- O Globo
Daqui em diante cabe ao governo fazer o que dele se espera, governar
Agora vai. Aprovada a reforma da Previdência, o governo não tem mais desculpa para não decolar e voar em céu de brigadeiro. Convencidos pelas palavras do ministro da Economia, vamos ver o país criar entre um e dois milhões de vagas de trabalho nos próximos 12 meses, e a economia crescer pelo menos 3% no mesmo período. Foi o que ouvimos de Paulo Guedes quando ele apresentou a reforma no início do ano. Como a economia prevista no pacote original foi desidratada em 40%, é justo esperar resultados proporcionais, ou seja entre 600 mil e 1.2 milhão de empregos novos e crescimento no mínimo de 1,8% em um ano.
Mas, que pena, não é bem assim. O próprio Guedes se corrigiu quando ficaram evidentes os sinais de que a reforma seria mesmo aprovada. Disse que, aliada a ela, seria fundamental desonerar a folha de pagamento das empresas aprovando um outro imposto em seu lugar, uma CPMF, por exemplo. Claro, todo mundo sabe que as empresas demitem, não contratam ou contratam menos, porque o custo da mão de obra no Brasil deve ser sempre calculado em dobro. Se uma função é remunerada com R$ 1 mil, o empresário pode separar R$ 2 mil, porque a outra metade cobrirá os impostos do trabalho.
Segundo o ministro, há outras questões que devem ajudar a alavancar a economia, parada por insuficiência respiratória. Zerar o déficit das contas públicas é a mais urgente. Depois, nas palavras de Guedes, privatizar, privatizar e privatizar. Fazer as reformas tributária e administrativa também é urgente. Reduzir as despesas obrigatórias, carimbadas constitucionalmente, e, quem sabe mais adiante, voltar com a proposta de capitalização da Previdência, sonho do ministro inspirado no exemplo chileno. Opa, Chile? Chile, não. Melhor buscar outro exemplo.
O fato é que a mais importante de todas as reformas, a reforma mãe, como dizia Guedes no começo do ano, foi aprovada pelo Congresso. As outras serão resultantes dessa. Daqui em diante cabe ao governo fazer o que dele se espera, governar. Se governar para valer, sujando as mãos nas suas tarefas cotidianas e exclusivas, como de um agricultor se espera unhas sujas de terra e de um pedreiro calos nas mãos, o país pode avançar, empregos podem ser gerados, a economia pode crescer. Para isso, Bolsonaro deve assumir suas obrigações imediatamente.
O presidente precisa interromper a plantação de abobrinhas para tratar das questões que afligem o país. Deve aproveitar que o caixa vai engordar em R$ 800 bilhões em dez anos, e começar a trabalhar em políticas públicas e medidas que ajudem a jogar o país para frente. Se for descuidado, o resultado pode ser decepcionante. Apesar de ser desejo do governo desvincular despesas obrigatórias, dois gigantes consumidores de recursos, a educação e a saúde, que têm orçamento mínimo determinado constitucionalmente, precisam de mais dinheiro.
Nenhuma dúvida de que os brasileiros querem mais educação, e educação de qualidade, e mais saúde, com hospitais e postos de saúde equipados e sem filas nas portas e goteiras nos tetos. Precisam de segurança melhor. Desejam um SUS mais eficiente. Exigem estradas mais seguras. Para onde você olhar, vai encontrar problemas que devem ser objeto da ação governamental, seja de modo próprio, seja viabilizando a exploração privada. O governo ainda não começou, talvez seja esta a hora, já que agora vai dispor de meios.
Mas, para tocar uma boa pauta, Bolsonaro precisa antes se livrar de algumas amarras que o mantêm imobilizado, ou se mexendo apenas em direção da confusão. Primeiro, precisa calar a boca e segurar os dedos ágeis dos meninos. Se Flávio, Carlos e Eduardo fizerem menos barulho, melhor para Jair. Em segundo lugar, já passou da hora de dar tratamento político a questões políticas.
Depois, se for inteligente, o presidente aproveita e faz uma reforma ministerial, trocando os que só conseguem somar ideologicamente por gente que pense como ele mas seja competente. Por fim, deveria arejar suas relações externas. É governar ou governar, não tem mais desculpa.
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