Correio Braziliense
Mercado se dá conta de que o problema não é
Haddad, mas o Centrão. Muito da alta do dólar tem a ver com a desconfiança de
que a maioria do Parlamento não está interessada no equilíbrio fiscal — quer é
privilégios
Uma canção de Caetano Veloso diz assim:
"Eu não espero pelo dia/ Em que todos/ Os homens concordem/ Apenas sei de
diversas/ Harmonias bonitas/ Possíveis sem juízo final/ Alguma coisa/ Está fora
da ordem/ Fora da nova ordem/ Mundial".
Quando a gente olha para a política e a
economia brasileiras, a impressão é exatamente essa, embora a ordem mundial
esteja uma bagunça, nesse interregno entre a eleição de Donald Trump e o final
de mandato do Joe Biden nos Estados Unidos.
No Congresso,
economia e política estão juntas. Novas regras para as emendas parlamentares
estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) exigem transparência e
rastreabilidade das emendas, conforme as diretrizes constitucionais do
Orçamento da União. O governo só liberou R$ 7,8 bilhões em emendas, dos R$ 25
bilhões que estavam sustados pelo STF. O restante precisa cumprir as novas
regras.
Em retaliação, os deputados do baixo clero, principalmente os do PSD e do União Brasil, partidos que participam do governo, resolveram boicotar a aprovação do ajuste fiscal proposto pelo governo e negociado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com os líderes e os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
O governo conseguiu assinaturas para votar o
pacote em regime de urgência, mas ontem Lira avaliou que não existe maioria
para aprovar o pacote: "Hoje, o governo não tem os votos nem para aprovar
as urgências. Não tenho dúvida de que o Congresso não vai faltar, mas está num
momento de muita instabilidade", justificou.
Por trás da barganha, há muita insatisfação
com as mudanças nas regras do jogo, que davam poderes extraordinários para os
deputados manipularem R$ 52 bilhões em emendas de acordo com seus interesses.
Não se sabe quem é o autor nem a destinação específica de boa parte desses
recursos. Os deputados mandavam o dinheiro para os prefeitos gastarem como
quisessem, sem deixar rastro.
Se antes eram os deputados e senadores que os
procuravam, agora são os ministros que procuram os parlamentares para conseguir
verbas para seus projetos prioritários. Ocorre que as prioridades dos
parlamentares são seus interesses de clientela — de parte de alguns, a
ampliação do próprio patrimônio. Uma das razões de o Supremo ter sustado a
execução das emendas é o fato de que mais de 10 parlamentares federais estão
sendo investigados, em sigilo de Justiça, por causa de desvio de verbas de
emendas.
A ironia da situação é que o mercado
financeiro, agora, está se dando conta de que seu maior problema não é o
ministro Fernando Haddad — são os políticos do Centrão. Muito da alta do dólar
tem a ver com a desconfiança de que a maioria do atual Congresso não está
interessada no equilíbrio fiscal. Gosta mesmo é de privilégios.
Pobreza e crescimento
A propósito, parece que o mundo vai acabar,
quando se olha para Congresso e o mercado financeiro. Entretanto, em 2023, o
Brasil alcançou os menores níveis de pobreza e extrema pobreza da série
histórica iniciada em 2012 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). O parâmetro internacional para medir a pobreza, definido pelo Banco
Mundial (Bird), é de uma renda de até US$ 6,85 por pessoa por dia. No Brasil,
cerca de R$ 665 por mês são considerados como situação de pobreza. O de extrema
pobreza é de uma renda de até US$ 2,15 por dia. Ou então, cerca de R$ 209 mês.
Entre 2022 e 2023, 8,7 milhões de pessoas
saíram da pobreza no país. O número total recuou de 67,7 milhões para 59
milhões — menor contingente desde 2012. Em proporção, passou de 31,6% para
27,4% da população. No mesmo período, 3,1 milhões de pessoas também saíram da
extrema pobreza. Esse contingente recuou de 12,6 milhões para 9,5 milhões,
chegando ao menor patamar desde 2012. Em termos percentuais, a queda foi de
5,9% para 4,4% da população.
Mas a contradição não para por aí. O Fundo
Monetário Internacional (FMI) estima que o Brasil deve ter um incremento de 3%
no PIB. Os setores que mais contribuíram para esse crescimento registrado entre
julho, agosto e setembro no Brasil foram os serviços (alta de 0,9%) e a
indústria (alta de 0,6%). Na área de serviços, "houve expansões em
informação e comunicação (2,1%), outras atividades de serviços (1,7%),
atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados (1,5%), atividades
imobiliárias (1,0%), comércio (0,8%), transporte, armazenagem e correio (0,6%)
e administração, defesa, saúde e educação públicas e seguridade social
(0,5%)". Na indústria, destaca-se o crescimento de 1,3% nas indústrias de
transformação.
O relatório da Fundação Getulio Vargas (FGV)
aponta crescimentos sólidos em quesitos, como consumo das famílias (aumento de
4,5% no terceiro trimestre), Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF, 9,7%),
exportação ( 2,4%) e importação ( 20,2%). Entretanto, há uma preocupação com o
aumento de preços no país.
No acumulado dos últimos 12 meses, a inflação
atingiu o patamar de 4,77%, puxada pelo aumento nos alimentos e nas tarifas de
energia elétrica. Por causa disso, alguns defendem uma política recessiva.
Assim, seria mais fácil controlar a inflação — bastaria subir os juros ainda
mais. Para o mercado financeiro, isso é música, por causa dos títulos públicos.
Um comentário:
Só vê gente reclamando da carestia,o ordenado desaparece das mãos.
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