- Folha de S. Paulo
Ainda que de forma um pouco cínica, a democracia pode ser descrita como o sistema que mantém no poder políticos cujas administrações se aproveitam de bons ventos econômicos e saca aqueles cujos governos se deparam com uma crise. É secundário se os dirigentes são de fato os responsáveis pela bonança ou pelo desastre. Nesse contexto, democracias guardam semelhança com um sorteio e funcionam mais por institucionalizar a disputa pelo poder, que deixa de ser violenta, do que por selecionar sempre bons líderes e propostas factíveis.
No caso específico da derrota do PT nas eleições municipais, vale constatar que pelo menos não estamos lidando com uma injustiça cósmica. A política econômica expansionista adotada por Dilma Rousseff é realmente a principal responsável pela forte recessão que o país atravessa, a qual foi determinante para a surra que o partido levou nas urnas.
Uma leitura honesta dos resultados eleitorais também deveria levar à rejeição da tese de que o impeachment foi um golpe porque confiscou os 54,5 milhões de votos de Dilma. Ora, o que as urnas mostraram é justamente que o PT perdeu o apoio da maioria da população. Aliás, não foi por outra razão que mais de 2/3 dos deputados e senadores, que podem ser acusados de muitas coisas, mas não de desconhecer para que lado vão os humores do eleitorado, decidiram despachar a ex-presidente.
Assim, para sustentar que o impeachment representou um terceiro turno que cassou os votos de 2014 é necessário defender uma concepção meio cartorial de democracia, segundo a qual o eleitor só fala uma vez a cada quatro anos e depois deve calar-se para sempre. Se, por outro lado, imaginamos a democracia como um plebiscito diário, pelo qual o cidadão chancela ou rejeita políticas e governantes, aí o impeachment apenas atualizou a vontade popular. As duas concepções têm problemas, mas a primeira me parece pior.
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