segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

O que fizeram com as nossas cabeças – Fernando Gabeira

O Globo

Existe uma incapacidade de atenção prolongada. O estímulo é mudar constantemente no ritmo da ponta dos dedos

Brain rot foi escolhida a palavra do ano pelo Dicionário Oxford. Significa cérebro podre. O termo define a exaustão mental provocada por uma imersão nas telas, pulando de um para outro tema que não contém estímulo intelectual. Na verdade, o termo já foi usado pelo escritor Henry Thoreau ainda no século XIX, em 1854:

— Enquanto a Inglaterra se empenha em curar a podridão da batata, ninguém se empenhará em curar a podridão do cérebro, que predomina de maneira muito mais vasta e fatal?

Na verdade, o esforço de atenuar as imperfeições da mente humana, pelo menos a partir do Pós-Guerra, é bastante comovedor. Lembro-me da popularidade de Erich Fromm, que escreveu inúmeros livros, estimulando a liberdade individual, as possibilidades de uma existência amorosa. Como todo intelectual alemão que sobreviveu ao nazismo, Fromm enfatizava julgamentos independentes, mas já trazia também certa crítica ao capitalismo, refletindo constantemente sobre os verbos ter e ser.

Houve tentativas mais sofisticadas até, como a de R.D. Laing, um psiquiatra britânico que popularizou a expressão double bind, significando as demandas contraditórias que tanto a sociedade quanto a família introjetam no indivíduo.

Todo esse legado e muito mais evidentemente continua disponível por aí. O que há de específico em nossa época é que, ao lado de outros fatores, agora a própria tecnologia conforma nossa mente. O mergulho em temas irrelevantes abre espaço a inúmeros novos problemas. O primeiro é a incapacidade de atenção prolongada. O estímulo é mudar constantemente no ritmo da ponta dos dedos. O segundo é evitar temas mais complicados. Num editorial, o New York Times abordou o problema, afirmando que as pessoas com essa tendência são facilmente atraídas por respostas simplórias para questões sérias. Na verdade, isso pode ser também uma explicação para o sucesso das teorias conspiratórias.

O velho Erich Fromm temia em sua época algumas variáveis decorrentes dessa letargia mental: disponibilidade para o autoritarismo, pois é fácil seguir líderes sem questionar o que propõem, ou mesmo a destrutividade, tendência a eliminar os outros ou até o mundo como um todo. Diante de tudo isso, era possível escrever páginas e páginas, como ele e tantos outros intelectuais fizeram.

Agora, o buraco é mais embaixo. Discute-se no Brasil o controle da internet, sobretudo a redução do discurso de ódio. Mesmo se o ódio desaparecesse de cena, a crise continuaria, pois a tecnologia prosseguirá moldando as mentes. Continuará produzindo cérebros podres aos borbotões.

Algumas visões mais pessimistas, como a de Martin Heidegger, já previam alguns limites que a tecnologia contém. Não será muito fácil articular um futuro. O mundo real continua produzindo crises profundas, econômica, social, ecológica, grandes migrações. A tecnologia continua influenciando mentes a aceitar soluções simples e a adotar uma visão conspiratória do processo histórico.

Entregue a si mesmo, a engrenagem pode produzir regimes autoritários. Cabe às mentes que ainda têm uma abordagem do mundo que não é apenas instrumental, que ainda buscam um contato com a natureza, se dedicar a algum tipo de pensamento reflexivo. Cabe a elas a busca de uma forma de preservar o que resta de liberdade e democracia.

Será necessário, sobretudo, humildade. Não existem cérebros podres e cérebros puros. Estamos todos atingidos pelos estilhaços de uma época, a lógica capitalista, a destruição ambiental, o mergulho na irrelevância para evitar as dores da reflexão.

Existem, na verdade, alguns sobreviventes, mais ou menos inteiros, mas incapazes de virar o jogo sozinhos. Mesmo porque todos que estudam o cérebro sabem que é um orgão extremamente maleável, capaz de se alterar para atender a suas próprias necessidades. A compreensão desse potencial plástico é importante para fugirmos dos julgamentos definitivos. Ao contrário das batatas, o cérebro pode se curar.

4 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Tá difícil!

Anônimo disse...

Palavras de choramingão a nossa sociedade está doente porque tem quase 20 anos governado por gente doente do PT acabaram com a nossa juventude, com a nossa sociedade, a violência , pobreza , prostituição só crescem nesse tempo de PT

Anônimo disse...

Esse anônimo das 13:26 desconhece as riquezas da polifonia e se esbalda nas limitações do cantochão.

Anônimo disse...

Concordo. A ausência de pontuação indica que não raciocina nem pretende parar.