Mais
cedo ou mais tarde, Jair Bolsonaro terá de responder perante a Justiça por suas
ações e omissões durante a pandemia
O tempo vai dizer se um dos mais perigosos, desbocados e vulgares presidentes da história do País será destituído do cargo pela via constitucional. Razões para que isso aconteça não faltam. A cafajestagem que ele protagonizou anteontem prova isso. A portentosa ficha de crimes de responsabilidade cometidos pelo Sr. Jair Messias Bolsonaro já foi desfiada nesta página e em tantas outras das mais de cinco dezenas de pedidos de impeachment já apresentados ao presidente da Câmara dos Deputados. A bem da verdade, tal desgoverno é um crime continuado.
A
ver, pois, se as chamadas condições políticas para o afastamento do presidente
restarão materializadas, pelo bem maior do Brasil. Os candidatos apoiados por
Bolsonaro nas disputas pelas presidências da Câmara e do Senado, Arthur Lira
(PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), respectivamente, creem não haver sequer
elementos para instalação de uma CPI da Saúde.
Porém,
uma coisa é certa: a destituição política de Bolsonaro, no momento, pode não
passar de uma possibilidade remota, mas, se esta é uma República que se
pretende séria, mais cedo ou mais tarde, o presidente terá de responder perante
a Justiça por suas ações e omissões durante a pandemia de covid-19, que até
agora matou mais de 220 mil brasileiros.
A irresponsabilidade de Jair Bolsonaro é grave demais para ficar relegada ao julgamento da História.
Sabe-se
que a covid-19 é uma doença potencialmente mortal e decerto não pouparia a vida
de muitos brasileiros, quem quer que fosse o chefe de governo nesta hora grave.
Mas não resta a menor dúvida de que a atuação malévola de Bolsonaro foi
determinante para transformar o que seria uma grave emergência sanitária em uma
tragédia sem qualquer precedente na história do País nos últimos cem anos.
Em
prol de seus interesses mais mesquinhos, Bolsonaro abriu mão de liderar a Nação
em um de seus momentos mais dramáticos. Fez troça do destino de milhões de seus
concidadãos, deixando-os à própria sorte. No entanto, não será por sua
imoralidade que o presidente da República terá de prestar contas à Justiça.
Desde
o início da pandemia, Bolsonaro humilhou ministros da Saúde que se recusaram a
prestar-lhe vassalagem. Minou os esforços de coordenação entre os entes
federativos. Sabotou medidas de segurança preconizadas pela comunidade
científica. Usou a alta credibilidade do cargo que ocupa para amplificar
teorias estapafúrdias e desinformar a população – “O Brasil é um país tropical,
aqui o vírus não será tão violento”, “o brasileiro vive pulando em esgoto e não
pega nada”, entre outras barbaridades. Deixou de promover testagem em massa.
Defendeu o uso de medicamentos sem qualquer eficácia contra a covid-19 a título
de “tratamento precoce”. Não trabalhou um dia sequer para viabilizar vacinas
para os brasileiros. Não satisfeito, atacou países produtores de insumos
farmacêuticos hoje imprescindíveis, como a China.
Bolsonaro,
como se nota, cometeu crimes contra a administração e a saúde pública no
exercício do mandato. Não é algo de que o procurador-geral da República,
Augusto Aras, possa se esquivar por muito mais tempo.
Ora,
se o ministro da Saúde já figura como investigado em inquérito policial e em
breve terá de prestar depoimento à Polícia Federal (ver editorial Hora de
prestar contas, de 28/1/2021), é lógico que as ações e omissões de seu chefe
também hão de ser avaliadas pelo procurador-geral.
Na
sessão do Tribunal de Contas da União (TCU) que analisou mais um relatório do
ministro Benjamin Zymler a respeito da gestão federal da pandemia, o ministro
Bruno Dantas, vice-presidente da Corte de Contas, foi enfático ao tratar desse
desgoverno. “A sociedade clama por vacina já. Se existem ‘terraplanistas’ no
Ministério da Saúde, essa gente precisa ceder espaço para a ciência. Não é
possível que as autoridades zombem da dor dos brasileiros”, disse Dantas.
É
disso que se trata. Bolsonaro subjugou o Ministério da Saúde em um momento
decisivo. Em último grau, isso custou vidas e não pode ficar impune.
O desemprego e a pauta do governo – Opinião | O Estado de S. Paulo
Governo
sem rumo não dá sinal de interesse em cuidar do drama dos desempregados.
Levar o desemprego de volta aos níveis pré-pandemia será uma das tarefas mais complicadas para o governo – se a equipe econômica tiver mesmo essa preocupação. Nem isso é certo. Apelar de novo para os mecanismos de suspensão de contratos e de redução de jornada e salários é uma das saídas em discussão no Ministério da Economia, informou o Estado. Janeiro termina e o governo continua sem Orçamento e sem roteiro econômico para 2021. No mercado de trabalho, a herança de 2020 é tenebrosa. Catorze milhões de pessoas, 14,1% da população ativa, estavam desempregadas no trimestre de setembro a novembro, num cenário com pouca mudança em relação ao trimestre de junho a agosto. Mas houve melhora, dirão os otimistas: nesse intervalo a desocupação diminuiu de 14,4% para 14,1%.
Apesar da
redução porcentual, irrelevante, segundo os autores da pesquisa, o número de
pessoas desocupadas passou de 13,8 milhões para 14 milhões e
aumentou 18,2% (mais 2,2 milhões de trabalhadores) em relação ao número apurado
no mesmo trimestre de 2019, quando os desocupados eram 11,2% da força de
trabalho.
A
oferta de vagas normalmente cresce no segundo semestre, com a perspectiva de
vendas maiores no fim de ano. A animação, desta vez, foi muito moderada, e a
porcentagem dos desocupados no trimestre móvel terminado em novembro foi a mais
alta para o período na série iniciada em 2012, segundo o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE). A oferta de vagas pouco melhorou e, ao mesmo
tempo, mais pessoas foram em busca de oportunidades. Com mais 4,1 milhões de
trabalhadores, a força de trabalho aumentou para 99,6 milhões.
O
quadro fica ainda mais feio, como se tem observado com frequência, quando se
observam os detalhes. A população subutilizada (29%) foi pouco menor que a do trimestre
junho-agosto, e correspondeu a 32,2 milhões de pessoas. Esse grupo inclui os
desempregados, os subocupados por insuficiência de horas e a força de trabalho
potencial, onde se incluem, ao lado dos outros, os 5,7 milhões de desalentados.
Os
trabalhadores por conta própria (22,9 milhões) receberam o reforço estatístico
de 1,4 milhão de trabalhadores. Essas pessoas podem ter descoberto o
empreendedorismo ou podem ter simplesmente resolvido tentar novo caminho, mesmo
sem experiência em negócios. Por enquanto, o aumento dos trabalhadores
independentes atenua um pouco, e de certa forma disfarça, as condições do
emprego.
Somados
os trabalhadores assalariados e os por conta própria, os informais totalizaram
33,5 milhões, ou 39,1% da população ocupada. Quando se examina o quadro mais
amplo, perde relevância o número de empregos formais – 142.690 – criados em
2020, segundo o balanço final do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
(Caged), do Ministério da Economia.
Os
números finais do Caged foram anunciados na quinta-feira, pouco depois da
divulgação dos dados do IBGE, correspondentes à Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios (Pnad) Contínua. O balanço anual do cadastro foi o pior depois de
2017, quando o resultado foi o fechamento de 20.832 postos.
A
precária situação do emprego, combinada com a redução do auxílio emergencial a
partir de setembro, explica, em boa parte, o modesto desempenho do comércio
varejista no fim do ano. Em novembro as vendas no varejo foram 0,1% menores que
em outubro. Essa relativa estabilidade ocorreu depois de seis meses de
crescimento. Esse avanço, no entanto, vinha perdendo impulso, depois de forte
reação inicial em maio e junho. Os dados de dezembro ainda serão publicados,
mas nenhuma informação conhecida sugere uma grande animação perto do Natal.
A
inflação também afetou o consumo nos meses finais. Os trabalhadores foram
duplamente afetados nessa fase – pela redução do auxílio emergencial, afinal
extinto em 31 de dezembro, e pelo encarecimento dos produtos básicos. Com pouca
mudança, o quadro continua desfavorável à maioria dos trabalhadores e
desafiador para o governo – se o governo aceitar desafios ligados ao emprego e
ao bem-estar das famílias.
