O mundo aplaude com júbilo a revolução egípcia. Como afirma em seu artigo, *Os Dias Gloriosos do Egito, *Alon Ben Meir
O mundo aplaude o povo egípcio “não só por seu heroísmo, mas também por suatenacidade, seu profundo senso de compromisso com os seus companheirosconterrâneos, a responsabilidade demonstrada e sua perseverança para ver suarevolução popular atingir seus objetivos. Talvez nada disto sejasurpreendente – o Egito, acima de tudo, é um país com mais de quatromilênios de história contínua com uma riqueza cultural insuperável, um berçode civilização que vem iluminando uma geração após a outra. Osrevolucionários permaneceram firmes, extraindo da história gloriosa do paísaquilo que os imbuiu de força interior e determinação para se levantarnovamente e viver à altura do destino futuro do Egito”.
Também, se pode saudar as novas tecnologias que vêm propiciando de maneiraquase instantânea a mobilização das redes sociais, uma nova maneira dearrebatar, sobretudo, a juventude.
Mas isto é insuficiente para uma análise mais séria e serena de um eventocomplexo. Fazer política só com a emoção pode levar a grandes equívocos.
Ao fazer um passeio pela história, pode-se verificar que pelo menos desde aRevolução Francesa, ocorrem vendavais que sacodem o mundo, seguidos porrestaurações conservadoras. Portanto há avanços e retrocessos no processohistórico. E estes eventos ocorrem com uma certa periodicidade. Marxanalisou o primeiro deles no *18** Brumário*, quando aconteceu a restauraçãobonapartista. Uns 50 anos depois, em 1848, ocorreu a Primavera dos Povos e,paralelamente, com o ascenso das lutas dos trabalhadores ocorreu o Congressoda I Internacional e a publicação do Manifesto Comunista de Marx e Engels.
No início do século XX, no fim da I Guerra Mundial, assiste-se à derrocadados impérios Otomano, Áustro-Húngaro, Czarista e à Revolução de Outubro. Nopós II Guerra Mundial ocorreram as independências das colônias da Ásia eÁfrica e o triunfo da Revolução Chinesa. Em 1968, têm início as revoluçõesdas alteridades com a Revolução da Juventude. Entre 1989-1991assistiu-se aofim do “socialismo real na Europa. E agora, o vendaval sacode o mundo árabe.
Diga-se que houve tentativas de modernização árabe e muçulmana logo após aderrocada do Império Otomano, seguida de uma restauração. Embora a Revoluçãode Outubro tivesse conseqüências mais duradouras e mais profundas, com o seuesgotamento, surgiu uma restauração conservadora caracterizada por umcapitalismo selvagem capitaneado por grupos mafiosos. A revolução dos jovensem 68 mudou basicamente os costumes e a moral embora do ponto de vistapolítico quase não tivesse conseqüências ou quando as houve, muitas vezesforam trágicas. Em particular, no Brasil, protestos e passeatas passaram afazer parte do cotidiano; após a realização da Passeata dos 100 Mil no Riode Janeiro, muitos chegaram a pensar que a ditadura estava em seusestertores e no fim, em dezembro daquele ano veio o AI-5. Outro exemplotrágico é do Irã – o mundo progressista saudou com júbilo a queda do xá daPérsia e quem assumiu o poder foram os ayatolás transformando o país em umateocracia.
Portanto saudar a queda de Mubarak pensando que esta se deu apenas pelosprotestos dos jovens em praça pública e acreditando que num passe de mágicaos problemas do Egito serão resolvidos é primário. Na Tunísia, iniciadora doprocesso de mudanças, já vem aflorando uma série de dificuldades.
O Exército governa o Egito desde a década de 50 do século passado quando osjovens coronéis derrubaram o Rei Farouk. E todos os militares governaram commão de ferro. Gamal Abdel Nasser, o primeiro deles, em nome do nacionalismoe da utopia pan-árabe, aproximou-se da URSS mas internamente, assassinoubarbaramente os comunistas egípcios sem falar de opositores. QuandoNasserfaleceu, quem assumiu o poder foi seu vice,
Anuar Sadat, que se reaproximou dos EEUU e celebrou a paz com o Estado deIsrael. Havia uma forte oposição no Egito a este acordo de paz e poucodepois, Sadat foi assassinado; foi sucedido por seu vice, Hosni Mubarak. Deforma que o Egito, como os demais países árabes, jamais experimentou umademocracia.
