O excesso de liquidez gerado pela reação dos bancos centrais dos países
desenvolvidos à crise de 2008/2009 tem sido um importante fator de valorização
das moedas dos países emergentes. Com o excesso de dinheiro no mercado e a
ausência de oportunidades de investimento, os recursos se direcionam para os
países emergentes em busca de retorno, exercendo forte pressão por valorização
das taxas de câmbio desses países.
Nesse sentido, as reclamações do governo brasileiro quanto aos efeitos
perversos das políticas monetárias excessivamente frouxas sobre a
competitividade da indústria de transformação do País são totalmente
procedentes. Entretanto, em razão da falta de opções para enfrentar a crise,
não se deve esperar que os bancos centrais destes países mudem suas políticas
no curto prazo.
Por outro lado, esse não é o único e, provavelmente, nem o mais importante
responsável pela valorização do real. O aumento da demanda por commodities
exportadas pelo Brasil (soja, carne, minério de ferro, etc.) e o aumento de
seus preços no mercado internacional fizeram com que os preços dos produtos
exportados pelo Brasil subissem a uma taxa muito maior do que os preços dos
bens importados. O resultado foi um grande aumento da oferta de dólares e a
desvalorização do dólar ante o real. Portanto, ainda que as políticas
monetárias fossem menos frouxas, a tendência à valorização do real
permaneceria, apenas com menos intensidade.
A reação do governo e do Banco Central brasileiros à valorização do real tem
se mostrado bastante agressiva. Porém, a meu ver, essa reação tem se dirigido
para resolver um falso problema - aumentar o consumo das famílias -, e não para
o problema real, a queda da produtividade da indústria, o que pode gerar
resultados negativos para o setor industrial no médio prazo. Esse aparente
paradoxo decorre do forte aquecimento do mercado de trabalho brasileiro, com
taxas de desemprego muito baixas, tanto para padrões históricos quanto em
relação ao padrão internacional, e do fato de que os salários nominais no
Brasil são bastante sensíveis às variações da taxa de desemprego. Analisemos
alguns exemplos.
O aumento dos impostos sobre os bens importados deverá gerar uma elevação
dos preços desses bens e criar espaço para que os similares produzidos no
Brasil tenham seus preços aumentados - o que permitirá um crescimento da margem
de lucro dessas empresas. Num primeiro momento, isso significa um alívio. Mas,
com o mercado de trabalho aquecido, o aumento da inflação decorrente da
elevação do preço dos bens importados e seus congêneres nacionais será
repassado aos salários nominais, aumentando o custo do trabalho e, com isso,
eliminando o ganho de margem de lucro inicialmente obtido.
A menos que ocorram novos aumentos de impostos, o resultado final para a
indústria é nulo. Como o empresário antecipa esse movimento, não amplia os
investimentos e a produtividade se mantém em queda.
O crescimento da oferta de crédito tem também o efeito de aumentar o consumo
das famílias. A ampliação da demanda dos setores de serviços, comércio e
construção civil pode ser atendida por aumento de oferta interna ou por aumento
de preços, caso não exista capacidade produtiva para fazer crescer a oferta.
Como esses são setores muito intensivos em trabalho e a taxa de desemprego está
muito baixa, o aumento da oferta será limitado pela falta de mão de obra,
pressionando os salários e, portanto, os preços desses setores. Na incapacidade
de subir seus preços por causa da concorrência com os produtos importados, o
resultado para o setor industrial será um aumento do custo unitário do trabalho
e redução da competitividade.
A substituição dos impostos sobre a folha de pagamentos por um imposto sobre
faturamento terá, na melhor das hipóteses, efeito neutro sobre a
competitividade dos setores afetados.
Com menos impostos sobre os salários, num primeiro momento o custo do
trabalho deverá cair; a demanda por mão de obra, aumentar; e, caso existissem
trabalhadores desempregados com as qualificações adequadas, a taxa de
desemprego deveria cair. Como não há trabalhadores ociosos com a qualificação
necessária, o aumento da demanda por trabalho vai se transformar em aumento dos
salários nominais, anulando a redução de custos decorrente da diminuição dos
impostos sobre a folha de pagamentos.
A estagnação da indústria de transformação brasileira se deve à perda de
competitividade decorrente do desempenho medíocre do investimento, da
produtividade e do aumento do custo unitário do trabalho. Medidas que ampliem o
consumo das famílias, num ambiente em que a taxa de desemprego se encontra em
níveis já muito baixos, ainda que possam ter algum efeito no curto prazo sobre
o desempenho do setor, geram mais pressão por aumentos de salários nominais,
aumentam o custo unitário do trabalho e reduzem a competitividade, no médio
prazo.
O aumento do consumo será, em grande parte, atendido por mais importações. A
indústria mundial agradece.
Professor do Departamento de Economia da PUC/Rio
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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