Os caminhoneiros, outra vez – Opinião | O Estado de S. Paulo
O
presidente e esses irresponsáveis são uma coisa só: o sintoma da degradação do
Estado.
Quando nada parecia ser capaz de rivalizar com a pandemia de covid-19 em termos de danos ao bem-estar dos brasileiros, eis que os caminhoneiros reapareceram para ameaçar o País com uma nova paralisação.
O
setor produtivo até hoje sofre os efeitos do movimento paredista de
transportadores em maio de 2018, que fez dos brasileiros reféns de sua
pretensão de constituir um cartel para fixar o preço do frete – que, como manda
a Constituição, deve ser livre.
A
desenvoltura com que os caminhoneiros criminosamente bloquearam estradas,
impedindo que mercadorias em geral, como alimentos e insumos hospitalares,
chegassem a seu destino, causando um prejuízo da ordem de R$ 15,9 bilhões, foi
resultado direto da leniência das autoridades em geral, incapazes de fazer
prevalecer a lei ante a ousadia dos grevistas.
Comprovada
a tibieza do Estado na crise, os caminhoneiros conseguiram arrancar uma lei que
consagrou o cartel do frete. Por sua evidente inconstitucionalidade, o tabelamento
do frete foi questionado por associações empresariais no Supremo Tribunal
Federal, mas até hoje o ministro Luiz Fux, a quem cabe pautar o julgamento, não
o fez.
O
ministro Fux preferiu trabalhar por uma suposta “conciliação” entre
caminhoneiros e empresários, como se estivesse em questão uma desavença
contratual, e não uma violação do princípio constitucional da livre formação de
preços. A procrastinação só atende aos objetivos dos caminhoneiros e também do
governo federal, interessado em adiar um desfecho que, se a lei for respeitada,
certamente vai melindrar os transportadores.
Considerando
que Jair Bolsonaro, quando ainda era candidato à Presidência, em 2018, apoiou
explicitamente a greve dos caminhoneiros e, uma vez eleito, tratou de fazer aprovar
uma legislação de trânsito leniente para satisfazê-los, compreende-se que os
motoristas estejam bem à vontade para renovar suas ameaças.
A
pauta da vez é o aumento do preço do óleo diesel, reajustado em 4,4% pela
Petrobrás. Bolsonaro tentou aplacar os ânimos dos caminhoneiros ao zerar o
imposto de importação de pneus para veículos de carga e incluir os motoristas
no grupo prioritário de vacinação contra a covid-19. Mas o que interessa mesmo
aos transportadores é combustível mais barato.
Segundo
as contas apresentadas pelo Ministério da Economia a Bolsonaro, cada centavo de
redução no preço do diesel, por meio de diminuição de PIS e Cofins, terá um
impacto de R$ 800 milhões, perda que ademais deve ser compensada por elevação
de outros tributos – ou seja, os caminhoneiros ganham, os demais brasileiros
perdem. “Reconhecemos o valor dos caminhoneiros, mas apelamos para que não
façam greve, todos nós vamos perder”, declarou Bolsonaro.
Não
se pense que o Bolsonaro de hoje, que pede a compreensão dos caminhoneiros, é
diferente do candidato irresponsável que estimulou os motoristas a manter a
paralisação que estorvou o País em 2018. Como de hábito, pois a natureza sempre
se impõe, o presidente tentou se livrar da responsabilidade pela alta dos
combustíveis, ao dizer que o problema são os impostos estaduais. Ou seja,
tornou a culpar os governadores, como já havia feito há um ano, quando se
queixou deles por não reduzirem o ICMS sobre combustíveis.
Populista
incorrigível, cujo único propósito é remover os obstáculos à sua reeleição,
Bolsonaro não está preocupado nem com impostos nem com preços, a não ser como
instrumentos de sua demagogia. O verdadeiro presidente não é o ponderado chefe
de governo que suplica a compreensão dos caminhoneiros e pondera os efeitos econômicos
de suas reivindicações, e sim o desbocado que protagonizou cena constrangedora
de ataque à imprensa numa churrascaria, devidamente registrada e difundida por
seus aduladores, excitados com a obscena quebra de decoro presidencial.
Os
caminhoneiros grevistas, instintivamente, conhecem esse autêntico Bolsonaro e
sabem que podem contar com ele, pois se irmanam na total indiferença à lei e ao
sofrimento dos brasileiros. O presidente e esses irresponsáveis são uma coisa
só: o sintoma da degradação do Estado.
É preciso investigar os gastos do SUS com a compra de cloroquina – Opinião | O Globo
TCU
diz que não há amparo legal para usar recursos públicos com droga ineficaz
contra a Covid
No
livro “Um paciente chamado Brasil”, em que o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta
conta os bastidores de sua passagem pelo Ministério da Saúde e o combate à
pandemia de Covid-19, ele observa que, ao entrar no gabinete do presidente Jair
Bolsonaro, não havia álcool em gel, mas caixas de cloroquina não faltavam. A
cloroquina sempre foi uma obsessão de Bolsonaro e de seu governo.
A
própria exoneração de Mandetta, como a de seu sucessor, Nelson Teich, esteve
ligada a divergências sobre o uso da cloroquina contra a Covid-19, prática sem
respaldo científico e com graves efeitos colaterais. Com a ascensão do general
Eduardo Pazuello ao cargo de ministro, Bolsonaro conseguiu emplacar um novo
protocolo para usar a droga em todas as fases do tratamento da doença.
Sintomaticamente, o documento não era assinado por nenhum médico.
Enquanto
o Ministério da Saúde recomendava um remédio ineficaz contra a doença e
incentivava um “tratamento precoce” que não existe — a desinformação era
disseminada até num aplicativo do ministério —, Bolsonaro atuava como
garoto-propaganda da cloroquina. Chegou ao cúmulo de se deixar fotografar
mostrando caixas da droga às emas do Palácio da Alvorada.
É
escandaloso que a curandeirice seja endossada por instituições que deveriam
marchar ao lado da Ciência, como o Conselho Federal de Medicina. Em artigo na
“Folha de S.Paulo”, o presidente do CFM, Mauro Luiz de Britto Ribeiro, afirma
equivocadamente que a Ciência não concluiu se há benefício no uso de drogas
como hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina contra Covid-19. Ora, não
faltam pesquisas mostrando que elas são ineficazes e trazem riscos, como
atestam recomendações de conselhos regionais e da Sociedade Brasileira de
Infectologia.
Defender
medicamentos sem efeito contra a Covid-19 já seria um absurdo por desinformar,
confundir e iludir o público. O estrago é ainda maior, pois há dinheiro público
envolvido nessa sandice. Em boa hora, o Tribunal de Contas da União (TCU) deu
dez dias para o governo esclarecer os gastos de recursos do SUS com a compra de
cloroquina. Relatório do ministro Benjamin Zymler apontou compra irregular do
medicamento sem comprovação científica e sem aval da Anvisa. Não há, diz ele,
amparo legal para usar dinheiro do SUS com essa finalidade. O ministro Bruno
Dantas foi direto ao ponto: “Se existem terraplanistas no Ministério da Saúde,
essa gente precisa ceder espaço para a Ciência imediatamente”.
É
preciso mesmo investigar os gastos do governo com a compra de um medicamento
que não tem eficácia e apurar as responsabilidades pelo descalabro. Além de
causar prejuízos a uma sociedade já empobrecida pela pandemia,o terraplanismo
mata.
Dívida
trilionária dispara novo alerta para crise fiscal - Opinião | O Globo
Enquanto
o endividamento bate mais um recorde, os investidores externos batem em
retirada
A
informação do Tesouro de que a dívida pública pela primeira vez ultrapassou os
R$ 5 trilhões, perto de 90% do PIB, dispara mais um sinal de alerta para a
situação crítica das contas públicas. O Congresso precisa levar tal fato em
conta no debate que crescerá a partir de segunda feira, depois da eleição dos
novos presidentes da Câmara e Senado, sobre a criação de um novo auxílio
emergencial. O endividamento recorde e a crise fiscal têm tornado o Brasil cada
vez menos atraente aos investimentos externos diretos, termômetro da confiança
mundial na nossa economia.
