Nos
Estados Unidos, um “Júnior justice” da Suprema Corte - ministro novato - tem,
por tradição, a tarefa de fechar a porta da sala de reuniões depois que o
último ministro chega. Uma demonstração de humildade diante dos mais antigos.
Há até mesmo filmes que mostram essa cena, com o presidente da Corte advertindo
um novato: “Você esqueceu de fechar a porta. É a tradição”.
Aqui,
nosso ministro junior Nunes Marques mal chegou ao Supremo Tribunal Federal
(STF) e, como diria o sábio popular senador Romário, “já está querendo sentar
na janelinha”. Em sua primeira atuação, ele deu aquele voto pseudamente
salomônico que aprovou a reeleição de seu amigo senador David Alcolumbre, e
proibiu o deputado Rodrigo Maia, inimigo do Planalto, de fazer o mesmo.
Sua
decisão monocrática de reduzir o prazo de inelegibilidade dos atingidos pela
Lei de Ficha Limpa, fazendo com que ele seja descontado da pena cumprida, está
causando séria perturbação dos tribunais eleitorais pelo país, e alimentando a
percepção de que o novo ministro, nomeado ao acaso pelo presidente Bolsonaro,
cumpre mais uma etapa do plano governamental de desmontar o aparato jurídico de
combate à corrupção nos meios políticos, depois da aliança com o Centrão.
A
atitude do ministro Nunes Marques foi tomada um dia antes do recesso do
Judiciário, e em pleno período eleitoral. Isso quer dizer que centenas de
candidatos que concorreram subjudice agora exigirão da Justiça Eleitoral suas
posses, o que pode até mesmo alterar a composição das Câmaras de Vereadores. Ou
até mesmo eleger algum prefeito.
O mais espantoso é que a Lei da Ficha Limpa foi colocada sob o escrutínio do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012, e considerada constitucional pela maioria. O ponto específico agora alterado liminarmente pelo novo ministro foi analisado e considerado compatível com a Constituição e com a vontade do legislador, o Congresso Nacional.
O
atual presidente do Supremo, Luis Fux, que era o relator do processo, tinha na
ocasião a mesma opinião de Nunes Marques agora. Achava que a inelegibilidade,
passando a contar somente a partir do fim da pena, era exagerada. O ministro
Cezar Peluso, já aposentado, teve a mesma opinião, mas o ministro Marco Aurélio
Mello rebateu o argumento lembrando que a utilização de recursos sobre recursos
fazia com que a inelegibilidade não tivesse efeito prático, rejeitando a
proposta de subtração do tempo decorrido entre a condenação e o julgamento dos
recursos.
Sendo
assim, a decisão monocrática do juiz novato foi contra um ponto da Lei da Ficha
Limpa que já foi debatido pelo plenário, o que agrava a percepção de que, no
Supremo, cada ministro é uma ilha que não se comunica com os outros, nem com as
decisões já tomadas, sem que haja razão para um novo julgamento, mas apenas uma
opinião pessoal
O
caso, de todo modo, será avaliado pelo plenário depois do recesso, mas há uma
movimentação no Supremo para que Nunes Marques altere sua decisão, para evitar
o caos na justiça eleitoral. Ele pode definir que a medida só vale para a
próxima eleição, para evitar que os tribunais eleitorais fiquem abarrotados de
recurso durante o período de diplomação dos novos prefeitos e vereadores, ou,
no limite, o presidente do Supremo, ministro Luis Fux, pode suspender essa
liminar, com base exatamente em que essa lei já foi considerada constitucional
pelo próprio STF.
Embora
essa medida radical seja defendida por setores do judiciário, Fux parece
inclinado a resolver o impasse pelo diálogo. A atuação do Supremo durante o
recesso, que começou dia 20 de dezembro e vai até o dia 6 de janeiro, também
está em discussão, pois quatro ministros já comunicaram que continuarão
trabalhando nesse período.
Os
ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes e Marco
Aurélio Mello, com isso, reduzem o poder do presidente Luis Fux, que fica de
plantão durante o recesso com poder de decisão. Aliados de Luis Fux garantem
que o Regimento do Supremo não autoriza essa atitude, e o presidente parece
decidido a exercer seu poder integralmente. Sendo assim, qualquer decisão a ser
tomada no recesso dependerá apenas do ministro Luis Fux, que poderá cassar
liminares que considere injustificáveis.
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