O Globo
DeepSeek muda tudo no jogo da inteligência
artificial. Muda na geopolítica a disputa entre Estados Unidos e China
A Nvidia, que
fabrica os chips usados para treinar inteligência artificial, perdeu ontem
perto de US$ 600 milhões em valor de mercado. É a maior perda em dólares, num
único dia, de uma companhia na história do mercado de capitais. O motivo é que,
com algum atraso, caiu a ficha para os operadores sobre o tamanho do impacto
que será causado pelo DeepSeek, concorrente chinês do ChatGPT. Porque
o DeepSeek muda tudo no jogo da IA. Muda na geopolítica a disputa entre Estados
Unidos e China.
Muda a briga que há no Vale do Silício sobre quais empresas ganham e quais
perdem.
O DeepSeek foi também o app mais baixado para iPhones ontem. É só ir lá e se cadastrar. É de graça e tem também para Android. Mesmo em sua melhor versão, ele não é superior ao melhor modelo do ChatGPT. Só que, dependendo da tarefa, chega bem perto. É claramente superior ao Grok, de Elon Musk, e ao Llama, da Meta de Mark Zuckerberg. Está na disputa pesada com Gemini, do Google, e Claude, da Anthropic. Os chineses entraram na briga. Mas não é isso que realmente faz diferença. O que faz diferença é o custo.
O treinamento final da última versão do
DeepSeek usou 2 mil chips de IA da Nvidia, de acordo com o New York Times. A
última versão do ChatGPT precisou de 16 mil chips, e a OpenAI gastou US$ 100
milhões. Os chineses gastaram US$ 6 milhões para fazer algo próximo do GPT. Não
é só isso. O novo modelo é mais eficiente. Precisa de muito menos processamento
de computador para entregar uma resposta. E essa é a diferença essencial. Ele
aponta para a comoditização dos grandes modelos de inteligência artificial. Ficará
barato o suficiente para que existam muitos concorrentes no jogo.
Na Presidência americana, Joe Biden trabalhou
para atrapalhar os chineses com barreiras comerciais das mais altas. Proibiu a
exportação dos chips de ponta da Nvidia. A HighFlyer, nome do fundo de
tecnologia que desenvolveu o DeepSeek, já adquirira aqueles 2 mil chips antes
do bloqueio. O esforço americano de impedir acesso chinês ao hardware
especializado, no fim das contas, atrasou o adversário em talvez seis meses. Na
escassez, levou uma entrante nova no mercado de IA a ser muito, muito mais
econômica do que todas as companhias americanas no conjunto. Isso impõe a Donald Trump,
o novo presidente, um desafio imenso. Porque toda a linguagem de Trump para a
disputa com Pequim passa por fazer mais do que Biden já fazia. Barreiras
comerciais, se o objetivo é vencer a China, serão inúteis. Será preciso
investir mais em tecnologia e em cérebros. Isso vai querer dizer, ora,
imigrantes. Muitos imigrantes altamente capacitados.
Modelos de IA mais baratos que precisem de
menos capacidade de processamento mudam outras coisas. Uma é dificultarem a
vida para alguns tipos de empresa. É o caso da OpenAI. Seu grande trunfo é o
argumento de que faz algo muito difícil, que poucos conseguem e que custa muito
caro. As barreiras de entrada são imensas. Quando um grupo desconhecido, do
outro lado do mundo, repete o feito com muito menos, parece que a OpenAI tem
algo que custou caro e valerá pouco em breve.
Para empresas puramente de nuvem, a notícia é
boa. Vale para Microsoft, vale para Amazon. O que elas não têm são os modelos.
O que elas têm é processamento. Se precisarão investir menos em nuvem e terão
acesso a muitos modelos diferentes, baratos de construir, terão melhores
serviços a oferecer. É bom também para a Apple, Samsung ou
Huawei, empresas que fabricam celulares poderosos que poderão rodar modelos
enxutos de IA no próprio aparelho. Para o Google, é ruim. Afinal, seu principal
negócio é busca. IAs boas no futuro próximo tornam buscas inúteis. Elas já
terão a resposta.
Então por que Oracle e o fundo SoftBank pretendem
se juntar à OpenAI para gastar US$ 100 milhões num gigantesco data center, o
Stargate? Se tanto processamento não será necessário, se tudo será mais barato,
o que um dos fundos que mais entendem de tecnologia e a companhia que inventou
os bancos de dados profissionais gastarão tanto em algo prestes a se tornar
desnecessário? Obviamente ambos estão convencidos de que, em breve, a OpenAI
terá nas mãos algo bastante mais difícil de replicar. Algo que não será trivial
comoditizar.
Sam Altman, o CEO da OpenAI, vem dizendo que eles estão próximos da IA equivalente à inteligência humana.
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