A decisão não teve nada de consensual. Por 6 a 5, o Supremo Tribunal Federal reafirmou a possibilidade de que pessoas condenadas em segunda instância sejam presas, considerando desnecessário esperar até que se esgotem todos os recursos à disposição.
Estavam em jogo, na sessão de quarta-feira (5), princípios constitucionais básicos em qualquer democracia: ninguém deve ser conduzido à prisão sem culpa e ninguém deve ser considerado culpado antes do devido processo legal.
Com frequência, mesmo os mais claros fundamentos jurídicos se abrem a interpretações diversas, e estas permeiam-se das tendências do momento e das lições trazidas pela experiência concreta.
Na prática, o sistema penal brasileiro tem-se caracterizado por flagrante impunidade seletiva. Réus que disponham de alta condição financeira valem-se de excelentes advogados para realizar incontáveis manobras protelatórias nos tribunais, adiando a execução da pena.
Estão no direito de fazê-lo. A situação tem criado, entretanto, inúmeros exemplos de injustiça. Em seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso citou alguns.
Condenado por desviar mais de meio bilhão de reais (em valores atualizados), num crime que remonta a 1992, o ex-senador Luiz Estevão foi condenado em 2006, mas terminou preso só em 2016, após apresentar 34 recursos judiciais.
Muitas vezes, quando finalmente esgotados todos os meios de defesa, a pena prevista para o crime cometido encontra-se prescrita.
Como considerar que alguém já sentenciado em dois tribunais ainda possa ter sua inocência presumida pelo Estado? Tal complacência é recusada em qualquer país do mundo, mas está inscrita na nossa Constituição e tinha sido avalizada pelo STF em julgamento de 2009.
Em fevereiro deste ano, contudo, os ministros trouxeram novo entendimento. Dada a controvérsia suscitada, fizeram bem em voltar agora à discussão; a reafirmação do que se decidira meses atrás fortalece a posição do tribunal.
Há alguns anos, esta Folha chegou a defender a necessidade de uma palavra do Superior Tribunal de Justiça antes de se proceder à execução da pena. Cabe reconhecer, no entanto, que a convicção do STF mostra-se mais pertinente.
O clima de impunidade que vigorava até agora tem o efeito perverso de induzir a criação de leis cada vez mais severas —ou até estimular respostas como linchamentos e esquadrões da morte.
Desde que não se retire dos acusados o direito a eventuais revisões processuais, a maior efetividade criminal corrige em parte essa situação —em que, escarnecida a Justiça e impotente o Estado, a sedução da barbárie acompanha, como uma sombra, um excesso de garantias à disposição de quem pode financiar a própria impunidade.
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