Com Serra e Lula em campo, a eleição municipal em São Paulo caminha para definir muito mais do que o prefeito da maior cidade do país
Otávio Cabral
Vencer a eleição para a prefeitura de São Paulo é vital para o projeto do PT, mais precisamente do seu presidente de honra, Luiz Inácio Lula da Silva. Há duas décadas, a política brasileira é marcada por uma briga acirrada entre o PT e o PSDB, com os demais partidos orbitando como satélites em torno do governo de ocasião. Os tucanos ficaram oito anos na Presidência. Os petistas que lhes sucederam já estão em seu terceiro mandato. Nesse período, o PT aparelhou o estado, cooptou partidos aliados, sindicatos, movimentos sociais e desequilibrou o jogo. Agora, para alcançar a hegemonia e reduzir a oposição a pó, almeja conquistar o estado de São Paulo, a principal praça de resistência dos tucanos, e, para isso, a prefeitura de São Paulo é uma escala fundamental. O anúncio da entrada do ex-governador José Serra na briga municipal, porém, jogou areia no projeto petista.
Serra, que pretendia disputar pela terceira vez a Presidência da República em 2014, comunicou na semana passada que o plano está agora "adormecido" e se pôs à disposição do partido para concorrer às eleições municipais. Além de ser o único nome capaz de unir o PSDB na disputa paulistana, ele é também o único a ter chances reais de ganhar uma batalha na qual o PT vem descarregando todos os seus tanques. Lula patrocinou a candidatura do ex-ministro da Educação Fernando Haddad e empenhou-se em fortalecê-la formando um tal balaio de gatos – ou leque de alianças, como se diz em política – que incluiria até um aliado histórico do PSDB, o prefeito Gilberto Kassab, fundador do PSD. No momento em que se aproximou do PT e ameaçou distanciar-se do PSDB, no entanto, Kassab forçou Serra a abandonar a indefinição e assumir sua candidatura à prefeitura.
Agora, com o cenário definido (Serra ainda terá de se submeter às prévias do partido, mas, a esta altura, elas não passam de formalidade), a eleição para a prefeitura de São Paulo ganha contornos de disputa nacional. Isso não significa que Serra e Haddad poderão deixar de lado os sérios problemas nas áreas de saúde, educação e transporte que atormentam a vida dos 11 milhões de paulistanos. Mas serão cobrados também a debater o modelo que seus partidos querem para o país. "A presença de Serra colocou a eleição paulistana na vitrine habitacional. Será o duelo entre o projeto monopolista de Lula e a sobrevivência da oposição como alternativa de poder", analisa o cientista político Rubens Figueiredo. No discurso em que anunciou sua candidatura, Serra declarou que entrou na disputa para deter o avanço do PT como força hegemônica da política nacional. “Estão em jogo duas visões distintas de administração dos bens coletivos, duas visões distintas na de democracia, duas visões distintas de respeito aos valores republicanos”, afirmou. Se Lula nacionalizou a disputa ao utilizar seu prestígio e a força do governo federal para montar o palanque de Haddad, o PSDB promete devolver na mesma moeda. "É uma eleição emblemática por tratar da maior cidade do país e por envolver líderes políticos nacionais. Será uma espécie de ensaio, mas com outros atores, para a eleição presidencial de 2014", afirma o presidente do PSDB, Sergio Guerra.
Se foi a ameaça de Kassab de se aproximar do PT que forçou Serra a abandonar a indefinição, partiu de Alckmin a catada final que o levou a assumir a candidatura. Na véspera do Carnaval, o governador se reuniu com o senador mineiro Aécio Neves e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para afinar um discurso de convencimento. Uma semana depois, convidou Serra para um jantar no Palácio dos Bandeirantes, no qual deixou claro que ele era a única opção para derrotar o PT. Para finalizar, prometeu empenhar-se em sua campanha - o que, mais do que uma obviedade, era um compromisso que Serra precisava obter dele, dado que na sua tropa rondava a desconfiança de que Alckmin pudesse fazer "corpo mole" para favorecer o candidato do PMDB, Gabriel Chalita, seu ex-secretário de Educação.
Em contrapartida, a cúpula do PSDB exigiu de Serra o compromisso de que, caso eleito, não deixará o mandato para tentar disputar a Presidência em 2014, como fez em 2006, quando renunciou ao cargo para concorrer a governador. As pesquisas mostram que Serra é bem avaliado como gestor e deixou marcas positivas em suas passagens pelo Ministério da Saúde, prefeitura e governo. Mas a desconfiança de que ele usa o cargo que ocupa como um degrau para subir a um posto mais alto é tida como um dos principais componentes de sua taxa de rejeição, que atinge 33% do eleitorado. Não por acaso, as primeiras entrevistas do tucano foram dedicadas a prometer que ele ficará, sim, os quatro anos na prefeitura. Para ser 100% convincente, faltou apenas fazer aquilo que lhe cobra a cúpula do PSDB: declarar que seu candidato a presidente em 2014 é o ex-governador de Minas Aécio Neves, seu desafeto e o preferido do partido.
Em São Paulo, Serra enfrentará um candidato hoje com 5% de intenção de voto e alto potencial de crescimento. Com seu perfil de jovem professor universitário, Fenando Haddad foi escolhido por Lula para conquistar a classe média refratária ao PT. Além do padrinho bom de voto, o ex-ministro conta com a boa vontade da presidente Dilma Rousseff - que prometia não usar o governo na campanha, mas já usou. Na semana passada, ela nomeou o senador Marcelo Crivella, do PRB, para o Ministério da Pesca, agradando a bancada evangélica, ultimamente descontente com Haddad. Lula e Dilma também vêm tentando conquistar o PSB para o palanque de Haddad e, na semana passada, reunidos em São Paulo, encomendaram uma pesquisa para avaliar se a candidatura de Chalita é boa ou ruim para o petista. Caso concluam pela segunda alternativa, o governo negociará com o PMDB a retirada de Chalita da disputa.
Se para o PT a vitória nas eleições municipais de São Paulo é condição para a conquista da hegemonia do partido, para o PSDB ela representa o primeiro passo para retomar a Presidência em 2014. Nos próximos meses, a capital será a arena de uma guerra entre os dois principais partidos do país. E os melhores exércitos de cada lado já estão em campo.
Pescador de votos
Na semana passada, a presidente Dilma Rousseff trocou o comando do Ministério da Pesca, aquela excrescência administrativa criada pelo ex-presidente Lula para acomodar aliados no primeiro escalão. Demitido do cargo de ministro pela segunda vez só neste governo, o petista Luiz Sérgio foi substituído pelo senador Marcelo Crivella, do PRB. A troca não era tema das conversas, entabuladas desde o ano passado, sobre mudanças na equipe ministerial. Também não teve o objetivo de aumentar a eficiência da máquina pública, como as mexidas até agora realizadas. O próprio Crivella admitiu que não conhece nada do setor pesqueiro e, fazendo piada das próprias credenciais, disse que jamais colocou uma minhoca num anzol. Não faz diferença. O senador foi alçado à Esplanada por uma contingência política. Mais do que isso, por uma necessidade eleitoral, numa demonstração de que - apesar de prometer o contrário - a presidente da República mergulhará de cabeça para ajudar o PT a conquistar espaços na campanha municipal deste ano.
Dilma nomeou Crivella de olho no apoio dos evangélicos. Bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus e sobrinho de Edir Macedo, o senador será o principal interlocutor do Palácio do Planalto com esse segmento. No curto prazo, ele pode ser decisivo para que Lula e o PT consigam conquistar a prefeitura de São Paulo. O governo quer que Crivella convença o PRB a desistir da candidatura de Celso Russomano, fechando aliança com o petista Fernando Haddad. Se isso não for possível, o governo quer que o ministro costure, pelo menos, uma política de boa vizinhança entre evangélicos e Haddad. O clima entre as partes azedou depois que o Ministério da Educação, ainda na gestão Haddad, planejou entregar aos alunos das escolas públicas um "kit gay", a fim de combater o preconceito. Em resposta à iniciativa, a Igreja Universal veiculou uma série de reportagens com críticas a Haddad. Dilma chegou a escalar o ministro Gilberto Carvalho para tentar selar um armistício. Como a ofensiva não deu certo, apelou para o Ministério da Pesca, que, enfim, tem uma utilidade reconhecida.
FONTE: REVISTA VEJA
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