segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Sim, ainda vou ao banco - Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Entre outras coisas, a fim de tirar dinheiro para pagar a bic no camelô ou o mate na praia

Queixei-me outro dia ["Conheça a desextinção", 4/11] dos bancários que atendem com impaciência aos clientes, como se estes fossem obrigados a dominar o complexo de senhas, tokens e códigos hoje exigidos pelos bancos para as mais reles operações. Se a dificuldade do cliente referir-se à máquina que não reconhece o seu dedo —embora seja o mesmo dedo que você imprimiu ontem num apetrecho do próprio banco e na presença de um funcionário—, o diagnóstico na cara do bancário é o de que você já está extinto e não demorará a ser recolhido. Não ocorre a ele que é o próximo na linha de extinção e só terá emprego enquanto você existir.

Ao escrever aquilo, julguei que receberia maciça solidariedade dos leitores. Um deles, no entanto, escreveu: "Mas você ainda vai ao banco???". A resposta é sim. Vou ao banco porque ainda uso dinheiro para pagar pequenas despesas, como bics no camelô, mate na praia ou empadinhas no botequim. Um jornaleiro me disse outro dia que um cliente lhe comprou meia dúzia de balas –R$ 3 à vista— e pagou com pix. Como não uso celular, não posso pagar com pix e, enquanto o dinheiro não for proibido, pretendo continuar a prestigiá-lo –lembra-se de quando era difícil ganhá-lo?

Também há pouco, ao passar para alguém meu email, que termina com terra.com.br, o fulano levou um susto: "Mas você ainda usa o terra???". Além do fato de que não só ainda uso o terra como continuo a morar no planeta Terra, achei cansativo explicar-lhe que trocar o terra pelo gmail apenas por este ser de graça não compensaria a chatice de informar a não sei quantos sobre a mudança. Além disso, o gmail logo estará tão arcaico quanto o terra, já que cada vez menos pessoas usam email.

Sei disso porque muitos emails que envio só são abertos pelo destinatário uma semana depois, quando o assunto já se resolveu sozinho ou ficou superado. E esse é o problema da tecnologia: supera suas supernovidades logo que elas entram em uso, para nos obrigar a comprar as novas supernovidades.

Como não me interesso por elas, uso o dinheiro para comprar bics no camelô, mate na praia e empadinhas no botequim.

5 comentários:

Anônimo disse...

O problema é que a maioria dos caixas eletrônicos só tem notas grandes e comprar uma bic com uma nota de 50 vai ter o famoso, não tenho troco.

Mais um amador disse...

Hahahahahahah

Esse Ruy Castro é foda !

Sensacional !

A propósito, sobre o uso de celulares e todo sistema de vigilância criado ao nosso redor, o livro " O inimigo conhece o sistema ", de Marta Peirano, deveria ser de leitura obrigatória. Ela mostra como as chamadas Big Techs tornaram-se as verdadeiras instituições de poder no século 21. Em certa passagem, a autora caracteriza a China como a primeira ditadura digital da História, mas, por aqui, a coisa não é muito diferente. Se, segundo o Estado Chinês, o sujeito comum dali " conhece as regras do jogo ", nas nossas democracias ocidentais não fazemos a mínima ideia de como elas são construídas e do como somos verdadeiras cobaias em experimentos sociais. No mundo dos algoritmos, das IAs e da economia da atenção, o que sobra é a sensação de sermos livres. Se ela não existir, não seremos consumidores. Portanto, não seremos úteis ao " sistema ".

😏😏😏

ADEMAR AMANCIO disse...

A única agencia bancária da minha cidade foi fechada,eu uso banco,adoro dinheiro vivo.

Anônimo disse...

Meu dinheiro mal dá conta de fechar o mês mas não consigo sair à rua sem umas cem pratas no bolso...e trocado.

Anônimo disse...

Ruy só melhora com o passar do tempo... Magnífica coluna!