- Valor Econômico
A média da inflação ao consumidor acumulada em três anos está no menor nível desde meados dos anos 1930. No período de 2017, 2018 e 2019 - considerando a projeção do consenso de mercado para este ano -, a média do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deverá ficar em 3,5%, a mais baixa desde os 2,4% de 1932 a 1934, segundo levantamento de Armando Castelar, coordenador de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
A combinação de forte contenção de gastos e crédito públicos, expectativas inflacionárias sob controle e grande ociosidade na economia ajuda a entender o comportamento benigno dos índices de preços ao consumidor, na visão de Castelar. Além disso, a forte inércia contribui para manter os indicadores em níveis modestos, ao propagar a inflação baixa do passado para o futuro. Para alguns analistas, um IPCA repetidamente inferior à meta perseguida pelo Banco Central (BC), num cenário de recuperação muito lenta da economia, indica que os juros estão consideravelmente mais altos do que deveriam.
Castelar diz que uma inflação baixa como a do último triênio é um sinal de uma "realidade nova" da economia brasileira. "A maior parte das pessoas não se deu conta da grande transformação que o país vive, e a inflação é um bom indicador disso", afirma ele, lembrando que os 3,5% da média de 2017 a 2019 são a meta de inflação para 2022, definida na semana passada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Castelar considera acertada a decisão do CMN, avaliando que uma média da inflação em três anos de 3,5% "tem uma força de ancoragem [das expectativas] muito grande". Para 2019, o consenso de mercado aponta um IPCA de 3,8%, abaixo da meta de 4,25%. Para voltar a uma inflação tão baixa quanto a do último triênio, é preciso voltar aos tempos da Grande Depressão, nota ele.
Na visão do economista, a grande transformação dos últimos anos é a mudança na política fiscal e na política do crédito público. As despesas não financeiras do governo federal cresceram de 1998 a 2015 a um ritmo anual de 6% acima da inflação; de 2016 para cá, a expansão em termos reais (descontada a inflação) tem sido próxima de zero. Além disso, os bancos públicos jogam na retranca.
Nesse novo quadro, a inflação e os juros tendem a ser estruturalmente mais baixos. Mantido esse quadro de gastos e crédito públicos contidos, os juros e o custo de financiamento para empresas e famílias serão menores, algo essencial num cenário em que caberá ao setor privado tomar a liderança do crescimento, avalia Castelar.
O economista também destaca o papel das expectativas inflacionárias sob controle como um fator muito importante para os índices de preços ficarem em níveis baixos. Com um BC com credibilidade, as projeções para a inflação ficam ancoradas nas metas perseguidas pela autoridade monetária, tornando mais fácil atingir o alvo.
Há ainda o papel da ociosidade existente na economia, evidente no alto desemprego e na baixa utilização de capacidade instalada na indústria. Para Castelar, isso "obviamente" ajudou a inflação a chegar ao atual nível, com papel decisivo para derrubar a inflação de serviços, por exemplo. "Mas não acho que, reduzindo ou eventualmente eliminando a ociosidade, a inflação voltará para um nível mais alto. Todo o efeito sobre as expectativas permanece - e há a inércia também", diz ele, referindo-se ao fenômeno pelo qual a inflação passada alimenta a inflação futura. Um índice de preços modesto num ano contribui para um indicador modesto no ano seguinte.
Ex-presidente do BC, Gustavo Loyola diz que não há "como minimizar" o fato de a ociosidade na economia ser muito grande para explicar o nível da inflação. "A economia está rodando muito abaixo do potencial [o ritmo que não cria pressões inflacionárias], com alta taxa de desemprego", afirma ele. "Isso é uma questão conjuntural", avalia Loyola, sócio da Tendências Consultoria, também ressaltando fatores estruturais importantes para explicar o comportamento dos índices de preços nos últimos anos. Ele cita a recuperação da credibilidade do BC e das metas de inflação na gestão de Ilan Goldfajn, o que produz um efeito de "ancorar as expectativas", independentemente de questões conjunturais.
Outro ponto importante é que o Brasil está menos exposto a choques externos, segundo Loyola. O país tem contas externas sólidas e reservas elevadas, o que ajuda a blindar o país de solavancos no exterior. Além disso, a mudança na política fiscal, com contenção de gastos públicos, tem influência importante, contribuindo para a demanda mais fraca, afirma ele.
Mestre em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Gilberto Borça Jr. ressalta também o que chama de mudança de regime de política macroeconômica, ocorrida a partir de 2016. Com o teto de gastos, o mecanismo que limita o crescimento dos gastos não financeiros da União, a despesa do governo federal passou a ficar estável em termos reais, depois ter crescido 6% ao ano acima da inflação por quase duas décadas. Além disso, houve um forte encolhimento do crédito dos bancos públicos, diz Borça.
Para ele, há um claro déficit de demanda numa economia com enorme ociosidade, visível em vários indicadores, como o elevado desemprego, uma inflação abaixo da meta há muito tempo e o pequeno déficit em conta corrente (o resultado das transações de bens, serviços e rendas com o exterior).
Com o novo regime e os sinais de insuficiência de demanda, a política monetária não é "suficientemente expansionista", diz Borça, avaliando que os juros não estão tão baixos quanto deveriam para estimular a atividade. Para ele, há espaço para a Selic cair dos atuais 6,5% ao ano para 5% ainda em 2019.
Já Loyola considera que a taxa pode cair para 5,75% ou 5,5% neste ano. "Recuar para 5% me parece difícil, notadamente em 2019."
Castelar é um pouco mais cauteloso. Ele vê como possível uma redução dos juros em 2019, movimento também favorecido pelas perspectivas de uma política monetária mais frouxa nos países desenvolvidos, mas avalia que o espaço para a queda não é dos maiores - a Selic poderia cair para 6% neste ano e eventualmente para 5,5% no ano que vem. Para Castelar, contudo, a discussão sobre a transformação da economia brasileira "transcende a trajetória de curto prazo da Selic". Se a orientação da política fiscal continuar e houver uma reforma da Previdência robusta e outras medidas que garantam o equilíbrio das contas públicas no longo prazo, o país terá inflação e juros estruturalmente menores.
Castelar optou por uma média de três anos da inflação ao consumidor para suavizar a volatilidade de curto prazo dos indicadores. Em 1998, por exemplo, o IPCA ficou em 1,65%, mas subiu para 8,94% no ano seguinte. "Naquele momento, a inflação mais baixa não se consolidou", diz ele. Agora, o cenário parece diferente. Em 2017, o IPCA ficou em 2,95%, subindo em 2018 para 3,75%, número que teria sido menor sem a greve dos caminhoneiros, ocorrida em maio do ano passado. Para este ano, o consenso está em 3,8%.
De 1912 a 1945, Castelar usou dados sobre o custo de vida no Rio de Janeiro, com base em informações reunidas pelo Ipeadata. A média de 1944, 1945 e 1946 foi calculada com base no IPC da Fundação Instituto de Pesquisas e Econômicas (Fipe), de São Paulo. De 1947 a 1981, os números da inflação trienal são do IPC da FGV, com informações sobre os preços no Rio de Janeiro e em São Paulo. A partir de 1982, a média da inflação acumulada em três anos é a do IPCA, do IBGE, que baliza o regime de metas. Os índices não são perfeitamente comparáveis, mas dão uma ideia do comportamento da inflação ao consumidor desde a segunda década do século passado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário