Isto
é Jair Bolsonaro. O que planta descrença, difunde desconfiança, atenta contra o
pacto social que fundamenta nossa rede de imunização
A
semana passada foi especialmente rica em manchetes oferecidas — forjadas — pelo
presidente da República. Acuado, Jair Bolsonaro disparou. É o que faz.
Ameaçado, reage com novos graus de irresponsabilidade. Provoca. Agride. Trai.
Mente. Conspira. Comete crimes. Promove conflitos. Dedica-se ao seu nós contra
eles total — obra por meio da qual será capaz de atiçar policiais contra o
inimigo jornalista. Obra por meio da qual transformou uma vacina — a chinesa, a
comunista — em inimiga da liberdade.
Isto
é Bolsonaro. Aquele que, sob pressão, espalha-se para lançar estímulos em
direções diversas; para difundir pautas-isca, apostando em que o volume de suas
descargas resulte num conjunto de reações difusas que embaralhe a hierarquia
das gravidades.
São muitas as gravidades. Uma maior que as outras, porém. Óbvio que o Bolsonaro particularmente cafajeste dos últimos dias é produto do caso Abin. Evidente que seu último pacote de barbáries pretendeu também dissolver em boçalidades as novas revelações sobre o que seria a privatização da Agência Brasileira de Inteligência pela sua família. Nada se soube de mais comprometedor — de mais perigoso para Bolsonaro — numa semana em que galgou novos parâmetros em sua pregação antivacina.
O
caso Abin: uma apuração jornalística, da revista “Época”, informou-nos que um
órgão de Estado — aparelho de inteligência impessoal a serviço da Presidência —
teria operado, com relatórios, para orientar a defesa do filho do presidente
numa investigação relativa ao tempo em que Flávio Bolsonaro era deputado
estadual. Escândalo a que se somou a notícia, pela revista Crusoé, de que
haveria — dentro da agência — uma espécie de Abin do B trabalhando, à margem da
estrutura convencional, pelos interesses de Bolsonaro e turma.
Então,
para embaçar: onda e espuma. Também para camuflar a imposição do mundo real —
seu governo, derrubando-lhe a palavra-veto, terá de comprar a vacina do Doria —
à sua mistificação de macho-mito: onda e espuma.
Impressiona
que ainda haja quem se surpreenda com Bolsonaro. Ingenuidade pela qual ele é
gratíssimo; e que explora com engenho e arte. Por exemplo: em visita à Ceagesp,
chocou os bocós liberais retardatários que, em dezembro de 2020, creem em que
este governo privatizará alguma coisa. Nem a Ceagesp! Oh! Fomos traídos...
Em
que planeta vivem? Como nenhum entre os limpinhos percebeu que o
populista-estatista manipularia os manés liberais-só-na-economia para promover
uma das facetas do grande estelionato eleitoral que aplica há quase dois anos?
É como acreditar que de uma jaqueira pudesse cair uva. Como se um sujeito que
engordou aboletado no sofá do Estado — um tipo que constituiu família, que
ergueu bem-sucedida empresa familiar, dentro do Estado — pudesse se mover para
diminuir a superfície que lhe enche e ampara a pança. Oh! Fomos enganados!
O
presidente anunciou também que não montará o novo partido. Que não fundará o
tal Aliança pelo Brasil; e que deverá se filiar a um já existente, decerto uma
dessas legendas de aluguel que lhe assegurariam a escada formal para poder
disputar a reeleição. Ah! Quem poderia imaginar que um notório depredador da
democracia representativa — uma força destruidora que prosperou explorando a
criminalização da política — não fosse investir na construção de um partido?
Oh!
Também
nos informou que Fabrício Queiroz pagava suas contas e que os R$ 89 mil que o
amigo, amigo também de milicianos, depositou na conta da primeira-dama Michelle
eram para ele — e que aquilo, aquela merreca, não poderia ser considerado
propina. Ocorre que ninguém disse que a transação consistiria em pagamento de
propina.
Como
faz com frequência, Bolsonaro respondeu, com indignação, a uma acusação jamais
feita. É mestre nisso; em criar uma falsa imputação, um falso problema, como o
da vacinação obrigatória, e lhe responder com energia. Concebe um mundo
paralelo — no qual estará sempre com a razão. Ninguém pode ser forçado a se
vacinar — e assim brigará contra tirano inexistente. Com o que desvia a
verdadeira questão: Queiroz foi denunciado como operador de um esquema de
peculato havido no gabinete de Flávio Bolsonaro, tendo sido o mesmo Queiroz a
fazer depósitos na conta da mulher do presidente. Essa é a fotografia no mundo
real; a pergunta sendo: de onde veio o dinheiro depositado na conta de Michelle
Bolsonaro?
Nenhum,
porém, entre os atos graves encenados para diluir-distorcer a gravíssima
investigação sobre a captura da Abin pela famiglia, teve maior gravidade do que
o presidente da República declarar que não se vacinará. Foi o investimento
desinformante mais violento em sua campanha — genocida – de dilapidação de nossa
cultura vacinal. Isto é Jair Bolsonaro. O que planta descrença. Difunde
desconfiança. Atenta contra o pacto social que fundamenta nossa rede de
imunização — atentado que não apenas chama de volta o sarampo, mas também mina
as bases de uma teia que costura mesmo, na prática, a própria ideia de
República entre nós.
Essa malha de confiança — que alinhava a nação (como o sistema eleitoral) — é empecilho para o autocrata tanto quanto lhe será impulso ter uma Abin, uma Polícia Federal, particular.
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