acompanhava Lewandowski, de “prevaricador”.

O grau de animosidade da sessão da Comissão de Segurança da Câmara não é aposta em dobro, mas esperneio ao cerco. Quanto mais pressionada, mais exaltada a extrema-direita fica. Por isso, o momento parece oportuno para o governo emplacar a PEC da Segurança Pública. Os próprios parlamentares da bancada da bala já o reconhecem. O deputado Marcos Pollon (PL-MS), fundador do Pro-Armas, reconheceu que uma das principais ideias da PEC, a transformação da PRF numa Polícia Ostensiva Federal que, além das rodovias, atue em portos, aeroportos e ferrovias, é bandeira que sempre defendeu como professor de processo civil: “Dou o braço a torcer”.

A crise da segurança pública em São Paulo, um dos principais polos de resistência à PEC, é outro indício de que o momento é de avanço civilizatório sobre uma agenda que lastreia a extrema-direita no país. A proposta que cria o Sistema Único de Segurança Pública estancou na Casa Civil da Presidência.

O entregador jogado da ponte e os 11 “tirinhos” pelas costas num ladrão de sabão são apenas os últimos eventos de uma barbaridade autorizada pelo governador Tarcísio de Freitas, quando disse não estar “nem aí” para a denúncia no Conselho de Direitos Humanos da ONU contra a explosão da letalidade policial na Baixada Santista.

Continua a fazê-lo ao se recusar a demitir o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, que acumula extensa folha corrida no descontrole sobre as polícias. A suspeição sobre o PCC, no atentado que levou à morte de Vinícius Gritzbach, no aeroporto de Guarulhos, em novembro, passou a ter um “C” sobrando desde que vieram à tona as imagens de policiais civis usando relógios do empresário.

O sumiço dos relógios havia sido denunciado por Gritzbach à corregedoria da Polícia Civil de São Paulo. A resposta padrão da corporação tem sido a de que as investigações “prosseguem” sem que a segurança paulista recue de suas políticas mais extremadas como a autonomia dos policiais sobre o acionamento das câmeras corporais. Com isso, a letalidade policial cresceu 20% no primeiro ano do governo Tarcísio e ruma para fechar com indicadores muito mais alarmantes em 2024.

O governador de São Paulo não demite Derrite porque teme perder a base bolsonarista no Estado. Por outro lado, teme-se que o foco do PCC no tráfico internacional, que abriu a disputa pelos pontos de venda de drogas domésticos, faça desandar os indicadores que têm sido mantidos sob controle, em grande parte, pelo monopólio exercido pela gigante paulista do crime organizado.

O momento, portanto, é de insegurança, tanto em relação ao domínio da pauta quanto em relação ao discurso para sua base eleitoral. O espaço para o avanço de um Susp, capaz de quebrar a “milicianização” das polícias locais, não poderia ser mais evidente.

 

2 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Estamos no mato sem cachorro.

Mais um amador disse...

" O governador de São Paulo não demite Derrite porque teme perder a base bolsonarista no Estado. Por outro lado, teme-se que o foco do PCC no tráfico internacional, que abriu a disputa pelos pontos de venda de drogas domésticos, faça desandar os indicadores que têm sido mantidos sob controle, em grande parte, pelo monopólio exercido pela gigante paulista do crime organizado.

O momento, portanto, é de insegurança, tanto em relação ao domínio da pauta quanto em relação ao discurso para sua base eleitoral. O espaço para o avanço de um Susp, capaz de quebrar a “milicianização” das polícias locais, não poderia ser mais evidente. "

Perfeito !