Não se pode querer combater a criminalidade com projetos que têm grande potencial para gerar mais violência, como é o caso da liberação dos jogos de azar
Num momento em que a criminalidade no país está em ascensão e a arrecadação de tributos em queda, ganham força propostas ilusórias, simbólicas da demagogia política, de soluções mágicas para problemas complexos. É o caso do projeto para legalizar os jogos de azar. Em Brasília, na terça-feira, reuniram-se sete governadores — entre eles o do Rio, Luiz Fernando Pezão — e 15 representantes estaduais para discutir problemas fiscais dos estados, na maioria combalidos. Pezão, do PMDB, e o governador do Piauí, Wellington Dias, do PT, defenderam a liberação dos jogos para “financiar a segurança pública”. No mês passado, deputados do PT, do PMDB e do DEM tentaram aprovar a reabertura dos cassinos sob outra justificativa, a da necessidade de financiamento das campanhas eleitorais no próximo ano.
O lobby dos jogos de azar é dos mais antigos e ativos. Agora, ganhou apoio explícito de alguns governadores e dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Eunício Oliveira, que se manifestaram favoráveis à mudança. Melhor fariam se concentrassem energias em soluções efetivas e duradouras, como a reforma das estruturas do Estado brasileiro.
A ideia de canalizar parte da tributação sobre cassinos para a segurança pública em meio à epidemia de violência pode parecer sedutora, mas é, no mínimo, um grande contrassenso. Porque é irracional querer combater a criminalidade com iniciativas que apresentam grande potencial para multiplicar crimes. Veja-se o exemplo do Rio, onde jogos de azar funcionam clandestinamente há anos. Em 1993, a prisão de 14 chefões do bicho, por crime de formação de quadrilha, trouxe à tona o modus operandi do “tribunal” da contravenção, em que a cúpula se reunia para combinar a morte de adversários, numa disputa por território.
A guerra travada pelas máfias de caça-níqueis — algumas associadas a quadrilhas internacionais — é outra faceta do mesmo problema. Estão aí os atentados e homicídios para comprovar. Isso sem falar nas lavanderias do crime. É sabido que a atividade tem se prestado a “limpar” dinheiro sujo. Órgãos de controle e fiscalização dificilmente teriam estrutura para mais essa tarefa num momento em que os índices de criminalidade explodem em praticamente todos os estados.
É ingenuidade acreditar que a legalização de jogos de azar aumentaria a arrecadação de estados e municípios falidos, mas é verdade que não existem ingênuos nos governos e no Congresso. Em reportagem do GLOBO, o procurador da República Peterson de Paula alertou para o fato de que a tributação apenas migraria entre segmentos da economia. Seria trocar seis por meia dúzia, com agravantes sociais.
O Brasil já viveu a experiência dos cassinos, e a rejeitou — eles foram proibidos pelo presidente Eurico Gaspar Dutra, em 1946. Eram tempos mais amenos. O país mudou, a violência disparou. Poucos ganhariam com a liberação. A sociedade brasileira com certeza perderia essa aposta.
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