- Folha de S. Paulo
Distribuição de royalties para estados e municípios, na medida em que isso pode promover a expansão de despesas permanentes, a partir da troca de fontes, tal como já ocorreu no passado
No meu último mandato de governador do Espírito Santo (2015 a 2018), um dos desafios foi a luta pelo ajuste fiscal. Sempre acreditei que estados e municípios devem ter capacidade de compatibilizar suas despesas a suas receitas. Mas o modelo de estrutura pública adotado historicamente no Brasil, e cristalizado na Constituição de 1988, gerou uma máquina governativa insustentável, cara e com baixa capacidade de entrega.
Observamos a União quebrar repetidamente a regra de ouro, que proíbe o uso de operações de crédito para cobrir despesas correntes. São 12 estados com gastos de pessoal acima dos limites da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).
O Rio de Janeiro está no regime recuperação fiscal, e outros três estados, Minas, Goiás e Rio Grande do Sul, tentam o ingresso no regime. Por isso, o lançamento das medidas do governo federal traz elementos importantes para a gestão fiscal do país, tanto no que diz respeito à União quanto para estados e municípios.
Podemos destacar a proposição de instrumentos para os gestores realizarem os ajustes necessários, inclusive com medidas que defendo há muitos anos. Dentre elas, a possibilidade de ações que controlem o crescimento de despesas obrigatórias com redução de jornada de trabalho e ajuste proporcional de vencimentos, isso se for constatada uma situação de crise fiscal, com despesas acima de 95% das receitas correntes.
Outro elemento importante é a maior flexibilidade trazida pela possibilidade de um mínimo conjunto pela saúde e educação, que hoje soma 37% para estados e 40% para municípios, permitindo que as alocações de recursos tenham melhor aderência às necessidades da população.
Hoje, no Brasil, a taxa de natalidade vem caindo, enquanto a expectativa de vida aumenta, alterando as prioridades de investimentos.
Merece destaque que não haverá mais socorro aos entes federados a partir de 2026, preservando uma transição. Essa atitude é importante para incentivar a boa gestão fiscal e não permitir que a conta da má gestão seja compartilhada com todos os brasileiros.
A proposta contempla orientação normativa do TCU (Tribunal de Contas da União) para os TCEs (Tribunais de Contas dos Estados) para ajudar a harmonizar conceitos contábeis e deve prevenir manobras criativas desenvolvidas para permitir excesso de gastos sem transparência.
Minas Gerais é um exemplo, com o TCE retirando despesas de inativos e pensionistas do cálculo, maquiando o indicador de pessoal, mas com as contas em situação caótica.
Mas preocupa a distribuição de recursos temporários (royalties) para estados e municípios, na medida em que isso pode promover a expansão de despesas permanentes, a partir da troca de fontes, tal como já ocorreu no passado.
Finalmente a criação do Conselho Fiscal da República tem como objetivo constituir uma visão ampla e sistêmica da situação das contas públicas do país, monitorando e ajudando os entes federativos.
Esses são alguns dos pontos, mas, como todo pacote de mudanças, os detalhes serão conhecidos com o tempo, ainda mais em um projeto como esse, com uma grande multiplicidade de medidas.
Aliás, a aglutinação de muitos tópicos na mesma medida gera risco de paralisação no debate nas duas Casas, Câmara e Senado. Reforço que algumas dessas ações poderiam ter sido propostas anteriormente, desde a aprovação em segundo turno da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados.
Alerto para o fato de que o método de estimular a animosidade entre as Casas do Congresso não é um caminho adequado, podendo causar prejuízo ao debate justamente em um momento tão propício a mudanças por parte da população.
Essa será hora em que as presidências das duas Casas precisarão exercitar como nunca o papel que já vêm fazendo de efetivo diálogo.
Por parte do Executivo, espera-se que consiga selecionar, entre tantos temas, as prioridades e, como em qualquer boa caminhada, dar um passo de cada vez.
*Paulo Hartung, economista, presidente-executivo da Ibá (Indústria Brasileira de Árvores) e ex-governador do Espírito Santo (2003-2010 e 2015-2018)
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