- O Globo
O pacto pela impunidade está rompido. Os donos do poder não estão mais acima das leis. A transparência de uma sociedade aberta assusta mentes retrógradas que se habituaram à subserviência e à impunidade entre os poderes constituídos. O antigo regime militar havia moldado cínica harmonia entre esses Poderes. Espúrias alianças políticas entre despreparados social-democratas e conservadores oportunistas evitam as necessárias reformas. O resultado é uma desconcertante degeneração da política numa gigantesca teia de corrupção.
A presidente Dilma Rousseff estaria ameaçada pelas pedaladas fiscais, e sua chapa com o vice-presidente, por suposta ilegalidade no financiamento da campanha. Os presidentes do Senado e da Câmara podem estar envolvidos no escândalo de corrupção apurado pela operação Lava-Jato. E estariam todos dispostos a usar suas lanças e escudos institucionais uns contra os outros. Estaríamos diante do caos, perturbando a idílica harmonia anterior? Ou, ao contrário, pelo esgotamento das degeneradas práticas que nos levaram a uma situação caótica, estamos no limiar de um período de mudanças para o aperfeiçoamento de nossas instituições?
O Executivo e o Legislativo poderiam ter conduzido um processo evolucionário de reformas na política. Mas, por sua omissão, coube ao Poder Judiciário a condução de um processo revolucionário de aperfeiçoamento institucional. É um formidável exemplo das enormes transformações que boas lideranças podem promover sobre a vida do país. O exemplar comportamento republicano de Joaquim Barbosa e Sergio Moro decretou o fim da era da impunidade e o início de uma época que exige a legalidade das práticas políticas, além da legitimidade conferida pelas urnas.
Mas o esforço apenas do Poder Judiciário pode não ser suficiente. "Há na política, como na Igreja, dois elementos inconciliáveis que não cessam de se chocar: a missão espiritual superior e os desvios de suas práticas profanas. O bem e o mal são intrínsecos a ambas. Os Poderes e as instituições não estão hoje deslegitimados apenas porque caíram na ilegalidade. A ilegalidade é também generalizada porque os Poderes perderam a consciência do que representa sua legitimidade", registra o filósofo italiano Giorgio Agamben, em "O mistério do mal" (2014).
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