A primeira eleição sem o financiamento empresarial de campanha foi plenamente exitosa. Embora a queixa sobre a falta de dinheiro tenha sido mais ou menos generalizada, os candidatos saíram em busca de votos, os eleitores fizeram suas escolhas livremente e os eleitos tomarão posse no prazo legal. Tudo isso significa que a democracia pode perfeitamente funcionar sem a injeção de recursos de empresas interessadas somente em ganhar favores e contratos dos políticos que ajudaram a eleger. Aliás, pode-se dizer que a democracia saiu fortalecida dessa eleição exatamente porque foi rompido esse vínculo danoso entre políticos e empresas, transformadas em eleitoras privilegiadas. Deu-se um grande passo para restaurar o princípio de “um homem, um voto”.
É evidente que os partidos e os políticos têm muitos motivos para lamentar a mudança no financiamento eleitoral, sacramentada pelo Supremo Tribunal Federal em 2015. Dependentes da fartura proporcionada por generosas pessoas jurídicas – e entre as mais generosas, não por acaso, encontravam-se as empreiteiras que passaram os últimos anos a nutrir relações obscenas com o poder, muitas vezes exercendo-o elas mesmas –, não foram poucos os políticos que, padecendo de síndrome de abstinência, propuseram o restabelecimento do antigo modelo.
Aquela situação pode ser resumida em uma palavra: farra. A doação eleitoral por parte de empresas, que se tornou legal a partir de 1994, provocou uma explosão nos custos das campanhas – que saltaram de R$ 792 milhões em 2002 para R$ 5,1 bilhões em 2014. Proporcionalmente, o custo do voto no Brasil tornou-se um dos mais altos do mundo, transformando a política em uma atividade limitada aos candidatos bem relacionados com poderosos financiadores.
Quando esse fenômeno grotesco começou a tomar forma, nos anos 90, o governador Mário Covas chegou a defender a simplificação da propaganda eleitoral para reduzir os custos, sugerindo que a campanha na TV tivesse apenas o candidato, sem maquiagem nem truques, a pedir o voto. Nem é preciso dizer que a ideia de Covas foi prontamente rechaçada por aqueles que já estavam a lucrar com o financiamento empresarial de campanhas.
Neste ano, sem essa abundância de recursos, foi necessário gastar sola de sapato, algo a que os candidatos já não estavam mais habituados. Se antes o dinheiro das empresas permitia que os candidatos disputassem a eleição sem sair de casa, agora se tornou imperativo conversar diretamente com o eleitor e convencê-lo não apenas a lhe dar o voto, mas também a ajudar no financiamento da campanha.
Não faltarão aqueles que apontarão os dados sobre fraudes nas doações de pessoas físicas – inclusive beneficiários do Bolsa Família, de quem ninguém esperaria nenhuma doação eleitoral – como prova de que não é possível evitar que os candidatos encontrem maneiras de burlar a lei. Ora, mesmo que se comprovem todas essas fraudes – o Tribunal Superior Eleitoral suspeita que o volume de doações irregulares nas eleições deste ano pode atingir R$ 554 milhões –, nada é comparável ao prejuízo que causou, nos últimos anos, a captura do poder político pelo poder econômico, proporcionada pelas doações empresariais.
Espera-se, assim, que uma eventual discussão sobre a necessária reforma política não inclua o restabelecimento do financiamento empresarial, como querem vários líderes partidários. Espera-se também que não prospere a ideia de alguns políticos, noticiada nos últimos dias, de criar um “fundo eleitoral” que bancaria as campanhas com dinheiro público – fazendo com que o contribuinte colabore com candidatos nos quais ele não pretende votar.
Qualquer coisa que não seja o financiamento de campanhas por pessoas físicas seria um lamentável passo atrás, fruto muito mais de cálculos eleitoreiros e de interesses escusos do que de uma suposta valorização da democracia. Como a campanha eleitoral de 2016 mostrou, o voto pode ser conquistado sem a necessidade de enganar o eleitor com promessas elaboradas por marqueteiros e sem precisar recorrer a financiadores que não têm compromisso senão com seus balanços contábeis.
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