Folha de S. Paulo
Reações escandalizadas se devem a vieses e
caem como uma luva para o republicano
As deportações dos últimos dias foram
basicamente iguais às feitas
pelos EUA já há alguns anos. No governo Biden, por exemplo, mais de
7.000 brasileiros foram deportados para cá, inclusive
com o uso das algemas. Os 88 brasileiros que
chegaram na sexta-feira, aliás, tinham sido apreendidos no governo Biden e
aguardavam a deportação.
O que mudou, então? Primeiro: agora
foram aviões militares. Segundo: o presidente agora era Trump. Ele próprio
alardeia seu combate contra a imigração como algo sem precedentes. Ele de fato
promete aumentar substancialmente as deportações, mas o que vimos essas dias
foi continuidade, não mudança.
As reações escandalizadas de agora, portanto, se devem a nossos vieses. E caem
como uma luva para Trump, que quer ser visto como duro com a imigração. Deixar
progressistas indignados é um ganho para ele. Foi para isso que foi eleito.
Assim, a reação do presidente da Colômbia, Gustavo Petro,
de proibir o pouso do avião de deportados foi um prato cheio para Trump.
Primeiro porque foi uma decisão completamente equivocada e, portanto, à qual
foi fácil de se contrapor. Petro mandou o avião americano que já tinha sido
autorizado dar meia-volta. Mais grave ainda: impediu os cidadãos de seu próprio
país de voltarem para casa, fazendo com que ficassem mais tempo presos em
centros de detenção americanos. Armar um circo de ultraje moral performático às
custas dos próprios cidadãos não é boa política.
Petro ainda subestimou o preço que a Colômbia pagaria. Trump reagiu à pequena
ofensa colombiana com
força brutal: tarifaço para todos os produtos colombianos e sanções
diplomáticas a membros do governo e seus apoiadores. Petro até tentou reagir:
também ameaçou tarifas e ainda publicou
um textão sentimental e patriótico na rede X em que citava "Cem
Anos de Solidão" e sugeria a Trump a tomarem "uma dose de
whisky".
Imagino que seus assessores devem ter deixado claro ao presidente que a
fantasia de ser um Aureliano
Buendía numa guerra trágica fadada à derrota não faria nada bem ao
país. Em poucas horas, Petro voltou atrás e aceitou
todos os termos dos EUA. Saiu humilhado. O governo Trump, por sua vez, pôde
publicar que "os eventos de hoje deixam claro para o mundo que a América
[ou seja, os EUA] é respeitada novamente".
Tudo que Trump deseja é enfrentar a oposição
no campo puramente moral. De um lado, o interesse do país, que ele representa;
do outro, o respeito a direitos abstratos exigidos por uma classe de
intelectuais e políticos de esquerda (e que, subentende-se, não servem ao
interesse nacional).
Já o Brasil mostra mais inteligência. O
confronto direto com Trump é um erro. Em cada conflito individual com países
latino-americanos, ele provavelmente conseguirá o que quer, dada a disparidade
de armas.
Fica, contudo, a lição: não dá para contar com os EUA no futuro. Ele vai querer
impor sua vontade de qualquer maneira, usando todos os meios à sua disposição.
Portanto, também não dá para depender dele. Cada arroubo de superioridade
americana nos faz querer mais distância do valentão do parquinho. O saldo
final, para os EUA, será afastar seus aliados cada vez mais. Precisaremos de
novos parceiros. O único jeito de convencer os EUA a serem cooperativos
novamente é mostrar que o egoísmo excessivo é um mau negócio.
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