- Valor Econômico
PT e Lula exploraram o ponto cego do mandado
Na quarta-feira, Lula sofreu sua maior derrota. A rejeição do habeas corpus definiu que o ex-presidente seria preso. Não se definiu, contudo, quando e como se daria sua detenção. Obviamente, para Moro e Lula, o ato final do drama deveria tomar sentidos opostos. Para o juiz, a prisão do ex-presidente deveria representar o ponto alto da operação Lava Jato, seu coroamento, a demonstração cabal do fim da impunidade. Para Lula, tratava-se de transformá-la em ato de perseguição política e, para tanto, precisava ganhar tempo para organizar manifestações de apoio popular. Moro queria prender um criminoso comum, Lula queria ser tirado de cena como um mártir político.
Na quinta-feira, os jornais arriscaram prazos: Lula seria preso em dez dias ou perto disso. O TRF-4 e Moro surpreenderam. O mandado de prisão foi expedido na tarde daquele mesmo dia e com 24 horas para aplicação. Moro foi rápido e atordoou a todos. A própria Polícia Federal deixou escapar que não estava preparada para cumprir o mandado em tempo tão exíguo.
Moro justificou sua agilidade à imprensa internacional. Declarou que agia com isenção e imparcialidade, tratara Lula como teria tratado qualquer outro cidadão. Não é, no entanto, o que se lê no mandado que expediu: "Relativamente ao condenado e ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, concedo-lhe, em atenção à dignidade do cargo que ocupou, a oportunidade de apresentar-se voluntariamente à Polícia Federal." Moro, portanto, não dispensou a Lula o tratamento que dispensaria a criminoso comum. Usou do poder discricionário que a lei lhe confere para determinar quando e como a prisão ocorreria.
Na realidade, o que Moro procurou dourar como deferência ao ex-presidente (apresentar-se voluntariamente), era a solução operacional para seu próprio problema. Não se prende um ex-presidente como se prende um cidadão comum, sobretudo se esse conta com apoio popular e está engajado em campanha eleitoral. O mandado continha uma proposta que atenderia aos interesses do juiz: uma prisão sem confusão ou exploração politica. Mas se Lula se entregasse voluntariamente nas condições estipuladas, seria o mesmo que uma 'rendição', seria reconhecer a legitimidade dos atos do juiz, algo que negara até então.
Ou seja, basta pensar dois segundos para concluir que os termos propostos por Moro eram inaceitáveis para o PT. O esperado era Lula ensaiar resistência. Agir de outra forma seria entregar os pontos, contradizer o discurso que o PT veiculara durante todo o processo. Quem alega ser perseguido politicamente não se entrega sem resistir. Além do que, o mandado oferecia um 'oportunidade', que não precisava ser aceita, pelo menos não integralmente. Ninguém, nem mesmo Moro, tem a capacidade de ordenar atos voluntários. Lula, portanto podia rejeitar a "oportunidade" e, aí sim, seria necessário ir prendê-lo e, de fato, proceder com o ex-presidente como se procede com um cidadão comum.
No entanto, Moro indicou que percebera que sua proposta não seria aceita pelo sentenciado, que esse não se encaminharia de bom grado para a carceragem. Seu mandado continha ambiguidades e, implicitamente, reconhecia que não seria executado sem negociações, que se criaria um impasse. Como Lula não é um cidadão qualquer, sua chegada em Curitiba teria que ser acompanhada de medidas logísticas mínimas para assegurar a ordem pública. Por isso, o juiz nomeou representante para negociar os termos concretos da apresentação. Mais do que isso, traçou limites para a ação, vedando "o uso de algemas em qualquer hipótese." Ou seja, para Moro, a "apresentação voluntária" era a melhor solução para o problema prático que enfrentava. Moro sabia que qualquer outra alternativa traria consigo os riscos do recurso à coerção com consequências politicas incontroláveis e imprevisíveis. O PT explorou as ambiguidades e limites do mandado para transformar a prisão de seu líder em um ato de resistência politica.
Dadas as confusões que reinaram na cobertura ao vivo do episódio, é preciso esclarecer que resistir não é o mesmo que afrontar ou desrespeitar a ordem legal. O PT e Lula exploraram o ponto cego do mandado, com os olhos voltados para os efeitos eleitorais da sua resistência.
E o fizeram aproveitando a negociação improvisada que a rapidez e as ambiguidades do mandado de Moro propiciaram. Em sua reação, o PT transformou o ato de Moro em mais uma manifestação de arbítrio e perseguição pessoal ao líder popular. Não por acaso, Lula se entrincheirou no sindicato dos metalúrgicos, retornando às suas origens e buscando reconstituir o cenário da sua prisão em 1980.
Lula explorou ao máximo o espaço que lhe fora deixado. Sabia que cedo ou tarde teria que se entregar, que a resistência além de certo limite prejudicaria as chances de reversão da decisão do Supremo. Postergou o quanto pode, o suficiente para dar aos seguidores e potenciais aliados as provas de resistência para preservar sua imagem e afirmar sua liderança. Deu o troco, no ato final, ao afirmar que iria para a prisão sem resistir para poder provar sua inocência, que continuaria na luta.
O saldo final da operação é ainda incerto. Prender Lula não acaba com a impunidade e, muito menos, assegura que a prisão após condenação em segunda instância seja mantida pelo Supremo. Não será surpresa se der munição às forças contrárias, como as congregadas em torno de Gilmar Mendes para traçar a linha pretendida por Romero Jucá. Do ponto de vista eleitoral, como pesquisa de posse do PSDB indica, a condenação traz consequências contraditórias. Nesta pesquisa, a maioria dos eleitores vê a corrupção como um problema geral e pergunta: por que apenas Lula?
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.
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