O 5.º Congresso do PT serviu para confirmar que o partido vive a maior e mais grave crise em 35 anos de existência e não consegue reagir à tendência crescente de aprofundá-la, diante da impossibilidade de conciliação das várias correntes que se digladiam internamente. O documento aprovado ao final do encontro – ou desencontro, numa tradução mais fiel ao espírito da coisa – esmera-se em salvar as aparências, contornando as divergências, especialmente aquelas em torno da política econômica do governo e das medidas propostas pela presidente Dilma Rousseff para botar ordem nas contas públicas, via ajuste fiscal.
Sintomático da crise de identidade que o PT vive desde que decidiu mudar para chegar ao poder e nele se manter foi o apelo de Lula, durante o encontro, para que o partido volte a ser o que era. Em que consistiu essa mudança? Basicamente, em renegar, a partir da campanha presidencial de 2002, aquelas que eram as duas principais bandeiras petistas. Primeiro, por meio da famosa Carta aos Brasileiros, o PT anunciou seu apoio aos fundamentos da política econômico-financeira que a partir do Plano Real libertara o País da inflação galopante e criara condições para a retomada da estabilidade e do desenvolvimento econômico e social. Até então Lula condenava enfaticamente essa política “neoliberal”. Mas adotou-a sem reservas em seu primeiro mandato. No poder, Lula tratou de se aliar, em nome da “governabilidade”, aos “picaretas” que eram os principais responsáveis por “tudo isso que está aí” que ele próprio sempre denunciara e combatera.
Soa hipócrita, portanto, que o inspirador e beneficiário da traição do PT a suas bandeiras históricas venha agora propor um “retorno às origens”, com o “espírito de luta” que era marca registrada da militância petista nos primórdios do partido. E por que os privilegiados filiados ao PT se disporiam agora a reviver um passado de lutas se, ao longo dos últimos 12 anos, conquistaram para si próprios o status de prósperos burgueses instalados confortavelmente em cargos públicos?
No plenário do congresso de Salvador os credenciados e os “militantes” eram quase todos funcionários públicos – principalmente do governo petista da Bahia – ou do próprio PT e de organizações, como a CUT, a ele vinculadas. É o efeito do aparelhamento do governo, prática que o PT tem levado ao extremo e que, como se vê, se volta contra ele ao debilitar a antiga combatividade da militância agora focada no desfrute do poder.
Ao final do congresso a proeza mais significativa dos dirigentes do PT – na verdade, de Lula, que ainda tem sobre o partido um poder incontrastável – foi botar água na fervura das tendências mais à esquerda, que queriam formalizar uma condenação à política econômica de Dilma, firmando posição pela “alteração” dessa política. O problema foi contornado pelo uso hábil das palavras, o que não resolve o problema das divergências internas, mas salva o discurso petista: “É preciso conduzir a orientação geral da política econômica para implementação de estratégias para a retomada do crescimento e defesa do emprego, do salário e dos demais direitos dos trabalhadores”, etc., etc. O problema é que esse belo discurso não significa que a CUT deixará de exercitar sua truculência verbal e física no ataque ao ajuste fiscal nem desistirá de demonizar o ministro Joaquim Levy.
O congresso petista rejeitou a proposta das tendências mais radicais, que postulavam a ruptura da aliança com o PMDB. Foi uma admissão clara de que, sem o partido de Michel Temer, Dilma não consegue governar. Mas o peemedebista Eduardo Cunha, presidente da Câmara, aproveitou para tripudiar sobre seus “aliados”, garantindo, em entrevista ao Estado, que “o PMDB não repetirá (em 2018) a aliança com o PT”.
Ainda no plano do discurso, não faltou em Salvador a recorrente reclamação do presidente do partido, Rui Falcão, contra a tentativa de “criminalização da política”. Não se trata de indignação contra os feudos de criminosos na administração pública. Falcão reclama é das denúncias e investigações que envolvem seu partido. Prova disso é que ficou feliz da vida quando, no encerramento do encontro, viu o plenário aplaudir demoradamente o ex-tesoureiro João Vaccari Neto, preso na Operação Lava Jato.
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