- Folha de S. Paulo
O Brasil é um país desigual, injusto e de renda média baixa. A nossa tendência é sempre achar que a culpa é do outro: as multinacionais, ou, simplesmente, o capital.
Não há, no entanto, nenhuma evidência de que o Brasil tenha sido explorado por esses agentes. Os juros da dívida externa e a remuneração do investimento estrangeiro são equivalentes aos que ocorrem nos demais países.
Os bancos seriam outro candidato. No entanto, aproximadamente metade do sistema bancário brasileiro é público. Além disso, o Imposto de Renda sobre os seus lucros, incluindo a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, é de 50%.
Finalmente, se a sua rentabilidade fosse tão elevada com se pensa, diversos bancos estrangeiros, como o HSBC, no ano passado, e o Citibank, agora, não estariam deixando o país.
O Brasil possui uma elevada carga tributária em comparação com países em semelhante estágio de desenvolvimento, que prejudica o crescimento econômico. No entanto, a nossa oferta de serviços públicos decepciona, incluindo a capacidade de construir a infraestrutura física: portos, estradas, metrôs na grande cidade e saneamento básico.
Como argumentei há duas semanas na coluna "Aquarius", várias distorções fazem com que parcela significativa dos impostos seja utilizada para transferir recursos a indivíduos que pertencem muitas vezes à elite da distribuição de renda. O caso mais claro é o gasto previdenciário, que atinge 13% do PIB (Produto Interno Bruto) ante gasto de 5 ou 6% em países com a mesma pirâmide demográfica.
Há inúmeras distorções: os créditos subsidiados do BNDES; universidade pública gratuita; os regimes tributários especiais, lucro presumido e simples; as aposentadorias especiais no serviço público; aposentadorias aos 50 anos; baixas alíquotas do imposto sobre herança; acúmulo de pensão por morte com a própria aposentadoria etc.
O resultado dessas distorções é a baixa capacidade de poupança do setor público, fato que está na raiz dos elevados juros reais necessários para segurar a pressão inflacionária, e, portanto, no elevado custo de rolagem da dívida pública. Este, portanto, é consequência, e não causa, para desespero daqueles que desejam achar um responsável externo pelos nossos males.
Em muitos casos cada uma das distorções se justifica. Encerram benefícios obtidos na forma da lei, que, muitas vezes, requerem elevado sacrifício individual. Porém, os sacrifícios individuais não invalidam que esses programas foram subsidiados com expressivos recursos da sociedade, em muitos casos para grupos entre os 5% mais ricos.
A justificativa caso a caso dos direitos e benefícios individuais não garante que o resultado agregado seja sustentável e socialmente justo. Ignorar as restrições econômicas e não priorizar com mais ênfase a justiça social são os pecados de nossas escolhas coletivas.
No final das contas, escreveu meu amigo Marcos Lisboa há 15 anos, como no caso de Édipo, descobrimos que os responsáveis pela nossa miséria somos nós mesmos, os 5% mais ricos que se consideram classe média e objeto de inúmeras das distorções. Clara, a heroína de "Aquarius", é a nossa versão de Édipo.
Nos próximos anos a sociedade terá de fazer um acerto de conta consigo mesma. Se não formos bem-sucedidos, retornaremos aos anos 80.
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