O Estado de S. Paulo
A briga entre o Legislativo e Supremo Tribunal Federal pelo sistema de governo
O problema das emendas parlamentares entre
STF e Congresso deixou há muito de ser questão de transparência no uso do
dinheiro público, embora também seja. Os dois poderes estão engalfinhados em
torno da definição de sistema de governo.
O ministro Flávio Dino, referendado pelo
plenário, escreveu que o atual sistema não é parlamentarista, nem
presidencialista, nem semipresidencialista. É algo “singular”, cujo grau de
ingerência do Congresso no orçamento público não se equipara a nenhum outro.
Suspeita-se, diz o ministro, que esse sistema de emendas possui uma “face oculta” (a falta de transparência) que leva a “perpetuação do poder” e “continuísmo político”. O que torna “inevitável e compulsória” a ampliação dos controles institucionais – leia-se controle pelo STF.
Em outras palavras, o STF embarcou no caso
das emendas numa espécie de reforma do sistema de governo. E tenta “consertar”
pela via jurídica um longo processo pelo qual o Congresso avançou sobre o
Executivo na posse de uma ferramenta clássica de política: a alocação de
recursos via orçamento público.
Está evidente que o STF encara como absurdo a
ser corrigido o fato de o Legislativo ter aumentado de cerca de 5% para cerca
de 24% nos últimos cinco anos o valor das emendas nas despesas discricionárias.
No fundo, a queixa se refere a um dado central da política brasileira.
Pois o que explica esse considerável avanço
do Congresso foi uma sucessão de presidentes fracos, começando por Dilma, que
foram entregando os anéis e ao mesmo tempo os dedos. Os parlamentares viram
essa evolução de forma diferente: desde a instauração das emendas impositivas
(cuja execução é obrigatória e independente de negociação com o governo), a
partir de 2015, consideram que deixaram de ser “reféns” do Planalto.
A partir de 1988, o desenho do sistema de
governo brasileiro obrigou a figura forte do chefe do Executivo a se entender
com um Congresso dono de muitos poderes e prerrogativas. Cujas tradicionais
características de fracionamento e baixa representatividade foram se
transformando, por falência dos partidos e pelo esquema de emendas, num sistema
interno de “capitanias hereditárias” (também isso o STF lamenta) que é a cara
do Centrão.
Consolidado como está, e com um Executivo sem
votos no Legislativo, mesmo com a mãozinha do STF o atual sistema de governo
não volta ao falecido “presidencialismo de coalizão”, que Lula achou que
assumiria. Ao contrário, está se tornando ainda mais complexo e virou mesmo um
tabuleiro de três bordas. O STF sugere querer dar à política rumos e balizas
distintas do que ela estabeleceu. Acaba sendo engolido por ela.
Um comentário:
O artigo do WW é extremamente lúcido e reflete a embanação dessa democracia jabuticada autofagica. Precisamos para contrapor ao atual estado das coisas de um Projeto de Nação, sem isso vamos viver nesse eterno enxugar gelo.
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