O Globo
‘Mostre-me um que é doente, porém feliz; em
perigo, porém feliz; morrendo, porém feliz; no exílio, feliz; em desgraça,
feliz. Mostre-o a mim. Pelos deuses, eu desejaria ver um estoico. Não, você não
pode mostrar-me um estoico completo; então mostre-me um em formação, um que
colocou os pés no caminho.’ O Brasil pode mostrar ao filósofo grego Epiteto (c.
55-135 d.C) um estoico completo. É Haddad, Fernando, o ministro que não permite
a Lula ser
Dilma. Ou, ao menos, tenta.
“Gasto é vida” — Lula acredita na síntese da teoria econômica petista enunciada por Dilma. Mas, ao contrário da presidente desastrada que inventou, tempera suas crenças por um senso aguçado de prudência política. No segundo mandato, quando trocou Palocci por Guido Mantega, manteve o Banco Central (BC) sob Henrique Meirelles, evitando os delírios heterodoxos que, no mandato da sucessora, precipitaram a queda livre.
Foi a santa prudência, anabolizada pela
amarga experiência com Dilma, não o desejo de comandar diretamente a economia,
que ditou a escolha de Haddad para a Fazenda. O estoico funciona como
subconsciente: grilo falante do presidente. Seu arcabouço fiscal, um tenso
compromisso entre a teoria econômica petista e a realidade econômica, é a trava
que nos protege de uma segunda queda livre.
A condição estrutural para o crescimento
econômico sustentado — para o desenvolvimento — é subir a ladeira da
produtividade. O gasto público só impulsiona voos de galinha, interrompidos
pelas chamas da inflação. O longo voo de galinha do decênio 2004-13 foi uma
anomalia sustentada pelo ciclo internacional de commodities caras e dinheiro
abundante. O mar, hoje, é outro — e acumulam-se no horizonte nuvens plúmbeas de
tempestade.
O PIB de
2024, acima de 3%, reflete o impacto da expansão do gasto público desde a
pandemia. A galinha, porém, já pousou. O tímido pacote do corte de gastos
forma, simultaneamente, um reconhecimento e uma negação da realidade econômica.
De um lado, graças ao ministro estoico, tenta-se preservar um arcabouço fiscal
alongado até seus limites extremos. De outro, cortesia de Lula e do PT, adia-se
o encontro com o inevitável. Nesse passo, deixa-se a economia brasileira
vulnerável aos choques do dólar forte e da guerra tarifária global anunciada
pelo triunfo de Trump.
O estoico perde sempre — para Lula, para
Gleisi e até para algum marqueteiro espertinho. Foi esse último personagem que
cravou a ideia piramidal de proclamar a isenção do IR, uma vasta renúncia
tributária, na hora de apresentar um corte de gastos envolto na nuvem da
incerteza e, ainda, sujeito ao boicote dos parlamentares e dos fidalgos do
Judiciário. Como resultado, o governo colhe o oposto do que pretendia: um salto
adicional na cotação do dólar, que semeia inflação e juros.
O exercício da demagogia tem limites
temporais. Lula consumiu mais de metade de seu primeiro ano acusando Roberto
Campos Neto de operar como lesa-pátria, quinta-coluna, agente
infiltrado das forças diabólicas do mercado. O governo, dizia-se, sofria a
sabotagem de um “Estado profundo” representado pelo BC. O papo furado acabou:
sob o silêncio do Planalto, o novo presidente do BC escolhido por Lula cumprirá
a missão inglória de capitanear um ciclo suplementar de elevação da Selic.
O impeachment de Dilma salvou Lula e o PT do
acerto de contas entre a teoria do “gasto é vida” e a realidade econômica. A
narrativa da autoajuda petista desconectou a depressão econômica das políticas
fiscal e monetária conduzidas por Mantega e pelo BC de Tombini. Ninguém
impedirá Lula de concluir seu terceiro mandato. O presidente — e o Brasil
inteiro — terá de viver com as consequências de suas decisões.
Maquiavel ensinou que o bem deve ser feito
aos poucos, a fim de incutir nos súditos a convicção na infinita bondade do
príncipe, enquanto o mal inevitável precisa ser praticado num ato único, de
modo a cair no esquecimento. Para azar de Haddad, Lula parece não ter lido a
obra do florentino. Logo mais, à beira do abismo, o ministro estoico será
obrigado a formular um segundo pacote fiscal.
3 comentários:
Uma análise demetriana.
" Maquiavel ensinou que o bem deve ser feito aos poucos, a fim de incutir nos súditos a convicção na infinita bondade do príncipe, enquanto o mal inevitável precisa ser praticado num ato único, de modo a cair no esquecimento. "
Ótima coluna !
😎
Esse bandido descondenado, , que botaram pra presidir o Brasil é da escola do Hugo Chaves , do foro de São Paulo socialista
Está levando o país mais uma vez pro buraco isso é só o começo , pior que nós todos vamos pagar por essa incompetência e corrupção Desse cachaceiro desvairado
Postar um comentário