Por Camilla Veras Mota | Valor Econômico
SÃO PAULO - A fraqueza da economia e o risco de que a crise política comprometa a já combalida recuperação da atividade deve ser motor para que o cenário de instabilidade que se abriu com a possível saída do presidente Michel Temer seja resolvido com a formação de um governo de coalizão, avalia Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do BNDES e ex-ministro das Comunicações.
Em um cenário hipotético em que a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carmén Lúcia, assuma a presidência até a realização de novas eleições, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, poderia se manter no cargo e dar sequência à agenda econômica.
Dessa forma, ele pondera, as reformas trabalhista e da Previdência passariam, ainda que a aprovação fosse postergada em "dois ou três meses", sem grande desidratação. O cenário alternativo, que ele avalia como menos provável, é o "caos".
O nervosismo do mercado ontem, com queda forte da bolsa de valores e alta expressiva do dólar e dos Credit Default Swaps (CDS), que mede o risco-país, é condizente com o que o mercado financeiro chama de "cisne negro", eventos que acontecem com raridade. Instrumentos como o "circuit breaker", que pode interromper as negociações na bolsa caso as perdas cheguem a determinado limite - e que foi usado ontem - é um mecanismo para "deixar as pessoas pensarem um pouco" e entenderem melhor o que vai acontecer.
A seguir, trechos da entrevista.
Valor: Como fica a economia?
Luiz Carlos Mendonça de Barros: Não dá pra dizer nada. O que aconteceu é o que se chama no mercado financeiro de "black swan", um cisne negro. É um evento importante, mas que ninguém espera. Dizem que os biólogos por um certo tempo acreditavam que o cisne negro não existia. E um dia ele apareceu lá, nadando no lado. Na minha vida já passei por uns cinco ou seis, estou vivo com a ajuda de Deus. Aconteceu, é um evento importantíssimo do ponto de vista econômico, político e social, e ninguém tem muita informação. Como o mercado reage a isso? Como reagiu: põe um limite de baixa, bate naquele limite, param as negociações, a não ser que apareça comprador e vendedor naquele preço.
Valor: É o "circuit breaker"?
Mendonça de Barros: Isso. As bolsas têm lá quanta gente gostaria de comprar dólar a R$ 3,40. É um volume de R$ 4 bilhões, R$ 5 bilhões. A bolsa é a mesma coisa, o DI é a mesma coisa... Então não dá pra dizer nada. É simplesmente um mecanismo para deixar as pessoas pensarem um pouco. Hoje todo mundo está atrás do que? Do cenário. Mas o que se tem são cenários possíveis de acontecer.
Valor: Um balanço dos riscos...
Mendonça de Barros: É. A primeira coisa que se tem que definir é se o Temer vai ou não ficar. Esse é o divisor de águas. Se essa gravação não for nada, ele continua. Como é mais provável que tenha alguma coisa comprometedora, ele não tem espaço para justificar nada, tem que ir embora. A própria classe política já começou [a se movimentar] no Congresso, ele vai acabar fazendo isso. O Temer tem uma história, não acredito que vá querer ficar porque sabe que o final dele é pior do que se sair agora.
Valor: O desfecho poderia ser o da antecessora.
Mendonça de Barros: Isso. Então, o Temer sai. O que vai acontecer? Vai ter que ter um consenso político de quem vai terminar o mandato. Nesse aspecto, essa questão econômica acaba ajudando, porque hoje está todo mundo apavorado. Estão falando na presidente do STF [Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia]. Se esse é o caminho, ela vai fazer um governo de coalizão com um grupo de forças. Eventualmente, o [ministro da Fazenda, Henrique] Meirelles, que não está sendo acusado de nada, pode continuar; aí as coisas se acalmam. Você tem dois cenários: o caos ou o Brasil, mais uma vez, enfrenta uma situação como essa, com razoabilidade, monta um governo que vá chegar até 2018, e aí a questão das reformas vai reaparecer. Esse é o cenário positivo, e eu prefiro acreditar nele.
Valor: Mesmo no cenário positivo as reformas serão postergadas?
Mendonça de Barros: Mas está tudo pronto. Aí é uma questão de mais dois ou três meses. Todo mundo está tão assustado que isso seria aceito como preço a ser pago.
Valor: Não haveria desidratação das reformas?
Mendonça de Barros: Não, porque os empresários vão entrar, os banqueiros vão entrar... porque se entregar na mão dessa oposição histérica que tem aí... então vai se compor um governo de consenso e, como a agenda está colocada, vai se tocar. Com mais dificuldade, mas vai se tocar. Esse seria o desdobramento mais provável. Pra mim, é o mais provável.
Valor: Haveria mudança na expectativa para crescimento e inflação, que poderia acelerar com um choque do dólar, por exemplo?
Mendonça de Barros: A inflação, que vinha desacelerando, com esse cenário desacelera mais, porque aprofunda a paralisia. A única coisa que pode amolar é o câmbio. Mas o Brasil tem uma situação cambial hoje muito favorável. Se alguma coisa acontecer é que a inflação vai ser mais baixa e o espaço para o BC reduzir juros, maior.
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