As
despesas extraordinárias no enfrentamento da pandemia no ano passado são a
causa básica do crescimento da dívida em R$ 760 bilhões, com um déficit
primário de R$ 744 bilhões, quase 10% do PIB. Para manter o endividamento sob
controle, deveríamos, em contraste, acumular superávits na faixa dos 3%. Isso
dá uma ideia do esforço fiscal hercúleo necessário para o Estado brasileiro
resgatar a confiança no país. Não há milagre no caminho a perseguir: a agenda
de reformas paralisada no Congresso, em particular a administrativa, a
tributária e as demais que trariam fôlego fiscal.
É
verdade que precisam ser reconhecidas as condições extraordinárias de 2020 (e
também de 2021). É indiscutível que uma crise pandêmica global, capaz de
derrubar as mais fortes economias do mundo, exige de cada Estado ações
compensatórias para proteger a saúde da população e acolher aqueles atingidos
pelos reflexos econômicos da doença. Entre setembro e novembro, 14 milhões ficaram
sem emprego. Para 10 milhões, a jornada de trabalho foi reduzida, ou o
contrato, suspenso.
Mas
nada disso significa considerar como “novo normal” a precariedade da economia.
É necessário ter sensatez. No Brasil, com seu longo prontuário de calotes na
dívida pública, todo novo auxílio precisa ser lançado em bases mais
consistentes. Não é um acaso que o investidor externo venha paulatinamente
perdendo a confiança no país, a ponto de os investimentos diretos terem somado,
no ano passado, apenas US$ 34,2 bilhões, queda de 50% em relação a 2019 e o
volume mais baixo dos últimos 11 anos — período em que muito se falou sobre as
reformas, mas pouco se fez.
A
fuga do investidor é explicada como sintoma da retração mundial causada pelo
vírus. É menos que uma meia-verdade. Desde 2011, a tendência nos investimentos
diretos tem sido de queda. No pico, em 2011, chegaram a US$ 102 bilhões, volume
mais elevado desde que os dados passaram a ser coletados, em 1947. Caíram a um
terço disso em 2020.
Daí
a urgência das reformas. A perda de atratividade do Brasil vem de longe e pode
se agravar dependendo de como o governo responder à nova onda da Covid-19. Vir
para ficar não é um dogma para o investidor estrangeiro. Depende das condições.
A Ford ficou um século — e partiu.
Pauta retrógrada – Opinião | Folha de S. Paulo
Apoiado
em 2018 por Bolsonaro, movimento dos caminhoneiros ameaça de novo o país
Com
a paralisação de 2018, que durou 11 dias e ameaçou até a continuidade do
fornecimento de itens essenciais como alimentos, os
caminhoneiros descobriram seu poder.
Na
época, o risco foi identificado tardiamente e a crise foi mal gerida pelo
governo de Michel Temer (MDB), mas também já apareciam os oportunistas
dispostos a aproveitar o caos para fins eleitorais.
Um
desses agitadores de então hoje é presidente da República. Jair Bolsonaro, que
apoiou aquela greve e ajudou a jogar mais gasolina no fogo, agora pode colher o
que plantou, para o mal do país.
Por
causa dos aumentos recentes do preço do diesel e com a velha cantilena de que
suas reivindicações não têm sido atendidas nos últimos anos, a categoria volta
a seus ensaios de
intimidação.
O
encarecimento dos combustíveis é um problema real, que decorre da alta dos
preços internacionais do petróleo e da desvalorização cambial aguda desde a
pandemia. Se o governo não tem culpa pelas cotações externas, certamente está
na sua conta o mau desempenho do real, em parte associado a dúvidas quanto à
política fiscal.
Não
se pode controlar preços artificialmente, pois as consequências para a
Petrobras seriam dramáticas. Às pressas, o governo acena com o paliativo de uma
redução de tributos federais, mas o espaço no Orçamento é limitado e seriam
necessárias compensações.
O
maior peso tributário, aliás, advém do ICMS estadual. Uma mudança que ajudaria
a reduzir a amplitude das oscilações consistiria em fixar um valor para o
imposto por litro, em vez da incidência proporcional, mas tal ideia não está
nos planos dos governadores.
