Valor Econômico
Ainda parece existir uma ociosidade
considerável no mercado de trabalho brasileiro
Os dados do PIB do terceiro trimestre de 2024
divulgados anteontem pelo IBGE mostram uma economia que apresenta uma notável
performance em termos de crescimento. Com efeito, o PIB brasileiro apresentou
um crescimento de 0,9% com respeito ao segundo semestre de 2024 e de 4% na
comparação com igual período do ano anterior. Considerando que o crescimento
médio da população brasileira foi de 0,52% ao ano no período compreendido entre
2010 e 2022, segundo dados do Censo Demográfico, o crescimento do PIB per capita
terá sido de 3,48% na comparação entre o terceiro trimestre de 2024 e o
terceiro trimestre de 2023, provavelmente um dos melhores resultados obtidos
nos últimos 13 anos.
Se a economia brasileira conseguir manter um crescimento do seu PIB per capita à taxa de 3,4% ao ano, o Brasil poderá dobrar a sua renda per capita a cada 20 anos, o que fará com que, no espaço de 30 anos, o país alcance o atual nível de renda per capita da Espanha.
Este resultado é ainda mais positivo quando
constatamos que, desde o início do governo Lula, o crescimento do PIB a cada
trimestre, na comparação com o mesmo trimestre do ano anterior, está se
acelerando. O crescimento do PIB passou de 2,4% no quarto trimestre de 2023
para 2,6% no primeiro trimestre de 2024, 3,3% no segundo trimestre do corrente
ano e alcançou a marca de 4% no terceiro trimestre. O Brasil está passando por
uma fase de aceleração de crescimento que não parece ser o resultado de
condições internacionais excepcionalmente favoráveis, como o ocorrido em
momentos anteriores de nossa história recente. Pelo contrário, o cenário
geopolítico está particularmente complicado devido a tensões crescentes no
Oriente Médio, desaceleração do crescimento da economia da China e da União
Europeia (UE), além da escalada no conflito militar na Ucrânia.
Muitos economistas irão afirmar que o ritmo
atual de crescimento da economia brasileira é insustentável pois se trata de um
crescimento acima do potencial. Eu discordo desse tipo de análise. O
crescimento potencial, ou seja, aquele ritmo de crescimento do produto que é
compatível com um crescimento equilibrado da demanda e da capacidade produtiva
pode ser avaliado por intermédio do velho, mas ainda atual, modelo de
crescimento Harrod-Domar. Com base nele, a taxa de crescimento potencial é
determinada pela taxa de investimento, pela relação capital-produto e pela taxa
de depreciação do estoque de capital.
Os dados apresentados pelo IBGE mostram uma
taxa de investimento que está em processo de elevação: a formação bruta de
capital fixo como proporção do PIB aumentou de 16,4% no segundo trimestre de
2024 para 17,6% no terceiro trimestre. Considerando um valor de 2,4 para a
relação capital-produto no ano de 2021, último dado disponível no site do
IpeaData, e uma taxa de depreciação do estoque de capital agregado de 3,5% ao
ano, como é usual nos exercícios de contabilidade do crescimento, o valor atual
da taxa de investimento é compatível com uma taxa de crescimento de 3,8% ao
ano.
Outro obstáculo ao crescimento poderia advir
do mercado de trabalho. Com efeito, a taxa de desemprego calculada pelo IBGE
vem apresentando uma tendência contínua de queda desde o primeiro trimestre de
2022, quando registrou o patamar de 11,1% da força de trabalho. Nos trimestres
subsequentes, a taxa de desemprego caiu para 7,9% da força de trabalho no
quatro trimestre de 2022, tendo permanecido mais ou menos estável nesse patamar
até o primeiro trimestre de 2024, quando reinicia um processo de queda, atingindo
6,4% no terceiro trimestre de 2024.
Muitos analistas consideram que esse patamar
de desemprego significa que o Brasil alcançou ou está em vias de alcançar o
pleno emprego da força de trabalho. Dessa forma, a continuidade do crescimento
do PIB nos patamares atuais terminaria por gerar pressões inflacionárias no
mercado de trabalho, as quais levariam a uma espiral salários-preços, exigindo
maiores doses de taxa de juros por parte do Banco Central.
O problema com esse tipo de análise é que a
mesma desconsidera que o Brasil, devido a sua heterogeneidade estrutural,
possui uma grande massa de desemprego disfarçado, ou seja, de trabalhadores que
estão exercendo atividades com baixa produtividade no setor informal da
economia por não encontrarem vagas no setor formal. Calcular o tamanho do
desemprego disfarçado não é, contudo, tarefa fácil. Aplicando a metodologia
desenvolvida por Eatwell e Milgate (2011), Salviano (2024) mostrou que, no
primeiro trimestre de 2024, havia mais de 1,4 milhões de desempregados
disfarçados no Brasil, ou seja, além dos trabalhadores oficialmente
desempregados, segundo a metodologia do IBGE. Dessa forma, ainda parece existir
uma ociosidade considerável no mercado de trabalho brasileiro.
A restrição ao atual padrão de crescimento da
economia brasileira se encontra no setor externo. Com efeito, nos três
primeiros meses de 2024, não só as importações vêm apresentando um crescimento
sistematicamente maior do que as exportações, como ainda o ritmo de crescimento
das exportações está se desacelerando, ao passo que o ritmo de crescimento das
importações se acelera. Os dados divulgados pelo IBGE mostram claramente esse
fenômeno. A taxa de crescimento das exportações passa de 6,1% no primeiro trimestre
de 2024 (na comparação com o mesmo período de 2023) para 4,3% no segundo
trimestre e 2,1% no terceiro trimestre. Já as importações seguem o caminho
oposto: elas passam de um crescimento de 10% no primeiro trimestre de 2024 para
14,7% no segundo trimestre, alcançando 17,1% no terceiro trimestre.
Historicamente no Brasil fases de aceleração
de crescimento são abortadas por problemas no balanço de pagamentos,
decorrentes quer de um ritmo insustentável de crescimento das importações, ou
do baixo dinamismo das exportações, ou de uma deterioração dos termos de troca,
ou ainda devido ao aumento da taxa de juros internacional. A
desindustrialização prematura da economia brasileira ocorrida desde 2005 levou
a uma reprimarização da nossa pauta de exportações, com a consequente perda de
dinamismo exportador.
Durante muito tempo esse problema foi
mascarado pelo comportamento benevolente do preço dos produtos primários. Ao
que tudo indica, com a desaceleração do crescimento da China, essa fase acabou.
A partir de agora ou o Brasil retoma o dinamismo exportador, aumentando de
forma significativa a participação das manufaturas na pauta de exportação ou
então o atual ciclo de aceleração de crescimento será interrompido pela
restrição externa.
1. Referências: Eatwell, John; Milgate, Murray.
The fall and rise of Keynesian economics. Oxford University Press, 2011.
2. Salviano, H. (2024). Uma análise do multiplicador fiscal brasileiro sob a óptica do desemprego disfarçado. Monografia de Graduação em Ciências Econômicas, Universidade de Brasília.
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