Marcelo Rocha / Folha de S. Paulo
BRASÍLIA - O ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou nesta segunda-feira (15) ser “intolerável e inaceitável qualquer tipo de pressão injurídica sobre o Poder Judiciário”.
A
declaração é uma resposta à revelação
de que a cúpula do Exército, então comandado pelo general Eduardo Villas Bôas,
articulou um tuíte de alerta ao Supremo antes do julgamento de
um habeas corpus que poderia beneficiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva em 2018.
Lula
acabou tendo o pedido negado pelo plenário do Supremo e, no dia 7 de abril, foi
preso e levado para Curitiba. Deixou a
cadeia 580 dias depois, após o STF derrubar a regra que
permitia prisão a partir da condenação em segunda instância.
Segundo
Villas Bôas, em
livro-depoimento recém publicado pela Fundação Getúlio Vargas, o
texto do tuíte foi escrito por "integrantes do Alto Comando".
“A
declaração de tal intuito, se confirmado, é gravíssima e atenta contra a ordem
constitucional. E ao Supremo Tribunal Federal compete a guarda da
Constituição”, disse Fachin, em nota divulgada por seu gabinete, que fez
referência a reportagem da Folha sobre o tema publicada neste domingo
(14).
Segundo mostrou a
reportagem, a postagem do então comandante do Exército tinha um teor
bastante mais incendiário do que o publicado.
Além
disso, segundo o relato no livro-depoimento feito pelo general, que comandou
o Exército de 2014 a 2019, ao menos três ministros do governo
Bolsonaro e o atual chefe da Força souberam da nota.
A
postagem de Villas Bôas acabou atenuada por ação do então ministro da Defesa,
general da reserva Joaquim Silva e Luna, hoje diretor-geral de Itaipu, em um
episódio até aqui inédito que foi relatado à Folha por integrantes do
governo Michel Temer (MDB).
"Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?", dizia a primeira postagem de Villas Bôas, feita no dia 3 de abril de 2018.
"Asseguro
à nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os
cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social
e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais",
completava o general.
Nesta
segunda-feira, Fachin citou trecho da Constituição que define o papel das
Forças Armadas.
“As
Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica,
são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na
hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da
República”.
“E
destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por
iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”
O
ministro do Supremo citou as Forças Armadas dos Estados Unidos no episódio
da recente invasão ao Capitólio, quando o Congresso se reuniu para
referendar a vitória do democrata Joe Biden.
“A
grandeza da tarefa, o sadio orgulho na preservação da ordem democrática e do
respeito à Constituição não toleram violações ao Estado de Direito
democrático”, afirmou Fachin.
Nos
últimos meses, Fachin tem emitido uma série de posicionamentos públicos,
deixando de lado atuação mais reservada que adotou ao tomar posse no Supremo em
2015.
Ele
não tem consultado colegas antes desses pronunciamentos, que abordam temas
variados como o combate à corrupção, o enfrentamento à Covid-19 e eleições
norte-americanas. Alguns ministros avaliam positivamente essas manifestações.
Em
abril de 2018, após o tuíte de Eduardo Villas Bôas, Fachin não se manifestou
publicamente. No dia seguinte, o plenário do STF negou habeas corpus a Lula.
Ao
votar pelo indeferimento do pedido do ex-presidente, o ministro também não fez
comentário sobre o texto do general.
Em
seu voto, Fachin ressaltou que deveria haver estabilidade e respeito ao
entendimento dos tribunais sobre a execução provisória da pena.
De
acordo com o ministro, não havia até aquele momento revisão da jurisprudência,
do próprio Supremo, que previa a execução provisória da pena após condenação em
segunda instância, entendimento aplicado no caso de Lula.
Celso
de Mello, então decano do Supremo, por sua vez, abordou a mensagem de Villas
Bôas, sem citá-lo por nome.
Ao
iniciar a leitura de seu voto, o então decano afirmou que um comentário
realizado por "altíssima fonte" foi "infringente ao princípio da
separação de Poderes" e alertou contra "práticas estranhas e lesivas
à ortodoxia constitucional".
Celso
afirmou que intervenções militares restringem a liberdade e limitam o espaço do
dissenso e, portanto, são inaceitáveis.
“O
respeito indeclinável à Constituição e às leis da República representa o limite
intransponível a que se deve submeter os agentes do Estado, quaisquer que sejam
os estamentos a que eles pertencem", disse.
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