Também
contribui para o problema o impasse que se seguiu ao tabelamento do frete
adotado na época da paralisação. O tema ainda está em pauta no Supremo Tribunal
Federal e não há solução iminente, inclusive porque a fixação de preços
dificilmente poderá ser considerada constitucional.
Para
piorar, o mercado continua com excesso de oferta de fretes, rescaldo dos
incentivos para aquisições de caminhões no governo Dilma Rousseff (PT). O tabelamento
também traz insegurança jurídica e incentiva grandes empresas a formarem suas
próprias frotas, com consequências negativas para os caminhoneiros autônomos.
Não
há saída simples, e a situação exige negociação hábil. Uma nova greve seria
prejudicial para todos, pois acentuaria os riscos recessivos. A categoria
tampouco terá a ganhar com radicalismo, e no momento atual é duvidoso que
contará com apoio da sociedade.
A
longo prazo, impõem-se investimentos pesados em logística, para que o país não
continue refém de uma pauta retrógrada.
Biden ambiental – Opinião | Folha de S. Paulo
Democrata
lança pacote ambicioso para o clima, mas enfrentará pressão política
Fazendo
jus ao ambicioso programa de campanha, no qual a questão ambiental figurou com
destaque, o presidente americano, Joe Biden, iniciou o mandato decidido a
reverter a senda trilhada por seu antecessor negacionista.
Já
no dia da posse, o democrata assinou um conjunto de atos não apenas de peso
simbólico mas também de consequências práticas, como o retorno dos EUA ao
Acordo de Paris e a revogação da licença para a construção de um oleoduto na
fronteira com o Canadá.
Na
quarta (27), Biden deu
seguimento ao plano. Por meio de uma série de ordens executivas,
inseriu o tema das mudanças climáticas no centro das decisões concernentes à
política doméstica, à segurança nacional e às relações exteriores.
Estabeleceram-se,
por exemplo, as metas de eliminar a poluição de combustíveis fósseis no setor
de energia até 2035 e de tornar a economia como um todo neutra em carbono até
2050.
Também
foram suspensas novas concessões de exploração de gás e petróleo em áreas
públicas, embora a medida não atinja terrenos privados ou contratos vigentes.
Pela
primeira vez, determinou-se que as agências de inteligência produzam uma
estimativa dos riscos à segurança nacional representados pela emergência
climática. Também inédita foi a decisão de fazer da questão ambiental elemento
precípuo da política externa.
A
resolução de que os Estados Unidos promovam um aumento significativo das
ambições climáticas globais deve, segundo analistas, introduzir o assunto nas
negociações comerciais, nos programas de ajuda externa e nos acordos bilaterais
—com potencial prejuízo para o Brasil, caso o governo Jair Bolsonaro persista
em sua insensata marcha antiambiental.
Por
mais corretas e meritórias que tais ações sejam, o verdadeiro legado de Biden
nessa seara dependerá da aprovação de leis no Congresso, já que ordens executivas
podem vir a ser revertidas por futuros presidentes.
Não
será tarefa simples. Mesmo parlamentares democratas provavelmente se oporão a
políticas percebidas como prejudiciais à indústria de seus estados.
Como
se vê, vai se dar sobretudo aí, no Legislativo, o campo de batalha para as
promessas feitas por Biden de conduzir os EUA para um economia de baixo carbono
—e onde sua tão propalada habilidade para negociar e obter consensos será
colocada à prova.
‘Centrão’ coloca em risco a independência do Legislativo – Opinião | Valor Econômico
É
uma grave ameaça Bolsonaro controlar o Legislativo. O roteiro é conhecido: a
democracia corre perigo
A
disputa pelo comando da Câmara dos Deputados e do Senado é crucial para definir
outra, a da sobrevivência e tentativa de reeleição do presidente Jair
Bolsonaro. Depois de achincalhar as instituições e hostilizar o Legislativo,
Bolsonaro precisará do apoio de deputados e senadores não só para impedir a
instauração de um processo de impeachment - há mais de 60 pedidos - como evitar
que seu filho, o senador Flavio, seja condenado por “rachadinhas”. Quem se
propõe a ajudar o governo nesta tarefa é o deputado Arthur Lira (PP-AL), que
coleciona prontuário judicial respeitável. Na segunda-feira, o Congresso
escolhe as lideranças que podem ou não se curvar a um chefe do Executivo que
sempre se opôs à democracia e considerou inúteis seus representantes.
