- O Globo
O Brasil vive um momento em que os donos do poder veem as universidades como locais de “balbúrdia” e buscam conhecimento nos livros de Olavo de Carvalho
A Fundação Oswaldo Cruz investiu R$ 7 milhões para produzir uma pesquisa completa sobre o uso de drogas no Brasil. O levantamento mobilizou 500 pesquisadores e ouviu 16 mil pessoas, mas ainda não foi divulgado. Está na gaveta por decisão do governo.
Em entrevista ao GLOBO, o ministro Osmar Terra admitiu o que a comunidade científica já sabia. A pesquisa foi censurada porque não confirma a tese de que existiria uma epidemia de drogas no país.
“Eu não confio nas pesquisas da Fiocruz”, sentenciou Terra, alegando que o estudo não teria “validade científica”. Ao ser lembrado de que a instituição tem prestígio internacional, ele respondeu: “É prestigiada para fazer vacina. Agora, para droga, ela tem um viés ideológico”.
O ministro disse ser “óbvio” que o país vive uma epidemia de drogas, mesmo que o levantamento mostre o contrário. “Andei nas ruas de Copacabana, e estavam vazias. Se isso não é uma epidemia de violência que tem a ver com as drogas, eu não entendo mais nada”, declarou.
O estudo censurado não se limitou a um bairro famoso. Os pesquisadores percorreram todo o país para atestar que apenas 9,9% dos brasileiros experimentaram alguma droga ilícita na vida. Embora a maconha seja a substância mais consumida, só 1,5% havia usado a erva nos últimos 30 dias. Esses dados foram revelados pelo site The Intercept, mas o levantamento continua na gaveta.
A Fiocruz não é a primeira instituição federal a sofrer ataques do governo. O presidente Jair Bolsonaro desmereceu o IBGE quando o instituto informou que o desemprego subiu. Na semana passada, o ministro Augusto Heleno pôs em dúvida a credibilidade do Inpe, que alertou para uma escalada no desmatamento da Amazônia.
O Brasil vive um momento em que os donos do poder veem as universidades como locais de “balbúrdia” e buscam conhecimento nos livros de Olavo de Carvalho. A novidade é que o terraplanismo deixou de ser privilégio dos discípulos do ex-astrólogo.
Em entrevista ao “Valor Econômico”, o ministro Heleno repetiu a cantilena de que as salas de aula estariam tomadas pela “doutrinação ideológica”. Questionado sobre as fontes de sua afirmação, citou vídeos do YouTube e correntes do WhatsApp.
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