Correio Braziliense
O Brasil estava fora da linha de fricção dos
EUA com países que sempre foram seus aliados, como México e Canadá. Agora, o
jogo mudou: Trump meteu a colher na política brasileira
O presidente dos Estados Unidos, Donald
Trump, escalou seu estresse político e diplomático com o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, por causa do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, das
decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que exigem mais responsabilidades
das redes sociais e da atuação do Brasil no Brics — que se reuniu no fim de
semana no Rio de Janeiro, sob a presidência do Brasil. Em decisão inédita em
relação ao comércio entre os dois países, ontem, mandou uma carta desaforada ao
chefe do Planalto, na qual anunciou um aumento de 50% nas tarifas cobradas
sobre produtos brasileiros, a partir de 1º de agosto.
Antes de a carta ser encaminhada, a embaixada dos EUA no Brasil já havia emitido uma nota manifestando defesa e apoio a Bolsonaro e sua família diante das recentes investigações e seu julgamento pelo Supremo. A declaração teve muita repercussão e aumentou a tensão diplomática entre as duas nações. Em resposta, o Ministério das Relações Exteriores convocou o encarregado de negócios da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, Gabriel Escobar, para prestar esclarecimentos sobre as críticas à Suprema Corte e manifestação de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Ao justificar a elevação da tarifa sobre o
Brasil, na carta enviada a Lula, Trump citou Jair Bolsonaro e disse ser “uma
vergonha internacional” o julgamento do ex-presidente. Afirmou que a decisão de
aumentar as tarifas foi tomada “em parte devido aos ataques insidiosos do
Brasil contra eleições livres e à violação fundamental da liberdade de
expressão dos americanos”. A tarifa de 50% será aplicada sobre “todas e
quaisquer exportações brasileiras enviadas para os EUA, separada de todas as
tarifas setoriais existentes”. Produtos como o aço e o alumínio já enfrentam
tarifas de 50%, o que impacta diretamente a siderurgia brasileira.
No texto, Trump faz uma avaliação das
relações comerciais entre os dois países completamente absurda, porque a
balança comercial entre os dois países é superavitária em favor dos Estados
Unidos, desde 2009. Ao longo desse período, as vendas americanas ao Brasil
superaram suas importações em US$ 88,61 bilhões (R$ 484 bilhões na cotação
atual). “Por favor, entenda que essas tarifas são necessárias para corrigir os
muitos anos de tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil, que
causaram esses deficits comerciais insustentáveis contra os EUA. Esse deficit é
uma grande ameaça à nossa economia e, de fato, à nossa segurança nacional”,
disse. Isso não é verdade, mas pouco importa para Trump.
Ao que tudo indica, o gatilho para a escalada
do norte-americano foi a reunião do Brics no Rio de Janeiro, cuja presidência
foi assumida por Lula, que é a favor do multilateralismo e da criação de uma
moeda para a troca entre os onze países que participam do grupo: Brasil,
Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes
Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã. Trump reagiu fortemente à proposta e ameaçou
impor tarifaços a quem abdicasse do dólar como moeda franca.
Disputa interna
A escala de tensão com Lula tem muita
repercussão interna, porque o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, como
o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), apoiam Trump
incondicionalmente. Além disso, não existe um consenso nacional em relação à
diplomacia pessoal do petista, apesar de a política externa brasileira manter
sua coerência de independência e relacionamento com todos os países, em defesa
dos nossos interesses. A oposição defende o alinhamento automático com Trump, o
rompimento das relações com a Venezuela, o apoio à Ucrânia contra a Rússia e
endossa a limpeza étnica em Gaza e o massacre de palestinos por Israel. O
deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) se licenciou da Câmara para articular, com
sucesso, essa crise com a Casa Branca, em apoio aberto a Bolsonaro.
Mesmo sem a presença dos presidentes da
China, Xi Jinping, e da Rússia, Vladimir Putin (existe uma ordem de prisão
contra ele), a reunião dos Brics incomodou a Casa Branca, seja pelas
declarações de Lula de que Trump não deveria meter o nariz por aqui, seja por
causa da proposta de criação de nova moeda entre seus países, a exemplo do
euro. Até aqui, o Brasil estava fora da linha de fricção dos Estados Unidos com
países que sempre foram seus aliados, como México e o Canadá, por exemplo.
Agora, o jogo mudou: Donald Trump meteu a colher na política brasileira, o que
estava escrito nas estrelas, mas era mais previsível que ocorresse nas eleições
de 2026.
O encontro do Brics proporcionou maior aproximação de Lula com dois grandes aliados dos EUA na Ásia: o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e o presidente da Indonésia, Prabowo Subianto, que realizaram suas visitas de Estado, em Brasília, após a reunião do bloco. O presidente Lula reiterou o compromisso com a multipolaridade, a reforma das instituições multilaterais e a defesa de uma cooperação Sul-Sul mais robusta. Para o chefe do Executivo, o Brasil deve agir como ponte entre mundos, recusando alinhamentos automáticos e reafirmando sua soberania em todos os campos — do ambiental ao financeiro. Entretanto, não combinou com Trump, cujo gesto foi interpretado como uma tentativa de desestabilizar a liderança brasileira e enfraquecer a coesão do grupo.
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