Bolsonaro,
diante do fracasso de sua estratégia inicial de não construir uma base
governista, resolveu abraçar os partidos do Centrão, aglomerado de legendas que
o general Augusto Heleno, do GSI, disse que não sobraria “nenhum, meu irmão”
diante de uma batida policial. Há clara ameaça à democracia se o Legislativo se
ajoelhar aos desígnios de Bolsonaro, ainda que a aparência pública da briga
pelo Legislativo pareça uma modorrenta briga pelo poder - o que também é. A
falta de teor ideológico na contenda, esperada com a profusão de partidos
artificiais contribui para essa ilusão.
Na
Presidência, Bolsonaro, deputado federal mandrião por 28 anos, rejeitou o apoio
dos partidos para governar, a começar pelos correligionários do PSL eleitos na
onda que o levou ao poder, com os quais logo rompeu. Seu projeto (licença
poética) se esboroou logo e ele partiu em busca de forças políticas que,
demagogo, execrou em praça pública para se eleger - o Centrão. Hoje intervém
para que um de seus expoentes, Arthur Lira, seja eleito.
É
um sinal de degeneração política aguda que, diante de um Executivo autoritário
que propagandeia a ditadura, haja grande número de partidos que se engalfinham
para bajulá-lo. O PT, que há muito perdeu suas referências, apoia o candidato
do governo no Senado, Rodrigo Pacheco (DEM), em vez de Simone Tebet (MDB) que
advoga a independência da Casa.
Ainda
que pareça irrelevante e tediosa, a luta pela liderança do Congresso é crucial
para a delimitação dos poderes de um Executivo atrabiliário. O presidente da
Câmara é o terceiro na linha sucessória e dono da agenda que será discutida pelos
deputados, com poderes para excluir ou incluir temas que são de importância
nacional.
A
Câmara, sob comando de Rodrigo Maia (DEM-RJ), rejeitou, por exemplo, a maior
parte da agenda delirante de Bolsonaro - restringiu, por exemplo, a liberação
irrestrita de armas e o controle ideológico nas escolas - e impulsionou
questões que deram forma à austeridade fiscal necessária - como a reforma da
Previdência - em benefício do Executivo, ainda que este não se empenhasse
nisso. Bolsonaro atacou-o, assim como o fez o principal beneficiário das ações
de Maia, o ministro da Economia, Paulo Guedes, que alinha-se a Lira agora.
O
apoio à agenda liberal de Guedes por parte da maioria dos congressistas,
obscureceu as linhas ideológicas partidárias, que são tênues e inexistentes na
maioria das legendas. A indistinção enfraquece a candidatura do deputado Baleia
Rossi (MDB-SP), rifado na Câmara por dissidentes do DEM de Maia, e a de Simone
Tebet (MDB) na briga pelo comando do Senado. Ambos votaram a favor do governo
em questões importantes, assim como Lira e Rodrigo Pacheco.
Lira
assumiu seu cargo na Câmara sob liminar e tem um prontuário policial maior que
o de Baleia Rossi, que também é acusado de malfeitos na Lava-Jato. Entretanto,
há diferenças políticas fundamentais entre os dois, menores se vistas pelo
ângulo das querelas paroquiais do Congresso, e maiores no contexto dos destinos
da República. Rossi, como Maia, não quer uma Câmara submissa.
Lira,
favorito, mostra-se avesso a princípio a qualquer investigação que possa prejudicar
Bolsonaro e seus acólitos, como a CPI das fake news ou a que pretende saber o
que fez de certo ou errado o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em Manaus.
Lira promete qualquer coisa a qualquer um e tem a estatura política de
Bolsonaro, que lhe prometeu prebendas e cargos - o que condenava até chegar ao
poder.
É uma grave ameaça Bolsonaro controlar o Legislativo, o que seria sua maior conquista até agora na batalha para dobrar as instituições a seus desejos reacionários. O roteiro é conhecido: a democracia corre perigo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário