- O Globo
Rodrigo Maia, Samuel Moreira e Marcelo Ramos têm conduzido a reforma. Bolsonaro e PT perderam na defesa dos privilégios à polícia
A reforma da Previdência fez a etapa final da travessia das comissões da Câmara revelando a cara do Brasil. Foi emblemática a quinta-feira. O presidente Jair Bolsonaro, no segundo dia de luta corporativista aberta, disse que errou ao incluir os policiais na reforma, pediu socorro à bancada ruralista para corrigir a falha e assim abriu espaço para concessões ao ruralismo, que sabe cobrar contas. Foi ouvido pela esquerda, que em peso votou no destaque que criava ainda mais privilégios para os policiais. O destaque acabou derrotado e ficou valendo o texto do relator Samuel Moreira (PSDB-SP). Mas a corporação mostrou força e promete voltar.
Ela reúne as polícias federal, rodoviária, legislativa e agentes da Abin. Nenhum desses grupos tem a mesma mortalidade dos policiais militares, mas tanto a PM quanto a Polícia Civil são dos estados e não entraram pela decisão de excluir os outros entes federativos. Pelo texto da reforma, eles se aposentam com 55 anos e o último salário. Eles querem parar ainda mais cedo, comprovar menos tempo na função e ter uma regra de transição muito mais suave do que a dos outros brasileiros. Esse específico destaque, o 40, era um dos vários a favor dos policiais, mas acabou derrotado. Ficaram a favor o PT, PSOL e PCdoB e o PDT que, ao votar, citou Bolsonaro. O PSL os aplaudiu, mas teve que cumprir o acordo com o centrão e o PSDB, que não queriam votar algo que gerasse uma reação em cadeia em favor de outras categorias. Ao fim, ouviu os gritos da oposição: “PSL traiu a polícia do Brasil.”
Quando o país discute a reforma da Previdência é que fica mais claro que a desigualdade nunca foi uma questão que divide esquerda e direita. Os dois adversários usam retóricas diferentes, mas às vezes se encontram na defesa do mesmo corporativismo. A proposta original já é mais favorável aos policiais do que aos outros servidores, que são beneficiados por um sistema que é, como repetiu à exaustão o ministro Paulo Guedes, uma máquina de desigualdades. E continuará sendo, mesmo se a reforma for aprovada. De Paulo Guedes, ontem entrevistado em um evento de banco em São Paulo, nenhuma palavra se ouve há dias sobre a promessa de enfrentar as corporações.
Apesar dos muitos flagrantes da vida real brasileira, a aprovação da reforma na Comissão Especial foi um avanço. O destaque que tirava os professores da reforma também foi derrubado. Como está neste momento, o texto permite uma economia importante, mas aquele R$ 1 trilhão deve ser esquecido. Ele é um número que virou icônico. Na versão do governo, o valor incluía propostas que atingiam os mais pobres, como a mudança no Benefício de Prestação Continuada (BPC). Nas três versões do relator, o número só era alcançado com aumento de impostos. Alguns foram caindo. Só o CSLL e a reoneração da exportação juntos representam R$ 130 bi, nesse R$ 1 trilhão que o deputado Moreira disse ao ler seu relatório. Aumento de receita simplesmente não pode entrar na conta, e mudança em impostos é reforma tributária. Apesar de tudo, a reforma permite sim uma economia importante nos próximos anos.
Na caminhada até aqui, um momento de estresse foi o provocado pela inclusão de regras de transição que beneficiaram quem está perto de se aposentar e que entrou, no serviço público antes de 2003. É justamente quem tem mais privilégio no sistema. Quando foram incluídas essas alterações no relatório, o ministro Paulo Guedes disparou contra a Câmara dizendo que ela havia cedido a lobbies e que não tinha compromisso com as futuras gerações.
A maior das derrotas até agora foi a exclusão dos estados e municípios. A reforma teria que incluí-los porque não existe um problema apenas federal na Previdência, como todos sabem. Ainda haverá muita tentativa de desidratação da reforma nos dois turnos de votação na Câmara, a tramitação no Senado com comissões e dois turnos em plenário. Se algo mudar no Senado, o projeto volta para a Câmara.
A reforma tem avançado pelo esforço do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do relator, Samuel Moreira, do presidente da Comissão, Marcelo Ramos, e de líderes dos partidos do centrão. Se tudo for aprovado, a Previdência continuará deficitária, mas será menos desequilibrada do ponto de vista fiscal e atuarial. Desigual, contudo, ela continuará sendo. A cada esforço para combater privilégios, grupos de lados opostos da política sairão em defesa dos que são “mais iguais” que os outros, na expressão de George Orwell. Isso é a cara do Brasil.
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