E neste preciso momento, após a renúncia de Mubarak, quem conduz a transiçãoé o Exército, a instituição mais prestigiada e respeitada pelo povo. E esteacaba de dissolver o parlamento e promete elaborar uma nova constituição comtodos os atores políticos do país que será submetida a um plebiscito.
Ao longo dos últimos 35 anos o Egito, maior país árabe em território epopulação, tornou-se um aliado de confiança dos EEUU que vem injetando somasexpressivas em múltiplos investimentos. Como conseqüência houve umamodernização do país e do seu exército. O Egito possui uma economiadiversificada onde despontam as atividades no Canal de Suez e o turismo. SóIsrael e Irã investem mais em Ciência e Tecnologia no Oriente Médio. O Egitotem especialistas de bom nível em engenharia química e em ciênciasagrícolas.
No entanto, dois fatos são visíveis no novo contexto mundial daglobalização: por um lado o processo de esgotamento dos regimesnacionalistas autoritários nos países árabes e, por outro, o novocomportamento dos EEUU nesta crise: por estarem atolados nas guerras noIraque e no Afeganistão sem nenhum avanço contra o terrorismo, oDepartamento de Estado pode ter entendido que o melhor seja apostar emsociedades democráticas nos países em desenvolvimento, sobretudo numa regiãotão nevrálgica como o Norte da África e o Oriente Médio. E não só nãoutilizaram a força para manter Mubarak no poder como sugeriram queencaminhasse a transição sem derramamento de sangue. Sem dúvida, as massasreunidas nas praças e ruas aceleraram o processo mas, não me parece que asmanifestações por si só teriam o efeito desejado.
Por outra parte, como nos demais países em desenvolvimento, há uma elite quedetém uma parcela enorme do poder e da riqueza o que gera uma grandedesigualdade social, muita pobreza e muita insatisfação popular. Certamenteo Irã aposta numa solução que rompa esta aliança com os EEUU, esperando queas massas egípcias escolham um regime teocrático.
Mas o exército acaba de prometer a democracia e a paz com Israel, isto é, acontinuidade do atual projeto estratégico internacional. O compromisso dajunta promotora da transição é honrar acordos internacionais e entregar opoder aos civis.
Num país com uma sociedade civil débil, com forças políticas proscritas hádécadas, o grande desafio para uma democracia sustentável é a possibilidadede um entendimento e um trabalho conjunto do establishment com a oposição.Isto exige um grande pacto de forças que têm um amplo espectro - doscomunistas à Irmandade Muçulmana, principal opositor de um Estado laico. Ébem verdade que a Irmandade Muçulmana não possui uma figura carismática comofoi Khomeini no Irã, até porque os sunitas não cultivam estas personalidadese ademais esta força que já apoiou o terrorismo e foi o germe da Al Qaida,hoje abdicou destes métodos. É bem provável que não tenha condições de tomaro poder, mas numa eleição democrática calcula-se que possa eleger cerca demetade dos assentos no parlamento.
A maior dificuldade se encontra quanto às decisões estratégicas. Comoresolver esta questão numa democracia plena onde a opinião popular tem umgrande contingente anti-americanista e anti-israelense o que pode acarretara interrupção do fluxo de capitais e recursos?
O mais provável é que haja uma certa liberalização do regime, com maioresliberdades e respeito aos Direitos Humanos com uma ênfase a reformaseconômicas dentro da ordem econômica internacional vigente, mantendo asdecisões estratégicas à margem da opinião popular. Alterar a ordem destesistema seria uma verdadeira revolução. Isto, porém, é muito mais complexo edifícil.
Para concluir, dois comentários.
Por seu peso na comunidade dos países árabes, é de se esperar que o caminhoseguido pelo Egito seja acompanhado pelos demais.
E por fim, quando se abre uma Caixa de Pandora podem surgir coisas nãoprevistas.
Oxalá o povo egípcio escolha o caminho da democracia e da paz. Semdeterminismos é uma possibilidade.
Dina Lida Kinoshita é Professora Doutora, membro do Conselho da Cátedra UNESCO de Educação para a Paz, Direitos Humano, Democracia e Tolerância, junto ao Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, e secretária de relações internacionais do PPS.
O mundo aplaude o povo egípcio “não só por seu heroísmo, mas também por suatenacidade, seu profundo senso de compromisso com os seus companheirosconterrâneos, a responsabilidade demonstrada e sua perseverança para ver suarevolução popular atingir seus objetivos. Talvez nada disto sejasurpreendente – o Egito, acima de tudo, é um país com mais de quatromilênios de história contínua com uma riqueza cultural insuperável, um berçode civilização que vem iluminando uma geração após a outra. Osrevolucionários permaneceram firmes, extraindo da história gloriosa do paísaquilo que os imbuiu de força interior e determinação para se levantarnovamente e viver à altura do destino futuro do Egito”.
Também, se pode saudar as novas tecnologias que vêm propiciando de maneiraquase instantânea a mobilização das redes sociais, uma nova maneira dearrebatar, sobretudo, a juventude.
Mas isto é insuficiente para uma análise mais séria e serena de um eventocomplexo. Fazer política só com a emoção pode levar a grandes equívocos.
Ao fazer um passeio pela história, pode-se verificar que pelo menos desde aRevolução Francesa, ocorrem vendavais que sacodem o mundo, seguidos porrestaurações conservadoras. Portanto há avanços e retrocessos no processohistórico. E estes eventos ocorrem com uma certa periodicidade. Marxanalisou o primeiro deles no *18** Brumário*, quando aconteceu a restauraçãobonapartista. Uns 50 anos depois, em 1848, ocorreu a Primavera dos Povos e,paralelamente, com o ascenso das lutas dos trabalhadores ocorreu o Congressoda I Internacional e a publicação do Manifesto Comunista de Marx e Engels.
No início do século XX, no fim da I Guerra Mundial, assiste-se à derrocadados impérios Otomano, Áustro-Húngaro, Czarista e à Revolução de Outubro. Nopós II Guerra Mundial ocorreram as independências das colônias da Ásia eÁfrica e o triunfo da Revolução Chinesa. Em 1968, têm início as revoluçõesdas alteridades com a Revolução da Juventude. Entre 1989-1991assistiu-se aofim do “socialismo real na Europa. E agora, o vendaval sacode o mundo árabe.
Diga-se que houve tentativas de modernização árabe e muçulmana logo após aderrocada do Império Otomano, seguida de uma restauração. Embora a Revoluçãode Outubro tivesse conseqüências mais duradouras e mais profundas, com o seuesgotamento, surgiu uma restauração conservadora caracterizada por umcapitalismo selvagem capitaneado por grupos mafiosos. A revolução dos jovensem 68 mudou basicamente os costumes e a moral embora do ponto de vistapolítico quase não tivesse conseqüências ou quando as houve, muitas vezesforam trágicas. Em particular, no Brasil, protestos e passeatas passaram afazer parte do cotidiano; após a realização da Passeata dos 100 Mil no Riode Janeiro, muitos chegaram a pensar que a ditadura estava em seusestertores e no fim, em dezembro daquele ano veio o AI-5. Outro exemplotrágico é do Irã – o mundo progressista saudou com júbilo a queda do xá daPérsia e quem assumiu o poder foram os ayatolás transformando o país em umateocracia.
Portanto saudar a queda de Mubarak pensando que esta se deu apenas pelosprotestos dos jovens em praça pública e acreditando que num passe de mágicaos problemas do Egito serão resolvidos é primário. Na Tunísia, iniciadora doprocesso de mudanças, já vem aflorando uma série de dificuldades.
O Exército governa o Egito desde a década de 50 do século passado quando osjovens coronéis derrubaram o Rei Farouk. E todos os militares governaram commão de ferro. Gamal Abdel Nasser, o primeiro deles, em nome do nacionalismoe da utopia pan-árabe, aproximou-se da URSS mas internamente, assassinoubarbaramente os comunistas egípcios sem falar de opositores. QuandoNasserfaleceu, quem assumiu o poder foi seu vice,
Anuar Sadat, que se reaproximou dos EEUU e celebrou a paz com o Estado deIsrael. Havia uma forte oposição no Egito a este acordo de paz e poucodepois, Sadat foi assassinado; foi sucedido por seu vice, Hosni Mubarak. Deforma que o Egito, como os demais países árabes, jamais experimentou umademocracia.
E neste preciso momento, após a renúncia de Mubarak, quem conduz a transiçãoé o Exército, a instituição mais prestigiada e respeitada pelo povo. E esteacaba de dissolver o parlamento e promete elaborar uma nova constituição comtodos os atores políticos do país que será submetida a um plebiscito.
Ao longo dos últimos 35 anos o Egito, maior país árabe em território epopulação, tornou-se um aliado de confiança dos EEUU que vem injetando somasexpressivas em múltiplos investimentos. Como conseqüência houve umamodernização do país e do seu exército. O Egito possui uma economiadiversificada onde despontam as atividades no Canal de Suez e o turismo. SóIsrael e Irã investem mais em Ciência e Tecnologia no Oriente Médio. O Egitotem especialistas de bom nível em engenharia química e em ciênciasagrícolas.
No entanto, dois fatos são visíveis no novo contexto mundial daglobalização: por um lado o processo de esgotamento dos regimesnacionalistas autoritários nos países árabes e, por outro, o novocomportamento dos EEUU nesta crise: por estarem atolados nas guerras noIraque e no Afeganistão sem nenhum avanço contra o terrorismo, oDepartamento de Estado pode ter entendido que o melhor seja apostar emsociedades democráticas nos países em desenvolvimento, sobretudo numa regiãotão nevrálgica como o Norte da África e o Oriente Médio. E não só nãoutilizaram a força para manter Mubarak no poder como sugeriram queencaminhasse a transição sem derramamento de sangue. Sem dúvida, as massasreunidas nas praças e ruas aceleraram o processo mas, não me parece que asmanifestações por si só teriam o efeito desejado.
Por outra parte, como nos demais países em desenvolvimento, há uma elite quedetém uma parcela enorme do poder e da riqueza o que gera uma grandedesigualdade social, muita pobreza e muita insatisfação popular. Certamenteo Irã aposta numa solução que rompa esta aliança com os EEUU, esperando queas massas egípcias escolham um regime teocrático.
Mas o exército acaba de prometer a democracia e a paz com Israel, isto é, acontinuidade do atual projeto estratégico internacional. O compromisso dajunta promotora da transição é honrar acordos internacionais e entregar opoder aos civis.
Num país com uma sociedade civil débil, com forças políticas proscritas hádécadas, o grande desafio para uma democracia sustentável é a possibilidadede um entendimento e um trabalho conjunto do establishment com a oposição.Isto exige um grande pacto de forças que têm um amplo espectro - doscomunistas à Irmandade Muçulmana, principal opositor de um Estado laico. Ébem verdade que a Irmandade Muçulmana não possui uma figura carismática comofoi Khomeini no Irã, até porque os sunitas não cultivam estas personalidadese ademais esta força que já apoiou o terrorismo e foi o germe da Al Qaida,hoje abdicou destes métodos. É bem provável que não tenha condições de tomaro poder, mas numa eleição democrática calcula-se que possa eleger cerca demetade dos assentos no parlamento.
A maior dificuldade se encontra quanto às decisões estratégicas. Comoresolver esta questão numa democracia plena onde a opinião popular tem umgrande contingente anti-americanista e anti-israelense o que pode acarretara interrupção do fluxo de capitais e recursos?
O mais provável é que haja uma certa liberalização do regime, com maioresliberdades e respeito aos Direitos Humanos com uma ênfase a reformaseconômicas dentro da ordem econômica internacional vigente, mantendo asdecisões estratégicas à margem da opinião popular. Alterar a ordem destesistema seria uma verdadeira revolução. Isto, porém, é muito mais complexo edifícil.
Para concluir, dois comentários.
Por seu peso na comunidade dos países árabes, é de se esperar que o caminhoseguido pelo Egito seja acompanhado pelos demais.
E por fim, quando se abre uma Caixa de Pandora podem surgir coisas nãoprevistas.
Oxalá o povo egípcio escolha o caminho da democracia e da paz. Semdeterminismos é uma possibilidade.
Dina Lida Kinoshita é Professora Doutora, membro do Conselho da Cátedra UNESCO de Educação para a Paz, Direitos Humano, Democracia e Tolerância, junto ao Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, e secretária de relações internacionais do PPS.
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