Há vários dilemas na política econômica, hoje. Alguns parecem antigos, mas são filmes refeitos com tecnologia atualizada e novos contextos. A inflação de hoje tem outro patamar daquela que, nos anos 1970, começou sua disparada, mas a ideia de que é possível conviver com mais inflação é a mesma. Os déficits público e externo parecem mais aceitáveis, mas ameaçam como antes.
O Brasil e o mundo são diferentes e mais complexos. No ano de 1977, o economista Dionísio Dias Carneiro escreveu e organizou o livro de ensaios "Dilemas da Política Econômica". O Brasil vivera o período de ajuste e reformas nos anos 60; depois, o milagre econômico, do começo dos anos 70; e estava sendo atingido por choques externos. Agora, um grupo de 38 economistas escreveu 28 artigos para o livro "Novos Dilemas da Política Econômica", uma homenagem ao Dionísio, morto no ano passado. No prefácio, Luiz Roberto Cunha explica por que a homenagem é feita com as tentativas de decifrar os problemas da economia: Dionísio foi "uma inteligência brilhante e independente", ajudou a modernizar o ensino e a pesquisa econômica no Brasil. Na orelha, o ex-diretor do Banco Central Eduardo Loyo conta que por 17 anos sempre houve um ex-aluno do Dionísio na diretoria do Banco Central. Ele influenciou sem ir para o governo, mas preparando quem foi.
O livro foi organizado por economistas de gerações diferentes: Edmar Bacha e Monica Baumgarten de Bolle. Conversei com os dois no programa da Globonews sobre alguns dos vários tópicos que os economistas tratam no livro que será lançado amanhã na Casa das Garças.
O mundo está tão cheio de mudanças que há até um "guia para os perplexos", escrito pelo economista americano Albert Fishlow. Há perplexidades até no livro, como o artigo em que John Williamson faz uma proposta bem heterodoxa: a de que o Banco Central tenha também uma meta de câmbio. Ele foi quem organizou o que ficou conhecido como "Consenso de Washington".
Um motivo para estar perplexo, segundo Fishlow, é a drástica mudança na situação fiscal americana em uma década: na campanha eleitoral que levou George Bush à presidência, em 2000, a discussão entre ele e o candidato democrata Al Gore era sobre o que fazer com o superávit orçamentário. Hoje, a economia americana tem um déficit de 10% do PIB.
- Isso é um problemão. Mas há outros, como a crise do mundo árabe, a questão atômica que aparece após o tsunami no Japão, mostrando que a busca por energia limpa tem mais um complicador. O mundo está num momento muito difícil - acrescenta Bacha.
Monica lembra que as mudanças após a crise de 2008 trazem velhos dilemas:
- É difícil escapar da ideia de que o mundo vai ser mais tolerante com a inflação, como tem sido mais tolerante com o déficit público.
Aí moram grandes perigos. Um deles, o de achar que comparado ao resto do mundo o déficit brasileiro não é grande ou que se todo mundo aceita mais inflação para preservar algum crescimento, por que não o Brasil? A crise criou o álibi perfeito para que o Brasil repita erros perigosos.
Há também velhos mistérios na economia brasileira, e um deles é por que os juros são tão altos no país? Bacha afirmou que tomar medidas de contenção de crédito por razões de prudência está correto, mas achar que elas são ferramenta contra a inflação, como o Banco Central tem insinuado, está errado.
Outro problema no crédito é o que Monica e Bacha chamam de "eficiência na alocação de recursos", ou seja, será que os financiamentos estão indo da forma certa para os setores certos?
- No meu artigo, dou uma série de sugestões sobre como reduzir os juros no Brasil. Em parte, isso se liga à ideia da nossa presidenta de que se tem que atacar a inflação pelo lado da oferta. Isso é um equivoco, se significar preservar os investimentos subsidiados do governo e os empréstimos subsidiados do BNDES. Os bancos públicos beneficiam setores menos produtivos em vez de alocar os recursos da economia para os setores que têm mais capacidade de produção - diz Bacha.
Além disso, explica, os créditos subsidiados dos bancos públicos são 30% do total dos financiamentos e não são atingidos pela política monetária do Banco Central. A Selic tem que ser mais alta porque ela atinge apenas 70% dos créditos.
Quando se compara o mundo em que Dionísio olhou para preparar seu livro e o de agora, nesse novo conjunto de ensaios, há diferenças e semelhanças notáveis.
- No contexto mundial, quando se comparam os dois momentos, naquela época o Brasil tinha menos margem de manobra. Hoje, tem um leque maior de escolhas, mas o contexto mundial está mais confuso. O risco é a opção por preservar o crescimento em detrimento do combate à inflação. Não é diferente do que já fizemos no passado. O que é preciso é buscar uma trajetória de inflação mais baixa, mesmo que isso signifique crescimento mais baixo, porque levará a juros mais baixos no futuro - diz Monica.
Para Bacha, os dilemas são mais fáceis de enfrentar se houver vontade:
- Estamos saindo de anos de muita facilidade. O mundo cresceu forte, as reformas feitas no Brasil aumentaram a produtividade. Houve então exagero em gastos e em crédito do setor publico no fim do governo Lula. A economia está superaquecida e precisa de ajustes.
Dionísio foi, segundo Bacha, o esteio do Departamento da PUC-Rio que virou centro de pensamento para soluções dos dilemas dos anos 1980 e 1990. Monica acha que aprendeu com seu "mentor" que a economia não é uma caixinha separada, está ligada ao que se passa em outros campos. É um livro para pensar. Como Dionísio gostava.
FONTE: O GLOBO
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