- O Estado de S. Paulo
O contato com observadores externos, vivamente interessados no desenrolar do processo eleitoral no país, impõe a interlocutores nacionais o ônus de traduzir o processo político brasileiro e testar a consistência das explicações a que se acostumaram sem maiores aprofundamentos.
Algumas dessas explicações para o que ocorre na disputa eleitoral deste ano são dadas por certas no contexto interno, mas são desafiadoras para quem olha de fora. A empolgação do eleitorado com a proposta da “nova política” soa estranho para o público externo quando não vem respaldada por um programa com metas objetivas.
Para situá-los, e até certo ponto, conformá-los, é preciso restringir a “nova política” à forma e não ao conteúdo, que é o que se pode extrair do discurso de Marina Silva.
O relacionamento com o Congresso, o fim do toma lá dá cá, a ruptura com o sistema de maioria parlamentar cooptada, que com o mensalão teve seu auge, são uma síntese da reforma de costumes no exercício da política – crítica e proposta que o eleitorado identifica na candidata do PSB.
Embora essa forma reducionista da “nova política” seja, por si só, de duvidosa consecução, ela é possível mesmo ao custo de uma gestão mais lenta do que as circunstâncias do país recomendam, e é o ponto substantivo a mover o eleitorado.
É certo que a capacidade de Marina concretizar essa mudança é o grande questionamento a se fazer, por exigir uma liderança política que há muito o país não tem e de que sua biografia não é garantia, apesar da elogiável trajetória de superação que marca seu perfil.
Nesse contexto, a nebulosidade que ainda caracteriza o compromisso programático de Marina, está em segundo plano para o eleitor, o que facilita seu avanço na preferência popular, pois a dispensa, por ora, de detalhar seu programa, permitindo-se ficar em tópicos específicos em torno de temas mais polêmicos.
Ainda que nas poucas vezes em que instada a abordar questões delicadas de forma mais assertiva tenha demonstrado vulnerabilidade – casos do aborto e dos direitos dos gays – a candidata parece blindada para essas fragilidades que nesse momento ficam no plano da temática moral.
Prevalece o sentimento maior do eleitor, que é pela mudança na forma de fazer política, o que explica também o esgotamento da polarização entre PT e PSDB, que não conseguem, por razões diversas e consideráveis, se afirmarem como possíveis condutores dessa mudança.
O PSDB e o governo se esforçam, com maior ou menor desespero, em dar nitidez ao perfil real de Marina – a ambientalista radical, a evangélica fervorosa, a gestora inexperiente -, em uma tentativa de trazer o eleitor para a racionalidade e reduzir o tom emocional que a campanha ganhou após a tragédia que abateu Eduardo Campos em pleno voo – no ar e na campanha.
Dilma Rousseff o faz, desde o último debate entre os presidenciáveis, de forma mais agressiva e de menor retorno, em busca do tempo perdido. Conspira contra a presidente o que se poderia chamar de “efeito espelho” – o que faz dela o alvo das críticas disparadas contra a rival.
Isso ocorre porque o recurso à inexperiência de Marina como gestora, o medo que isso deveria incutir no eleitor, a aposta no desconhecido, são anulados pelos resultados do seu governo.
A economia em recessão, o estrangulamento dos grandes centros urbanos, em razão da negligência do PT com a infraestrutura por uma década, a inflação e o endividamento das famílias com a excessiva política de consumo, retiram de Dilma a autoridade crítica.
Da mesma forma, anula o discurso propositivo da presidente, pois o eleitor se pergunta porque deve acreditar em promessas de realização e melhoras por parte de quem, no caso o governo do PT, não fez em 12 anos o que anuncia para o próximo mandato.
O candidato do PSDB, Aécio Neves, sofre o efeito da saturação com a polarização, embora esta se deva à estratégia do PT de fazer da comparação com os governos tucanos sua arma eleitoral, em bases distorcidas, de que é exemplo mais forte a tradução envenenada de privatização por venda do patrimônio nacional.
O desgaste do PT, que registrou uma perda de capital político expressiva com o processo e o desfecho condenatório do mensalão, indicava ao candidato tucano que, pela primeira vez, a polarização poderia favorecer o PSDB, diante dos resultados da gestão do PT ao final de 12 anos.
E assim parecia acontecer, com o crescimento gradual da candidatura do senador mineiro, favorecido pelo grau de desconhecimento de seu rival na oposição, Eduardo Campos, cuja vinculação com Marina ainda era um processo em curso quando sua morte prematura ocorreu.
Em segundo plano no processo eleitoral, Marina passou a protagonista, resgatando para a candidatura do PSB seu patrimônio eleitoral anterior, anabolizado pelo efeito emocional da tragédia política.
Mas aquilo que interessa a gregos e troianos, ou seja, a brasileiros e estrangeiros que acompanham o processo político do Brasil, Marina ainda não ofereceu: o que vai ser o seu governo.
De seus adversários já se conhece pensamento e ação. Afinal, PSDB e PT já governaram o país e deles o eleitor faz seu juízo a partir de resultados conhecidos.
Marina é incógnita que avança para a liderança da disputa apoiada no discurso simbólico do novo, cujo efeito propulsor revela o quanto os partidos negligenciaram a rejeição crescente da população com o chamado presidencialismo de coalizão – eufemismo para o sistema fisiológico que se sustenta na corrupção.
Tudo indica que parcela expressiva do eleitorado já associou a ineficiência do Estado à corrupção política. Da pequena corrupção instalada na rotina dos Três Poderes, até os grandes escândalos que levaram dirigentes partidários para o presídio e os que desmoralizaram a aura sagrada da Petrobrás, um dos orgulhos nacionais.
Em tal cenário, importa mudar com quem parece confiável, menos pelo que dela se conhece e mais pela dissociação que dela se faz com o universo político posto em xeque.
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