Três anos de Operação Lava-Jato - e não se sabe quantos mais virão - colocaram em xeque os usos e costumes do Legislativo e o modo de operação do Judiciário. A maior ação contra a corrupção da história republicana sublinha os exageros do foro privilegiado, a morosidade do Supremo Tribunal Federal em aplicar tempestivamente a Justiça a políticos que maltrataram as leis e, como reação, pode provocar uma das mais apressadas e piores reformas políticas já feitas. Ela também pôs as instituições à beira de um ataque de nervos, como mostraram nos últimos dias os duelos verbais entre o ministro Gilmar Mendes e o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot.
Consequências objetivas da operação são a necessidade de encontrar formas de financiamento eleitoral que corte os laços promíscuos entre o político eleito e as empresas que bancam suas campanhas, de firmar um padrão republicano no relacionamento do Estado com seus fornecedores, de dotar o país de um aparato legal compatível para enfrentar a ameaça da corrupção sistêmica e criar uma estrutura legal e administrativa para combatê-la. Só parte das 156 delações premiadas vieram parcialmente a público e revelam fatos estarrecedores. Mas o legado que a Lava-Jato pode deixar dependerá de um rearranjo institucional difícil e cheio de obstáculos. O risco de frustração é tão grande quanto as esperanças que a Lava-Jato avivou.
O desvelamento da extensa rede de corrupção ligando construtoras, funcionários públicos e políticos mostrou porque as campanhas políticas são tão caras no Brasil, assim como a enorme desigualdade de chances na arena eleitoral de quem não obteve, legal ou ilegalmente, o aval dos grandes financiadores. O abuso de poder econômico é um dos efeitos mais nefastos do favorecimento dado a muitos candidatos, a falsidade generalizada das prestações de contas, outro. Diante do gigantismo dos interesses privados em ação, o aparelho de Estado mostrou-se, como sempre, mais frágil exatamente em sua ação fiscalizadora. O Tribunal Superior Eleitoral não tem como cumprir a tempo suas obrigações legais e esse problema está longe de se esgotar na esfera eleitoral.
Com a seleção dos mais aptos feita por décadas com dinheiro escuso, foi possível a construtoras, e não só a elas, obter o que queriam dos homens certos nos lugares certos, ou mapear amplas regiões de influência (e de sombra) da elite política. Com o que a Lava-Jato desenterrou fica possível entender, por exemplo, porque o lobby no Brasil nunca foi regulamentado: desinteresse, porque a relação direta é mais proveitosa para políticos venais e empresários sem escrúpulos.
A Lava-Jato encontrou um vácuo legal ou uma estrutura jurídica nova e semi-construída, que abre chances de aplicação de penas relativamente brandas em relação à magnitude e extensão dos ilícitos. A divergência entre órgãos sobre a competência e a blindagem que os acordos de leniência permitiriam têm de convergir para uma posição única do Estado, inscrita em leis, que desse aos instrumentos legais sua máxima eficácia. Isso até agora não ocorreu. A MP leniente com os empresários corruptores enviada pela então presidente Dilma Rousseff ao Congresso foi corretamente sepultada, mas em seu lugar nada foi colocado. E se o resultado final for visto como brando, todo o esforço investigativo feito será considerado parte vão e não servirá como exemplar meio dissuasório para evitar casos semelhantes no futuro.
Já a mudança política que o terremoto de denúncias que se abateu sobre o Congresso força poderá ser abortada. Com a união de esquerda, centro e direita contra a Lava-Jato, os congressistas não se comportarão como alvos imóveis dos procuradores de Curitiba. Em algum momento poderá surgir uma peça legal que sirva para garantir a impunidade.
No caso do sistema eleitoral, a saída está sendo costurada à luz do dia e é péssima. Cogita-se mais que quintuplicar o dinheiro público destinado a campanhas (hoje, cerca de R$ 800 milhões) e impor o regime de lista fechada, no qual os caciques partidários fazem a seu bel prazer uma lista dos postulantes, em determinada ordem, e ao eleitor resta votar na legenda. Na etapa de transição, os atuais congressistas teriam lugar natural na lista - e assim manteriam o foro privilegiado.
A parcela séria do Congresso precisa reagir aos atentados contra o eleitor e aprovar o que já está na Casa: fim das coligações nas eleições proporcionais e cláusula de desempenho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário