Depois de passar quase um ano fazendo propaganda de cloroquina e hidroxicloroquina, inclusive ordenando ao Ministério da Saúde adotar um protocolo para que esses medicamentos fossem prescritos em casos leves de covid-19, determinar sua fabricação pelo Exército brasileiro e importar doses não utilizadas dos Estados Unidos, Jair Bolsonaro parece ter um novo xodó no enfrentamento da pandemia.
Enquanto
começam a acabar as poucas doses de vacinas enviadas pelo governo federal a
Estados e municípios, Bolsonaro postou neste domingo em sua conta no Twitter
que conversou com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, para que o
Brasil participe da fase 3 de testes do spray nasal EXO-CD24, que, escreveu
"vem obtendo grande sucesso no tratamento da covid-19 em casos
graves".
De
novo, o presidente vende um remédio "milagroso" antes de ciência
atestar isso. Nesta segunda-feira, ele voltou ao assunto (o que mostra que
estamos a caminho de uma nova obsessão; as emas do Alvorada que se cuidem),
dizendo que ele tem eficácia "próxima de 100%" e que, em breve, será
enviado pedido de aprovação da Anvisa para uso emergencial.
As pesquisas com sprays nasais, não só em Israel, mas em várias partes do mundo, de fato são uma das vertentes abertas pela ciência na tentativa de combater a covid-19. A epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Sabin Vaccine Institute, publicou um fio no Twitter em que esclarece que o que existe publicado a respeito do EXO-CD24 é um registro de ensaio clínico de fase 1, com resultados promissores.
Segundo
os fabricantes, explica ela, dos 30 pacientes com casos graves que usaram o
spray nasal, 29 teriam se recuperado. É a isso que Bolsonaro se refere
empolgadamente como "eficácia de praticamente 100%": um estudo
preliminar com 30 pacientes.
Mais:
mesmo para ter o uso emergencial aprovado pela Anvisa o medicamento precisa
apresentar estudos de fases 2 e 3. O Brasil pode fazer parte de protocolos de
estudos clínicos, como sugere o presidente, mas o uso do medicamento em escala
capaz de aplacar os efeitos da pandemia, ainda que a eficácia seja comprovada,
levará meses.
O
que a nova obsessão do presidente mostra é sua busca desenfreada por uma
narrativa que o tire do atoleiro de popularidade em que está enfiado por ter
minimizado a pandemia, atuado contra o isolamento social, boicotado a compra de
vacinas e mesmo a confiança da população em sua necessidade, segurança e
eficiência.
A
progressão de uma ainda ínfima campanha de vacinação mostra duas coisas
concomitantemente: a adesão esperançosa e entusiasmada da população à vacina,
algo em que o Brasil sempre foi vanguardista e exemplo para o mundo em
logística, e a completa incompetência do governo para fazer andar o Plano
Nacional de Imunização.
A
"vacina chinesa do Doria", como o presidente de forma irresponsável
insistiu em chamar a Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan, é o
imunizante em maior quantidade no Brasil, mas mesmo assim, somada às doses da
vacina da AstraZeneca/Oxford, com a qual a Fiocruz tem parceria, o que existe
disponível não nos permitirá acabar a imunização da maioria da população neste
ano.
Com a média móvel de casos no mesmo patamar de julho e picos de médias diárias que beiram os 1.500 óbitos por dia, e com a difusão da nova cepa de Manaus em outros Estados, inclusive de forma autóctone, a insistência de Bolsonaro em remédios "milagrosos" e a incapacidade de seu ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em fazer chegar vacina a todo o País mostram que nem tão cedo o Brasil vai superar o pior momento da pandemia.
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