- Folha de S. Paulo
Construção de bases de apoio caso a caso custa caro
Em outubro de 2018, 57,7 milhões de brasileiros elegeram um presidente que concorria por um partido de aluguel, até então com apenas uma cadeira na Câmara.
Foram eleitos também cerca de 30 deputados que, apoiados por movimentos de renovação política de distintas orientações, haviam sido lançados por um leque de partidos de direita, centro ou esquerda. Muitos daqueles, a exemplo do candidato vitorioso ao Planalto, tinham tênue identificação com as legendas que os abrigaram; antes, viam-se como inovadores da forma de fazer política.
Seu êxito testemunha o que certos estudiosos chamam de crise de representação: ela consiste, de um lado, no escasso vínculo dos eleitores com as siglas existentes; de outro, na incapacidade do sistema partidário de traduzir e agregar as preferências dos votantes em torno de propostas discerníveis de políticas alternativas.
Assim como Bolsonaro se elegeu sem máquina partidária nem tempo de propaganda no rádio e na TV, os candidatos autodenominados renovadores se beneficiaram mais de suas redes de apoio do que das estruturas partidárias.
Ocorre que agremiações políticas não desempenham só funções de representação de aspirações, ideias e interesses de parcelas do eleitorado, além de controlar a oferta de candidatos. Elas organizam também o processo de tomada de decisões no Legislativo, bem como o apoio ou a oposição ao governo. Nesse âmbito, seu poder é incontrastável.
Toda a atividade nas duas Casas do Congresso se estrutura de acordo com o peso de cada partido; os regimentos internos consagram seu primado na composição das mesas diretoras e no colégio de líderes, nas comissões técnicas, nas funções de liderança do governo e da oposição. Esse é também o critério para a distribuição dos recursos do Fundo Partidário, do Fundo Eleitoral e ainda do tempo de propaganda na mídia eletrônica.
O poder das chamadas "bancadas temáticas" (da Bíblia e da bala, por exemplo) é episódico, se tanto. A disciplina partidária nas votações tende a ser a regra. É sabido também que presidentes sem o arrimo de uma coalizão estável de legendas têm menos chances de ver aprovadas suas propostas. A construção de bases de apoio caso a caso custa caro e não a substitui.
Os partidos brasileiros podem ter perdido a capacidade de orientar as escolhas dos eleitores --até quando, não se sabe--, mas continuam indispensáveis para o exercício do poder. O descasamento entre esses dois papéis explica pelo menos em parte a briga de foice entre Bolsonaro e o PSL. Já o seu baixíssimo nível vai por conta dos personagens envolvidos.
*Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
Nenhum comentário:
Postar um comentário