- O Estado de S.Paulo
A escolha do futuro chanceler Ernesto Araújo trouxe à tona no Brasil a discussão sobre o significado do antiglobalismo, por ele defendido
A escolha do futuro chanceler Ernesto Araújo trouxe à tona no Brasil a discussão sobre o significado do antiglobalismo, por ele defendido. Sob a influência dessa doutrina, o presidente Donald Trump rompeu ou reviu acordos multilaterais firmados pelos EUA e os britânicos decidiram sair da União Europeia (UE).
Os antiglobalistas creem que os valores ocidentais e cristãos, assim como as culturas e identidades nacionais, estão ameaçados pelo livre trânsito de pessoas, produtos, serviços, capitais, ideias e costumes, chamado de globalização.
Os antiglobalistas evitam se colocar diretamente contra a globalização, associada ao livre-comércio e ao capitalismo, para não causar rejeição em parte dos conservadores que pretendem atrair.
Daí a ênfase do antiglobalismo na cultura, na identidade, na religião e na moral. Em vez de falar em comércio, eles preferem o tema da imigração; em vez de integração, soberania. Tanto no plano conceitual quanto no prático, porém, é muito frágil essa dissociação entre “globalismo” e “globalização”.
O livre trânsito de pessoas é um desdobramento lógico do livre-comércio. A mão de obra é um componente da produção, tanto quanto matérias-primas, insumos, peças, máquinas e capital. Foi por isso que a União Europeia criou a Área Schengen, que eliminou os controles de fronteiras para pessoas e mercadorias entre 22 países do bloco e outros 6, que estão a ele associados.
O principal argumento em favor do Brexit no plebiscito de 2016 foi o suposto descontrole da entrada de imigrantes vindos do continente europeu para as ilhas britânicas. Além disso, havia a queixa de que os “eurocratas”, não eleitos pelos britânicos, tomavam decisões que interferiam no seu dia a dia. E que os contribuintes britânicos pagavam mais do que lhes era entregue pela UE.
Com o tempo, ficou claro para a maioria dos britânicos que a decisão foi um erro. Hoje, as pesquisas indicam que um novo plebiscito daria vitória ao “não”. A saída do Reino Unido do Mercado Comum Europeu seria tão devastadora para sua economia que a primeira-ministra Theresa May teve de fazer uma série de concessões para manter o país nele.
Conclusão: os britânicos continuarão obedecendo às decisões tomadas em Bruxelas e em Estrasburgo, sede do Parlamento Europeu, sem poder votar. Em vez de ganhar, vão perder soberania.
O antiglobalismo de Trump também começa a cobrar um preço econômico e político. A derrota nas eleições para a Câmara dos Deputados se deveu, em parte, ao descontentamento em Estados agrícolas, pela queda nas exportações para a China.
Uma das razões da desvalorização das ações americanas tem sido a perspectiva de perda de competitividade, com a ruptura das cadeias de valor (o fornecimento de componentes da China e de outros países) e menor acesso a mercados, causados pelas retaliações às elevações de tarifas promovidas pelo presidente.
É verdade que a guerra comercial com a China tem um ingrediente geopolítico: a resistência dos EUA em ceder espaço para a potência emergente. Mas Trump tem adotado medidas protecionistas também contra aliados, como Canadá, México, União Europeia, Japão e Coreia do Sul. Até o Brasil já entrou no seu radar.
Os EUA e o Reino Unido têm economias avançadas, que aliás se beneficiaram enormemente com a globalização. Os impactos causados por Trump e pelo Brexit, embora negativos, podem ser assimilados por elas. A posição do Brasil é mais frágil. O seu isolamento comercial do restante do mundo já causou imenso atraso no seu desenvolvimento.
Por mais que o ministro Paulo Guedes tenha colocado o comércio exterior sob seu guarda-chuva, a política externa pode atrapalhar a economia, como mostra o cancelamento da missão comercial brasileira pelo Egito, em reação ao anúncio da transferência da embaixada para Jerusalém.
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