Acadêmicos afirmam que modelo defendido pelo Congresso distancia eleitor de candidatos e alertam sobre superconcentração de poder a partidos
Elisa Clavery | O Estado de S.Paulo
Debatida na proposta de reforma política, a lista fechada pode engessar a composição do Congresso Nacional e garantir o foro privilegiado a parlamentares suspeitos de envolvimento no esquema de corrupção investigado na Operação Lava Jato, dizem especialistas consultados pelo Estado. Nesse sistema eleitoral, o voto é destinado ao partido, que, por sua vez, determina o parlamentar que vai ocupar uma cadeira no Parlamento. O modelo virou alvo de manifestação convocada para o próximo dia 26.
A professora de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV-Rio) Silvana Batini destaca o barateamento das campanhas eleitorais com uma eventual mudança. "No sistema proporcional de lista aberta, que temos hoje, cada candidato tem de conquistar pessoalmente muitos votos. Se o partido fizer uma campanha única, pode concentrar os recursos", afirmou.
Segundo a pesquisadora, porém, o modelo não deveria ser adotado no Brasil da forma que está sendo discutido. Para facilitar a aprovação no Congresso, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), querem propor prioridade aos atuais deputados no "ranking" das listas - o que lhes garantiria o foro privilegiado. "A ideia não pode ser perpetuar as pessoas no poder", criticou Silvana. "A lista fechada deixa o nome do candidato escondido dos eleitores, e isso pode favorecer as pessoas investigadas por corrupção".
Para a cientista política da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Maria do Socorro Sousa Braga, a reforma política vai na contramão do cenário brasileiro hoje, com a Lava Jato. As mudanças poderiam ser vistas pelo eleitorado como um oportunismo dos parlamentares para se livrarem da investigação. "A gente já tinha um 'gap' entre a sociedade civil e classe política e isso tem aumentado depois que se revelou a corrupção no País", afirmou. "A elite partidária não quer se dar conta de que está sendo extremamente desacreditada. Uma mudança dessas, para voto direto no partido, pode diminuir ainda mais o número de pessoas que se dispõem a votar, que já foi baixíssimo nas eleições municipais."
Tanto a lista fechada quanto o atual modelo de lista aberta adotam o sistema proporcional de votos - isto é, cada partido obtém um número de cadeiras proporcional aos votos que recebeu. "A diferença é que, na aberta, além de ajudar a determinar quantas cadeiras um partido vai ter, o eleitor escolhe quem vai ocupar aquela cadeira", disse Fernando Neisser, membro-fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e presidente da Comissão de Direito Eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp). "O problema atual é que o eleitorado, muitas vezes, não tem a percepção de que também está votando no partido e ajudando a eleger outros candidatos da sigla."
Para Neisser, a lista fechada seria o sistema ideal, não fosse o cenário partidário do Brasil. "A mudança só deve ser feita se for acompanhada de uma reforma estrutural dos partidos, de uma grande abertura democrática", disse Neisser. Entre as medidas estão a proibição de reeleições nos cargos de cúpula partidária, para tentar reduzir o controle familiar, a paridade de gênero nas direções partidárias, a transparência nas contas dos partidos e prévias obrigatórias para a escolha dos candidatos. "Quem deve escolher a ordem dos candidatos numa lista fechada é o partido, mas quem é o partido? O corpo de filiados, por meio de prévias. Isso obriga os pré-candidatos a se aproximarem das bases."
O pesquisador da FGV Direito SP Diogo Rais lembra que, no Brasil, houve mais mudanças na lei eleitoral do que eleições - foram 11 alterações desde 1997, quando foi criada a legislação eleitoral, e dez pleitos. "Reformar pontualmente deixa tudo muito instável. E quem faz a norma eleitoral são os jogadores, que movem toda hora a regra do jogo que eles mesmos vão disputar", afirmou o professor, que coordenou o Projeto Observatório da Lei Eleitoral no ano passado.
Ele destaca que a lista fechada pode ter pontos positivos, como o fortalecimento dos partidos. "No Brasil, há muitos partidos e quase nenhuma identidade partidária", disse Rais. Outra vantagem da lista seria a possibilidade de criar mecanismos para agregar minorias. "Se houvesse uma cota prestabelecida, a lista fechada poderia, por exemplo, fazer valer uma distribuição de gênero mais efetiva, com proporções iguais de homem e mulher no ranking partidário."
Rais afirmou acreditar, porém, que o fortalecimento partidário poderia se transformar em uma superconcentração de poder, caso não haja mecanismos para garantir a democracia interna da legenda. "Isso poderia levar a uma autonomia partidária elevada, empoderando demais os dirigentes, que vão determinar a lista", disse.
Para o pesquisador, a maior discussão não é o modelo, mas seu uso. "A lista fechada pode ser o instrumento certo, mas na hora errada. Com mais de 30 partidos políticos e um número muito grande de parlamentares sob investigação, a chance de o uso ser deturpado parece grande, o que pode criar um afastamento ainda maior da sociedade. Isso seria um desastre."
Consulta popular. Se por um lado a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, já se posicionou favorável à convocação de um referendo ou plebiscito para ouvir a sociedade sobre a reforma política, o ministro Gilmar Mendes, presidente do Superior Tribunal Eleitoral (TSE), é contrário a essa ideia. E tanto Neisser quanto Rais concordam com o ministro. "Temas tão técnicos quanto esse são difíceis de ser colocados em um plebiscito. Tenho receio de que caia numa escolha populista, seja para qual lado for", diz Neisser.
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