A
pandemia já matou no Brasil três vezes mais gente que a radiação liberada pela
explosão do reator nuclear de Chernobyl, da União Soviética, desde 1986.
Segundo um artigo do “International Journal of Cancer”, as mortes ficaram entre
30 mil e 60 mil
Em
abril, o general Luiz Eduardo Ramos disse o seguinte:
“No
jornal da manhã, é caixão, corpo; na hora do almoço, é caixão novamente. No
jornal da noite, é caixão, corpo e número de mortos. (...) Não tá ajudando.
Ninguém aqui está dizendo que tem que esconder. Os senhores (jornalistas) têm
que também... Eu conclamo e peço encarecidamente, tem tanta coisa positiva
acontecendo”.
Naquele
dia, a Covid havia matado 165 pessoas, e o total dos caixões já passava de 20
mil. Notícia boa, se houvesse, deveria ser procurada na patética reunião
ministerial daquele mesmo dia, durante a qual Jair Bolsonaro emparedou Sergio
Moro, o ministro da Educação propôs a prisão dos “vagabundos” do Supremo
Tribunal Federal, e o da Economia sugeriu o retorno da jogatina de grife.
Ramos
falou com a alma. Ele realmente acreditava que as sepulturas incomodavam, mas
acreditava também que com menos imagens de caixões mudava-se a natureza do
problema. Passaram-se oito meses, e as imagens são outras. Pessoas sendo vacinadas
na Inglaterra, e governos anunciando o início de programas de imunização para
as próximas semanas. No Brasil, só caixões, brigas e o general-ministro da
Saúde, Eduardo Pazuello, atarantado.
A pandemia já matou no Brasil três vezes mais gente que a radiação liberada pela explosão do reator nuclear de Chernobyl, da União Soviética, desde 1986. Segundo um artigo do “International Journal of Cancer”, as mortes ficaram entre 30 mil e 60 mil.
Apesar
das enormes diferenças entre as duas tragédias, a conduta pessoal do capitão
Bolsonaro e dos generais Ramos e Pazuello diante do coronavírus guarda uma
triste semelhança com a reação dos comissários soviéticos em Chernobyl.
A
explosão ocorreu na madrugada de 26 de abril de 1986. Quando o chefe da Defesa
Civil da usina mostrou ao diretor que a radiação chegara a níveis intoleráveis,
o burocrata expulsou-o da sala: “Seu medidor está quebrado”. Pela manhã, o
vice-presidente do conselho de ministros disse que religaria o reator, e o
ministro da energia da Ucrânia explicou-lhe:
—
Não existe mais reator.
—
Você é um alarmista — respondeu o comissário.
“Não
vai ser uma gripezinha que vai me derrubar”, disse Bolsonaro, em março, quando
165 pessoas já haviam morrido. Dias antes, ele dissera que a pandemia
reconhecida pela Organização Mundial da Saúde “não é isso tudo que a grande
mídia propala ou propaga pelo mundo todo”.
O
negacionismo seguiu cursos diferentes na fase seguinte, ambos estimulando a
inércia. Em Chernobyl, quando o chefe da Defesa Civil mencionou a necessidade
de evacuar a população da cidade, um comissário da região foi breve: “Sente-se.
Isso não é da sua conta”. O Ministério da Saúde concordava com ele.
Em
Pindorama, Bolsonaro chamou os governadores que defendiam o isolamento social
de “destruidores de empregos”, e o general Pazuello ainda acha que não se deve
falar nisso.
A
cidade próxima ao reator Chernobyl só foi evacuada no dia seguinte. Trinta e
seis horas depois da explosão não haviam sido disparadas as medidas previstas
nos protocolos da Defesa Civil. Vídeos mostram cenas de um casamento e de vida
normal em vários lugares.
Quando
Bolsonaro falava em gripezinha, o presidente mexicano, Manuel López Obrador,
dizia que a Covid “não equivalia a uma gripe”, e o primeiro ministro inglês,
Boris Johnson, desdenhava o perigo. Johnson foi parar numa UTI, abandonou o negacionismo
e pediu desculpas por ter dado informações erradas. Obrador orgulhosamente
anunciou seu plano de imunização dos mexicanos, começando neste mês pelos
profissionais de saúde.
Como
os burocratas soviéticos, Johnson e Obrador pensavam que mandavam e disseram
besteiras, mas corrigiram-se. Bolsonaro ainda não entendeu o que está
acontecendo e continua brincando com os diminutivos.
No
dia em que o número de mortos pela “gripezinha” havia chegado a 179 mil, com a
média móvel em alta, ele disse que “estamos vivendo um finalzinho de pandemia”.
Seu
governinho tem uma dificuldadezinha com a realidade.
Temer no
aquecimento
O
nome de Michel Temer entrou na roda dos possíveis convidados para um ministério
modificado. Ele iria para o Itamaraty, substituindo o cataclísmico Ernesto
Araújo.
Um
retorno de Temer a Brasília como chanceler seria êxito garantido, porque depois
de Araújo qualquer coisa serve. O ex-presidente nunca se meteu em fantasias
diplomáticas, teve uma boa relação com Joe Biden e o chinês Xi Jinping. Ambos
sabem que o doutor não é pancada.
Biden
esteve no Brasil em 2016, como vice-presidente, e reuniu-se com Dilma Rousseff
por duas horas. Temer, então vice, foi deixado de fora e, a convite de Biden,
visitou os EUA meses depois.
Temer
é um pajé do centrão e vem ajudando nas costuras para a presidência do Senado.
Quando o governo de Dilma Rousseff começou a fazer água, ela o colocou na
coordenação política do Planalto. Temer costurou acordos e foi fritado pelo
comissariado petista. Deu no que deu.
À
época, ele se queixava de que fazia combinações usando seu crédito e foi
deixado ao sol. A prudência recomenda que corte seu cartão caso retorne a
Brasília.
BRETAS E
NYTHALMAr
Só
o juiz Marcelo Bretas sabe quão próximas eram suas relações com o advogado
Nythalmar Dias Ferreira. Surfando a onda da Lava-Jato, esse doutor formou um
plantel de clientes que foi do ex-deputado Eduardo Cunha ao empresário Fernando
Cavendish.
Dependendo
da proximidade, Bretas precisará de um bom advogado. Nythalmar é investigado
pela Polícia Federal e poderá achar conveniente colaborar com a Viúva.
Não
seria desejável que o magistrado deixasse a narrativa em mãos alheias.
FUX NA
VACINA
Se
Bolsonaro continuar encrencando com a CoronaVac, em janeiro a questão da vacina
acabará chegando ao Supremo Tribunal Federal, e os litígios cairão no colo do
ministro Luiz Fux, plantonista da Corte durante o recesso.
Fux
e sua assessoria já estão estudando o assunto.
CÂMARA
A
qualidade da preferência do Planalto na disputa pela presidência da Câmara pode
ser avaliada por um fato singelo.
Podendo
sinalizar interesse pela candidatura da deputada Tereza Cristina, atual
ministra da Agricultura, Bolsonaro deixou a bola passar.
Os De
Gaulle e os Kennedy
É
excelente a biografia do general Charles De Gaulle (1890-1970) escrita por
Julian Jackson.
Ele
governou a França por dez anos, até 1969. Tinha uma filha e um filho longe da
política.
Outra
filha, Anne, nasceu em 1928 com síndrome de Down. Mal enxergava e não falava.
De Gaulle nunca se afastou dela, e os dois brincavam por horas.
Já
o milionário americano Joseph Kennedy mandou sua filha Rosemary, uma
adolescente com distúrbios nervosos, para ser submetida a uma lobotomia. Deu
tudo errado.
Anne De Gaulle morreu em 1948. “Agora ela ficou como as outras”, disse De Gaulle. Um ano depois, Rosemary Kennedy foi escondida numa casa de religiosas. Ela sobreviveu aos pais e aos irmãos John e Robert. Morreu em 2005, aos 86 anos.
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