O
serviço público, como o nome sugere, deve funcionar de maneira exemplar e,
sobretudo, impessoal, seja qual for o governo
Nenhum Estado supera suas crises mais profundas sem que haja confiança dos cidadãos tanto no governo como na estrutura burocrática. A crença no serviço público é essencial para que a sociedade respeite as determinações das autoridades em situações críticas como a pandemia de covid-19.
Foi
o que se viu recentemente em países como Nova Zelândia, Coreia do Sul, Alemanha
e Taiwan, lembrados pela historiadora norte-americana Anne Applebaum, em
entrevista ao Estado, como exemplos de nações com alto grau de “fé na
burocracia pública, nos serviços e nos servidores públicos” e que, não por
coincidência, foram bem-sucedidas no controle da doença.
Os
contraexemplos são óbvios: Brasil e Estados Unidos estão entre os países com
mais mortes pelo coronavírus justamente porque, entre outras razões, suas
autoridades, em diversos níveis do serviço público, não inspiram confiança na
sociedade.
No
Brasil, não se trata apenas da confusão criada pelo negacionismo do presidente
Jair Bolsonaro, que desde o início faz pouco da doença, desrespeita as
orientações sanitárias universalmente aceitas como as mais eficientes no
combate ao coronavírus e desestimula a vacinação – embora só isso já seja
suficiente para minar todos os esforços para convencer a população a aceitar as
limitações da vida cotidiana sob uma pandemia.
Trata-se
da sensação mais ou menos generalizada de que o serviço público, no caso do
combate à pandemia, está dominado por interesses políticos – sejam os do
presidente Bolsonaro, sejam os de seus desafetos, como o governador de São
Paulo, João Doria.
Assim, por exemplo, se a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) demorar-se um pouco mais na análise da vacina contra a covid-19 apresentada pelo governo paulista, atrasando sua liberação e prejudicando o calendário de imunização anunciado com estardalhaço pelo governador Doria, não serão poucos a ver nisso um estratagema político do presidente Bolsonaro. Neste caso, pouco importam as razões científicas que a Anvisa possa ter, pois o ambiente já está contaminado de desconfiança a respeito da independência da agência.
Do
mesmo modo, não se pode condenar quem interprete o anúncio do calendário de
vacinação em São Paulo, feito sem que todos os testes necessários para
averiguar sua eficiência tenham sido completados, como um gambito do governador
Doria para prejudicar o presidente Bolsonaro – incapaz de apresentar um plano de
imunização decente. Aqui também pouco importa se o anúncio de Doria está
respaldado por pareceres técnicos e científicos, como é provável que esteja,
porque sempre haverá quem desconfie que o serviço público envolvido no plano de
imunização pode ter se dobrado aos imperativos políticos do governador.
Numa
atmosfera impregnada de suspeitas como essas, o trabalho de mobilização da
sociedade na direção do bem comum, difícil por definição, fica praticamente
impossível. Não se consegue obter consenso nem mesmo em relação ao que seria,
de fato, o bem comum. É algo que transcende a natural divergência política numa
democracia.
O
serviço público não pode ser confundido com o grupo político que ascendeu ao
poder. Como seu próprio nome sugere, deve funcionar de maneira exemplar e,
sobretudo, impessoal, seja qual for o governo de turno. Não pode sinalizar
inclinações a esta ou àquela agenda partidária, tampouco servir de instrumento
de manobras para prejudicar inimigos do governante.
Infelizmente,
são muito comuns as tentativas de aparelhamento do serviço público por partidos
e políticos, o que colabora decisivamente para manchar sua reputação, muito
mais do que sua ineficiência – de resto causada por essa sua relação promíscua
com o poder.
Não
à toa, portanto, o serviço público no Brasil é objeto de forte desconfiança do
público a quem deveria servir. Isso pode ser injusto com milhares de servidores
que procuram fazer o melhor que podem, em condições muitas vezes bastante
precárias, mas o fato é que essa percepção negativa colabora para deslegitimar
as orientações emanadas do Estado aos olhos dos cidadãos – e o preço a pagar
por isso é uma soma de desorganização, depauperação e mortes.
Incompetência letal – Opinião | O Estado de S. Paulo
É
incalculável o número de vidas perdidas sem necessidade nesta dança macabra do
governo
Na pior crise sanitária de nossa era, apesar de o País contar com um sistema de saúde pública e uma infraestrutura de imunização reputados mundialmente, a condução do governo será lembrada pela história como desastrosa em todos os sentidos: da comunicação, passando pela articulação com Estados e municípios, distribuição de equipamentos e medicamentos, administração de testes, até o plano de vacinação, não há um aspecto da gestão da crise que não tenha sido infectado pelo obscurantismo, descaso, incompetência ou má-fé do presidente e seu fantoche no Ministério da Saúde.
Meses
após as autoridades científicas terem desacreditado a hidroxicloroquina e a
azitromicina no tratamento da covid-19, o Ministério da Saúde planeja gastar até
R$ 250 milhões para oferecê-las no programa Farmácia Popular. Com esse valor
seria possível adquirir 13,8 milhões de doses da vacina Oxford/AstraZeneca, o
suficiente para imunizar quase 7 milhões de pessoas.
A
Sociedade Brasileira de Infectologia – em linha com a OMS e sociedades médicas
dos EUA e Europa, além da própria Anvisa – voltou a alertar contra o tratamento
farmacológico precoce para covid-19: “Os estudos clínicos randomizados com
grupo de controle existentes até o momento não mostraram benefícios e, além
disso, alguns destes medicamentos podem causar efeitos colaterais”.
Concomitantemente,
o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas desfilou um catálogo de
problemas na divulgação de dados sobre a pandemia. A página com informações de
distribuição de testes, por exemplo, apresentou defasagem de 13 semanas – não
surpreende que, no fim de novembro, o Estado tenha apurado que quase
7 milhões de testes estavam encalhados em um depósito, prestes a perder a
validade. Defasagem similar foi verificada na base de dados sobre medicamentos
e EPIs. Os boletins epidemiológicos, fundamentais para monitorar a curva de
contágio, apresentaram um vácuo informacional de quase um mês. O número de
leitos não fora atualizado desde outubro.
A
frequência das coletivas de imprensa, que na gestão do ex-ministro Luiz
Henrique Mandetta eram quase diárias, despencou para quase uma por semana,
tendo havido um hiato de 13 dias em novembro. O ministro Eduardo Pazuello, que
participou de apenas 13% delas, “se limita a fazer declarações e deixa a
coletiva sem responder perguntas”.
À
luz desse apagão informacional, o voo cego na vacinação era previsível. Mesmo
assim, a desorientação é assombrosa. Enquanto o mundo testemunhava as primeiras
vacinações no Reino Unido, Pazuello declarou que a Anvisa levaria ao menos 60
dias para certificar uma vacina e que a imunização deveria começar apenas em
março. Poucos dias depois, sugeriu que talvez começasse no final de dezembro,
se “a Pfizer conseguir autorização emergencial e nos adiantar alguma entrega”.
Uma semana antes, a aquisição da vacina da Pfizer era dada por Pazuello como
impraticável, em razão das condições de armazenamento, o que foi logo
desmentido pelas autoridades sanitárias.
Em
carta aberta, 11 ex-ministros da saúde (incluindo os dois defenestrados por
Jair Bolsonaro por se recusarem a ministrar tratamentos não comprovados)
lembraram que o País tem um dos “melhores e mais abrangentes programas de
imunizações do mundo”. Mas até agora não se sabe de quantas vacinas o governo
federal disporá nem quando. Há indícios de que faltam agulhas. E o Ministério
reluta em negociar opções viáveis, como a Coronavac produzida pelo Butantan,
por motivações indisfarçavelmente políticas.
É
incalculável o número de vidas desnecessariamente perdidas em meio às
reviravoltas e tropeços dessa dança macabra do governo. A história será
implacável, e espera-se que no momento oportuno o eleitorado também seja.
Enquanto isso, é urgente que órgãos de controle como o Ministério Público,
Controladoria-Geral da União, Tribunal de Contas da União ou a Comissão Mista do
Congresso para a covid-19 se mobilizem para impedir que mais vidas sejam
sacrificadas no altar da incompetência em que se transformou o Ministério da
Saúde.
Estado do crime – Opinião | O Estado de S. Paulo
‘Estado
paralelo’ é uma realidade em vastas porções do Rio e cada vez mais no Brasil
O fenômeno da máfia pode ser sintetizado em uma fórmula: “a polícia dos criminosos”. Transitando na interface entre sociedades desservidas pelo Estado e organizações criminosas, as máfias vendem proteção às primeiras e arbitragem às segundas. Nessa posição privilegiada, os mafiosos expandem seu poder cooptando negócios legítimos para encobertar atividades criminosas e lavar seu dinheiro, ao mesmo tempo que se valem do mercado negro para comercializar serviços às populações marginalizadas. O fenômeno das milícias tem todas essas características com uma agravante: não são apenas a “polícia dos criminosos”, mas os “criminosos da polícia”.
Um
levantamento da Universidade Federal Fluminense e da Universidade de São Paulo
sobre o território da cidade do Rio de Janeiro estima que 55,7% dele é
controlado pelas milícias; 15,4%, pelo narcotráfico; e 25,2% estão sob disputa.
Ou seja, apenas 1,9% não estaria sob o jugo do crime.
Há
mais de um ano a Rede Fluminense de Pesquisas sobre Violência, Segurança
Pública e Direitos Humanos tem promovido debates com pesquisadores, policiais,
promotores, jornalistas, ativistas e especialistas em dados sobre o controle
territorial de grupos armados. Os resultados apresentados em uma nota
técnica mostram que a dinâmica da milícia e do tráfico é um
fenômeno em acelerada mutação.
As
milícias podem ser definidas originariamente como “antagonistas do tráfico”.
Mas, uma vez consolidado o mercado de “proteção”, elas se expandem rapidamente
em dois sentidos: a diversificação das atividades econômicas e a infiltração em
instâncias regulatórias. Com o tempo, estabelece-se a mais perversa das
simbioses: por um lado os milicianos passam a cobiçar os negócios do
narcotráfico e, por outro, os traficantes assimilam as estratégias das
milícias.
“Há
registro de atuação das milícias em serviços de transporte coletivo, gás,
eletricidade, internet, agiotagem, cestas básicas, grilagem, loteamento de
terrenos, construção e revenda irregular de habitação, assassinatos
contratados, tráfico de drogas e armas, contrabando e roubo de cargas,
receptação de mercadorias e revenda de produtos de diversos tipos e
proveniências”, aponta a nota.
Além
disso, “o vínculo original das milícias com elites política e econômica locais
se desdobra rápida e perigosamente em um outro tipo de conexão, dessa feita com
instâncias do Estado”. Na polícia, “há cada vez mais indícios de indicações
para cargos de comando, nomeação para chefia de batalhões, definição de focos
prioritários de operações policiais e desenhos abrangentes de abordagem”.
Além
das forças policiais, as milícias estão se infiltrando nos Poderes Executivos e
nas Casas Legislativas. Segundo a Polícia Federal, há riscos para o processo
eleitoral em pelo menos 18 Estados, em especial aqueles com altos índices de
violência, serviços públicos precários e corrupção policial. No Rio de Janeiro,
milicianos são recorrentemente condecorados pelo poder público e guardam
relações estreitas com autoridades. Como se sabe, há indícios nesse sentido em
relação ao próprio presidente da República e seus familiares.
Assim,
em contraste com o crime organizado tradicional, as milícias transitam com
muito mais liberdade entre a legalidade e a ilegalidade – entre o submundo, a
sociedade civil e o poder público –, diversificando e expandindo seus negócios
com muito mais rapidez.
A
venalidade das milícias ultrapassou a dimensão da segurança pública e ameaça
perverter o tecido civil e o próprio Estado. A rapidez e a diversidade
características da sua expansão exigem uma resposta igualmente rápida e
diversificada. Além de uma atualização da legislação, é preciso extrapolar os
meios convencionais de combate ao crime e investir em grupos especializados,
novas táticas de inteligência e pesquisas. O “Estado paralelo” já é uma
realidade em vastas porções do Rio de Janeiro e cada vez mais no Brasil. Sem
uma repressão ampla, coordenada e implacável, há o risco de uma nova fase: a subversão
do Estado de Direito em “Estado do Crime”.
Paes tem de correr contra o tempo para estancar o déficit – Opinião | | O Globo
Depauperado
pela combinação de Crivella com pandemia, o Rio precisa de tratamento de choque
Tendo
sido eleito pela boa imagem que deixou nos dois mandatos que exerceu, de 2009 a
2016, também ajudado pela alta rejeição a Marcelo Crivella, Eduardo Paes
receberá no dia 1º de janeiro o comando da segunda capital do país com uma
missão urgente num enorme inventário de dificuldades: estancar o déficit que
abriu um rombo fiscal de dimensão colossal nas contas do município.
Futuro
secretário de Fazenda, Planejamento e Controladoria, o deputado Pedro Paulo
Carvalho, auxiliar da confiança de Paes em seus dois mandatos, já trabalha em
propostas urgentes para resolver o problema. Pelas contas dele, a prefeitura
carioca registrará em 2021 um buraco de R$ 10 bilhões, como resultado do
cenário “trágico” deixado por Crivella.
Restará
para Eduardo Paes pagar já em janeiro o 13º salário e a folha de dezembro do
funcionalismo. Para piorar o quadro social, também em 1º de janeiro cerca de um
terço da população da cidade (2 milhões de cariocas) deixará de receber o
auxílio emergencial. Logo no dia da posse, o Diário Oficial do Rio trará uma
série de atos do prefeito para estancar a sangria financeira do caixa. Entre as
medidas de austeridade, estarão contingenciamento de despesas e cortes lineares
de gastos, incluindo a extinção de cargos comissionados.
O
pacote de 1º de janeiro não é capaz, por si só, de consertar o estrago
financeiro causado no Rio pela mistura inclemente de Crivella e pandemia. Já
estão em andamento contatos com BNDES, Caixa Econômica Federal e Banco Mundial
para a renegociação da dívida. A intenção de Paes é fazer um ajuste que
credencie a prefeitura a obter empréstimos com o aval da União, como se
estivesse cumprindo as exigências do Regime de Recuperação Fiscal feito para os
estados.
Para
ajudar na empreitada, deverá ser enviado à Câmara dos Vereadores o projeto de
uma Lei de Emergência Fiscal, no espírito da Lei de Responsabilidade Fiscal,
para estabelecer limites de gastos por área e criar “gatilhos”, que dispararão
medidas de contenção quando as despesas atingirem certos limites. Seria uma
medida semelhante à PEC Emergencial estacionada no Senado ou a uma outra
proposta de emenda constitucional apresentada pelo próprio Pedro Paulo na
Câmara em Brasília.
Paes
terá o desafio de convencer a Câmara municipal a aprovar as medidas de
austeridade. Auxiliares confiam que ele assume com capital político suficiente
para isso. É preciso que os vereadores — eleitos para ocupar assento num
palácio que, devido ao valor consumido em sua construção nos anos 1920, foi
apelidado de “Gaiola de Ouro” — entendam que hoje a situação é outra. Não
haverá espaço para ampliar os gastos nem tempo para hesitação. A Câmara
municipal precisa enxergar a gravidade do momento e aprovar as medidas
emergenciais o quanto antes. Só assim o município recobrará o equilíbrio
financeiro e a capacidade de investimento.
O procurador-geral se perde com a agenda de desmonte da Lava-Jato – Opinião | O Globo
A
operação tornou-se grande e complexa demais para ser desmantelada numa canetada
O
procurador-geral da República, Augusto Aras, demonstra paixão política na
tentativa obstinada de desmontar as forças-tarefas da Operação Lava-Jato. Há 14
meses no posto, por escolha pessoal de Jair Bolsonaro, Aras revela a cada
semana empenho renovado numa espécie de cruzada contra o modelo de investigação
das forças-tarefas para combate à corrupção, adotado de forma inovadora pelo
Ministério Público nos últimos seis anos.
Ao
se deixar pautar por idiossincrasias contra as forças-tarefas, Aras dá razão
aos críticos que lhe atribuem um viés político nas decisões. E também turva a
percepção daquilo que constitui a essência da Lava-Jato: implantar novos
padrões de trabalho em grupo, com dedicação exclusiva, no Ministério Público.
Como
nada é perfeito, a Lava-Jato também é passível de aperfeiçoamento. É fato que
se tornou grande e ambiciosa demais. Aras tem uma proposta legítima para
unificar os grupos de combate à corrupção. Mas o correto seria submetê-la à
crítica pública, com transparência. O modelo de combate à corrupção que está aí
pode e deve ser criticado. Mas é inegável que se provou eficaz nos tribunais e
promoveu a maior devassa nas relações espúrias do Estado com grupos
empresariais da história brasileira.
Não
tem o menor sentido a decisão de Aras de estabelecer prazo até 31 de janeiro
para conclusão dos trabalhos da Lava-Jato. Só no núcleo do Rio, estão em
andamento investigações relacionadas a cerca de 2 mil processos, dos quais já
saíram uma centena de denúncias, alcançando cerca de 500 pessoas e empresas.
A
ordem é para que, a partir do dia 31 de janeiro, os procuradores federais
retornem a seus postos nas cidades de origem e acumulem os casos em que
trabalhavam na Lava-Jato com os do cotidiano das jurisdições regionais.
Procuradores que hoje estão em Curitiba, com dedicação exclusiva à investigação
dos crimes na Petrobras, serão obrigados a retornar a municípios a mais de
quatro mil quilômetros de distância e, de lá, avançar nos inquéritos. Não há
como funcionar no médio prazo.
Procurador-geral
é cargo com mandato definido. O combate à corrupção é dever constitucional do
Ministério Público. Aras deveria rever sua agenda, até porque dificilmente
conseguirá êxito, além de retrocessos pontuais no trabalho do Ministério
Público. A Lava-Jato foi além dos crimes na Petrobras, desdobrou-se por outras
áreas da administração federal, espraiou-se pelos Estados, influenciou mudanças
na legislação e na atuação dos tribunais. Tornou-se grande e complexa demais
para ser desmantelada numa canetada em Brasília.
Vacinação já – Opinião | Folha de S. Paulo
Basta
do descaso homicida de Bolsonaro! Quase nada mais importa que imunização
Passou
de todos os limites a estupidez assassina do presidente Jair Bolsonaro diante
da pandemia de coronavírus. É hora de deixar de lado a irresponsabilidade
delinquente, de ao menos fingir capacidade e maturidade para liderar a nação de
212 milhões de habitantes num momento dramático da sua trajetória coletiva.
Chega de molecagens com a vacina!
Mais de 180
mil pessoas morreram de Covid-19 no Brasil pela contagem dos
estados, subestimada. A epidemia voltou a sair do controle, a pressionar os
serviços de saúde e a enlutar cada vez mais famílias. Trabalhadores e
consumidores doentes ou temerosos de contrair o mal com razão se recolhem, o
que deprime a atividade econômica. Cego por sua ambição política e com olhos
apenas em 2022, Bolsonaro não percebe que o ciclo vicioso da economia prejudica
inclusive seus próprios planos eleitorais.
O
presidente da República, sabotador de primeira hora das medidas sanitárias
exigidas e principal responsável por esse conjunto de desgraças, foi além. Sua
cruzada irresponsável contra o governador João Doria esbulhou a confiança dos
brasileiros na vacina. Nunca tão
poucos se dispuseram a tomar o imunizante, segundo o Datafolha.
Com
a ajuda do fantoche apalermado posto no Ministério da Saúde, Bolsonaro produziu
curto-circuito numa máquina acostumada a planejar e executar algumas das
maiores campanhas de vacinação do planeta. Como se fosse pouco, abarrotou a
diretoria da Anvisa com serviçais do obscurantismo e destroçou a credibilidade
do órgão técnico.
Abandonada
pelo governo federal, a população brasileira assiste aflita ao início da
imunização em nações cujos líderes se comportam à altura do desafio. Não
faltarão meios jurídicos e políticos de obrigar Bolsonaro e seu círculo de
patifes a adquirir, produzir e distribuir a máxima quantidade de vacinas
eficazes no menor lapso temporal.
O
caminho da coerção, no entanto, é mais acidentado e longo que o da cooperação
entre as autoridades federais, estaduais e municipais. Perder tempo, neste
caso, é desperdiçar vidas brasileiras, o bem mais precioso da comunidade
nacional.
Basta
de descaso homicida! Quase nada mais importa do que vacinas já —e para todos os
cidadãos.
Aberto às armas – Opinião | Folha de S. Paulo
Bolsonaro
facilita importações, sem ter feito o mesmo para outros setores
“É escancarar a questão do armamento aqui. Eu
quero todo mundo armado”, bradou Jair Bolsonaro na famigerada reunião
ministerial de 22 de abril deste ano, cujo conteúdo veio a público em vídeo.
Nessa seara, o presidente não pode ser acusado de abandonar os compromissos de
campanha.
Trata-se,
cumpre apontar, de pauta francamente minoritária na sociedade. Conforme apurou
o Datafolha em maio, 72% dos brasileiros rejeitaram a tese armamentista de
Bolsonaro —que, no entanto, persiste na agenda do governo.
Na
quarta-feira (9), o mandatário anunciou resolução para zerar, a
partir de janeiro, a alíquota de importação de revólveres e pistolas, hoje de
20%. Trata-se de mais uma medida infralegal para ampliar o acesso da
população a armas e munições. As canetadas presidenciais miram o Estatuto do
Desarmamento, em vigor desde 2003.
A
ofensiva tem sido eficaz. A título de exemplo, de janeiro a maio deste ano,
houve alta de 24% na venda de cartuchos, em comparação ao mesmo período de
2018.
A
nova medida causou mal-estar
entre a indústria nacional e o Palácio do Planalto —entidades
como a Associação Brasileira de Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança
(Abimde) reclamaram. No Brasil, o poderoso setor de defesa e segurança emprega
1 milhão de pessoas e movimenta 4% do Produto Interno Bruto, estima-se.
É
curioso notar que, para o restante das atividades econômicas, pouco ou nada se
viu da ambiciosa abertura às importações prometida pelo ministro Paulo Guedes.
O caso das armas é peculiar.
São
conhecidas as relações entre o clã presidencial e empresas internacionais do
setor. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) disse, em junho deste ano, que é a
favor da entrada de “qualquer empresa [de armas] no Brasil”.
O
governo liberou em maio do ano passado, ademais, licenças automáticas de
importação de armas, munição e quaisquer produtos controlados pelo Exército.
Maior
acesso legal a armas alimenta o mercado ilegal, segundo especialistas ouvidos
pela Folha. Com mais artefatos disponíveis no país, há maior possibilidade
a médio e longo prazos de que estes migrem para as mãos do crime organizado e
das milícias.
Estudos
científicos também relacionam o maior acesso a revólveres e pistola ao aumento
dos riscos de homicídio e suicídio.
A
estratégia bolsonarista, no entanto, guia-se por não mais que ideologia e
propaganda política, associadas, na pior hipótese, a interesses econômicos
localizados.
Concessão polêmica – Opinião | Folha de S. Paulo
Privatização
do complexo do Ibirapuera merece debate adicional, sem dogmatismos
Um
programa de desestatização como o conduzido pelo governo paulista deve, além de
buscar recursos para os cofres públicos, proporcionar mais investimentos,
serviços e bem-estar para a população. É o que cabe examinar na concessão à
iniciativa privada do Conjunto Desportivo Constâncio Vaz Guimarães, no
Ibirapuera.
Com
o projeto, o Bandeirantes pretende economizar R$ 10 milhões anuais. Mais
importante, o concessionário investiria R$ 1 bilhão para instalar no local
—hoje subutilizado pelos paulistanos— uma miríade de serviços, de arena
multiuso a hotel e shopping center.
Em
troca auferiria receita de R$ 165 milhões anuais, segundo a modelagem
financeira do governo. O novo conjunto seria entregue à cidade após 35 anos.
São
bons argumentos em favor do empreendimento —que não deixa, porém, de apresentar
aspectos problemáticos. Há, afinal, valores intangíveis envolvidos no uso de um
espaço marcante da cidade.
Os
estudos do governo permitem que o concessionário trate os equipamentos
esportivos como clube, dando acesso ao público via cobrança avulsa.
O
complexo foi criado para ser local de aprendizagem e lazer para os usuários de
pistas de atletismo, quadras e piscinas. Não por acaso, atletas consagrados que
ali treinaram se juntaram à manifestação para defender a vocação original do
conjunto, cuja tentativa de tombamento não passou no Condephaat no fim de
novembro.
O
aspecto arquitetônico tampouco pode ser ignorado. A peça principal, o ginásio a
ser convertido em shopping, é assinado por Ícaro de Castro Mello (1913-86).
Ex-atleta que se tornou um dos mais destacados projetistas esportivos do país,
é autor também do estádio que leva seu nome e daria lugar à arena multiuso.
A
concessão do complexo seguiu os ritos formais adequados. O projeto foi debatido
e aprovado pela Assembleia Legislativa em 2019.
Entretanto
os opositores da
privatização reclamam que o Condephaat (o conselho estadual de
defesa do patrimônio histórico, artístico e turístico) teve sua composição
alterada pelo governador João Doria (PSDB), também no ano passado, com redução
dos representantes de universidades.
Há razões e tempo para mais discussão em torno do projeto. Mesmo reconhecendo a importância do capital privado para a recuperação de espaços e serviços públicos, a modelagem da concessão e as alternativas disponíveis podem ser reexaminadas —sem dogmatismos de nenhum dos lados.
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