segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Um estoico à beira do abismo – Demétrio Magnoli

O Globo

‘Mostre-me um que é doente, porém feliz; em perigo, porém feliz; morrendo, porém feliz; no exílio, feliz; em desgraça, feliz. Mostre-o a mim. Pelos deuses, eu desejaria ver um estoico. Não, você não pode mostrar-me um estoico completo; então mostre-me um em formação, um que colocou os pés no caminho.’ O Brasil pode mostrar ao filósofo grego Epiteto (c. 55-135 d.C) um estoico completo. É Haddad, Fernando, o ministro que não permite a Lula ser Dilma. Ou, ao menos, tenta.

“Gasto é vida” — Lula acredita na síntese da teoria econômica petista enunciada por Dilma. Mas, ao contrário da presidente desastrada que inventou, tempera suas crenças por um senso aguçado de prudência política. No segundo mandato, quando trocou Palocci por Guido Mantega, manteve o Banco Central (BC) sob Henrique Meirelles, evitando os delírios heterodoxos que, no mandato da sucessora, precipitaram a queda livre.

Foi a santa prudência, anabolizada pela amarga experiência com Dilma, não o desejo de comandar diretamente a economia, que ditou a escolha de Haddad para a Fazenda. O estoico funciona como subconsciente: grilo falante do presidente. Seu arcabouço fiscal, um tenso compromisso entre a teoria econômica petista e a realidade econômica, é a trava que nos protege de uma segunda queda livre.

A condição estrutural para o crescimento econômico sustentado — para o desenvolvimento — é subir a ladeira da produtividade. O gasto público só impulsiona voos de galinha, interrompidos pelas chamas da inflação. O longo voo de galinha do decênio 2004-13 foi uma anomalia sustentada pelo ciclo internacional de commodities caras e dinheiro abundante. O mar, hoje, é outro — e acumulam-se no horizonte nuvens plúmbeas de tempestade.

PIB de 2024, acima de 3%, reflete o impacto da expansão do gasto público desde a pandemia. A galinha, porém, já pousou. O tímido pacote do corte de gastos forma, simultaneamente, um reconhecimento e uma negação da realidade econômica. De um lado, graças ao ministro estoico, tenta-se preservar um arcabouço fiscal alongado até seus limites extremos. De outro, cortesia de Lula e do PT, adia-se o encontro com o inevitável. Nesse passo, deixa-se a economia brasileira vulnerável aos choques do dólar forte e da guerra tarifária global anunciada pelo triunfo de Trump.

O estoico perde sempre — para Lula, para Gleisi e até para algum marqueteiro espertinho. Foi esse último personagem que cravou a ideia piramidal de proclamar a isenção do IR, uma vasta renúncia tributária, na hora de apresentar um corte de gastos envolto na nuvem da incerteza e, ainda, sujeito ao boicote dos parlamentares e dos fidalgos do Judiciário. Como resultado, o governo colhe o oposto do que pretendia: um salto adicional na cotação do dólar, que semeia inflação e juros.

O exercício da demagogia tem limites temporais. Lula consumiu mais de metade de seu primeiro ano acusando Roberto Campos Neto de operar como lesa-pátria, quinta-coluna, agente infiltrado das forças diabólicas do mercado. O governo, dizia-se, sofria a sabotagem de um “Estado profundo” representado pelo BC. O papo furado acabou: sob o silêncio do Planalto, o novo presidente do BC escolhido por Lula cumprirá a missão inglória de capitanear um ciclo suplementar de elevação da Selic.

O impeachment de Dilma salvou Lula e o PT do acerto de contas entre a teoria do “gasto é vida” e a realidade econômica. A narrativa da autoajuda petista desconectou a depressão econômica das políticas fiscal e monetária conduzidas por Mantega e pelo BC de Tombini. Ninguém impedirá Lula de concluir seu terceiro mandato. O presidente — e o Brasil inteiro — terá de viver com as consequências de suas decisões.

Maquiavel ensinou que o bem deve ser feito aos poucos, a fim de incutir nos súditos a convicção na infinita bondade do príncipe, enquanto o mal inevitável precisa ser praticado num ato único, de modo a cair no esquecimento. Para azar de Haddad, Lula parece não ter lido a obra do florentino. Logo mais, à beira do abismo, o ministro estoico será obrigado a formular um segundo pacote fiscal.

3 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Uma análise demetriana.

Mais um amador disse...

" Maquiavel ensinou que o bem deve ser feito aos poucos, a fim de incutir nos súditos a convicção na infinita bondade do príncipe, enquanto o mal inevitável precisa ser praticado num ato único, de modo a cair no esquecimento. "

Ótima coluna !

😎

Anônimo disse...

Esse bandido descondenado, , que botaram pra presidir o Brasil é da escola do Hugo Chaves , do foro de São Paulo socialista
Está levando o país mais uma vez pro buraco isso é só o começo , pior que nós todos vamos pagar por essa incompetência e corrupção Desse cachaceiro desvairado