A inflação não dá trégua. O custo de vida dos brasileiros medido pelo IPCA-15, que é uma espécie de prévia da taxa oficial, praticamente dobrou em setembro, passando de 0,27% para 0,53%. A maior pressão veio de alimentos, bebidas e passagens aéreas. Em 12 meses, o acumulado do Índice está em 7,33%, o maior em seis anos. Segundo economistas, a alta do dólar ontem, a moeda subiu 0,50%, fechando a R$ 1,789 - também deverá ter impacto nos preços, ajudando a por mais lenha na inflação. Apenas em setembro, o dólar acumula alta de 12,03%. Ontem, o Fundo Monetário Internacional (FMI) reduziu a previsão do crescimento do Brasil de 4,1% para 3,8% este ano. A expansão deve ser a segunda pior da América do Sul, atrás apenas da Venezuela (2,8%)
Inflação nas alturas
IPCA-15, prévia do índice oficial, dobra em setembro, e passagem aérea sobe 23,4%
Fabiana Ribeiro e Henrique Gomes Batista
A prévia da inflação oficial indica que a pressão sobre os preços segue forte. Pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - 15 (IPCA-15), o custo de vida dos brasileiros voltou a acelerar em setembro, com a taxa subindo para 0,53% - praticamente o dobro do que se viu em agosto (0,27%). Foi a maior expansão para esse mês desde 2003, o que, segundo analistas, levanta mais dúvidas sobre a decisão de o Banco Central reduzir os juros básicos, a Taxa Selic, de 12,5% para 12% ao ano. Para especialistas, o cenário para a inflação pode piorar ainda mais caso o dólar - que vinha em baixa e ajudando a conter os preços - continue a se valorizar. Por isso algumas revisões das projeções de inflação começam a surgir, depois da divulgação da taxa de setembro, que veio acima das expectativas. Apenas em setembro, o dólar acumula alta de 12,03%, tendo ontem chegado a ser vendido acima de R$1,80 pela manhã. No ano, a inflação está em 5,04% e, em 12 meses, subiu a 7,33%, a maior desde junho de 2005 quando o indicador ficou em 7,72%. Além dos alimentos, a alta de 23,4% nas passagens aéreas puxou o IPCA. Sozinha, esta subida respondeu por 17% da taxa de 0,53%.
A inflação alta, contudo, não mudou as previsões dos analistas em relação aos juros: o BC deve, para eles, manter o ritmo de reduções e, portanto, o mercado espera dois cortes de 0,50 ponto percentual na Selic.
- O presidente (do BC, Alexandre) Tombini foi categórico ao dizer que o BC agora olha inflação e crescimento. Assim, teremos inflação um pouco mais alta e um crescimento que não vai cair tanto - disse o professor da PUC Luiz Roberto Cunha, avaliando a decisão do BC de cortar a Selic como "arriscada e arrojada".
Comida ficou 0,72% mais cara
A alimentação ainda é o grande vilão da inflação - o que também provoca críticas ao BC, já que o cenário de commodities em queda com a crise internacional, trazendo preços menores aos brasileiros, ainda não se confirmou. Segundo o IBGE, os alimentos ficaram 0,72% mais caros em setembro, subindo mais do que em agosto (0,21%). Os brasileiros pagaram mais por açúcar cristal (4,72%) e refinado (4,59%), leite (2,64%), frango (2,51%), carnes (1,79%) e arroz (1,74%), levando o grupo a registrar alta de 4,29% neste ano. Entretanto, foi a inflação das passagens aéreas que, individualmente, exerceu a maior pressão na alta do IPCA-15. A subida de 23,4% veio depois de uma queda nos preços de 5,91% em agosto.
- Com o aumento de custo das empresas do setor aéreo e com a forte demanda, companhias precisaram reajustar os preços. Em algum momento, isso ia acontecer. Mas é um reajuste pontual - disse Eduardo Velho, economista-chefe da Prosper Corretora, acrescentando que, a despeito da inflação elevada, o BC deve continuar a cortar a Selic. - O resultado do IPCA-15 deve ter surpreendido o BC. Porém, deve continuar a baixar os juros da economia, até para poder atender a pressões do governo.
O dólar dará mais fôlego à inflação, calcula Velho. Para ele, se a taxa média do câmbio ficar em R$1,70 num período de seis a dez meses, o impacto na inflação de 2012 pode ser de 0,15 ponto percentual. Se a taxa ficar em R$1,75, o impacto pode ser de 0,28 ponto percentual. Ou seja, só com a alta do dólar, a inflação já subiria 0,28% no ano.
- O câmbio influencia bastante os preços no Brasil, como o dos alimentos. Até os serviços sentem os efeitos das oscilações da moeda americana, como serviços médicos, de dentista e estéticos - disse Velho, acrescentando que a inflação dos serviços, em 12 meses, está em 8,90%. - Os aumentos nos preços de serviços e combustível vieram acima do esperado. Além disso, ainda tem o impacto do IPI no carro novo.
Na avaliação de Luis Otavio de Souza, economista-chefe do ABC Brasil, a taxa anualizada (considerando que o número de setembro se repetirá nos meses seguintes) dos serviços é de 5,7%, o que poderia suscitar a ideia de que poderia haver uma inversão na trajetória desses preços para níveis mais baixos. Contudo, com os reajustes salariais de várias categorias importantes este mês e com o aumento do salário mínimo em 2012, os preços podem voltar a subir mais.
Cunha, da PUC-Rio, diz que o IPCA-15 veio um pouco acima das estimativas do mercado - que previa 0,50% - mas lembrou que os alimentos vieram menores que o esperado. Segundo ele, as surpresas foram vestuário e passagens aéreas. Houve outros pontos de pressão no índice, como os combustíveis. A alta do etanol passou de 1,54% para 1,95%, enquanto a gasolina variou 0,65% em setembro.
- Foi um resultado inesperado, mas isso é a maldição dos índices, sempre vai ter um chuchu para atrapalhar - disse, referindo-se aos frequentes "pontos fora da curva" que elevam os preços.
Ele acredita que a inflação continuará pressionada e que o câmbio, com dólar em elevação, será mais uma pressão sobre os preços.
Meta em 2011 cada vez mais distante
A inflação se traduz numa conta mais alta no supermercado, comenta o eletromecânico Floriano da Silva. Há alguns meses, seu custo com alimentos era de R$600; agora, está perto de R$900. Ficaram mais caros leite, carne, frango e feijão.
- Faço substituições ali, outra aqui, para não ter de cortar no supermercado. Reduzo as idas a restaurantes, churrascarias e pizzarias, mas não mudo as marcas de preferência.
O professor Alcides Leite, da Trevisan Escola de Negócios, disse que, com o resultado, é praticamente impossível que a inflação do ano fique dentro do teto da meta (IPCA de 6,50% em 2011), mesmo levando em conta que o acumulado em 12 meses tende a cair até o fim deste ano, com a substituição de índices muito elevados dos últimos meses de 2010 por valores menores este ano. Para a economista-chefe do BNY Mellon ARX, Solange Srour, a curto prazo a subida do dólar leva as pessoas a acreditarem em mais inflação.
- O BC aposta que uma desaceleração global vai puxar as cotações de commodities para baixo, reduzindo a inflação. Mas se as commodities não caírem tanto e o câmbio continuar em alta, o efeito pode ser o oposto.
Colaboraram Daniel Haidar e Vinicius Neder
FONTE: O GLOBO
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