A crise
militar foi pura perda de tempo, tirou o foco do principal problema do país: a
pandemia da covid-19, que ontem registrou novo recorde, 3.869 óbitos em 24
horas
A
frase “tudo como dantes no quartel de Abrantes” é uma herança lusitana. Chegou
ao Brasil em 1808, a bordo dos navios que trouxeram a família real e sua corte
para o Rio de Janeiro. Surgiu durante a invasão de Napoleão Bonaparte à
Península Ibérica. Portugal havia se oposto ao Bloqueio Continental, que
obrigava o fechamento dos seus portos a qualquer navio inglês. Em 1807, o
general Jean Androche Junot, braço-direito de Napoleão, atravessou a fronteira
com a Espanha e ocupou Abrantes, a 152 quilômetros de Lisboa, na margem do rio
Tejo. Lá, instalou seu quartel-general e, meses depois, se fez nomear duque
d’Abrantes.
Com a fuga do príncipe-regente Dom João VI para o Brasil, o general francês praticamente não enfrentou oposição. Isso despertou a ironia popular, registrada por Orlando Neves no Dicionário de Expressões Correntes (Editorial Notícias, Lisboa): “‘Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes”. Esse é o saldo da crise militar provocada pela demissão do ex-ministro da Defesa Fernando Azevedo e dos comandantes militares do Exército, Edson Leal Pujol; da Marinha, Ilques Batista; e da Aeronáutica, tenente- brigadeiro Antônio Carlos Bermudez.
Ontem,
o presidente Jair Bolsonaro escolheu os novos comandantes militares,
apresentados pelo novo ministro da Defesa, general Braga Netto: Exército,
general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira; Marinha, almirante de esquadra Almir
Garnier Santos; e Aeronáutica, tenente- brigadeiro do ar Carlos Baptista
Junior. A péssima repercussão da forma como Azevedo e os comandantes militares
foram despachados para casa levou a uma solução de compromisso: Bolsonaro
aceitou o nome do general Paulo Sérgio, autor da entrevista ao Correio
Braziliense, de domingo passado, que tanto o desagradou, mas levou a melhor na
Marinha e na Aeronáutica, cujos comandantes serão mais afinados com o Palácio
do Planalto do que os antecessores.
O
novo ministro da Defesa, general Braga Netto, saiu do episódio desgastado com
seus colegas. Foi a primeira vez, desde 1985, que os comandantes das três
Forças Armadas deixaram o cargo ao mesmo tempo sem ser em período de troca de
governo. A escolha do general Paulo Sérgio foi uma imposição do Alto-Comando do
Exército. Com 62 anos, cearense de Iguatu, é general do Exército desde março de
2018. Serviu em unidades de infantaria em João Pessoa (PB), Garanhuns (PE),
Belém (PA) e Juiz de Fora (MG). Antes de chefiar o Departamento de Pessoal do
Exército, foi comandante militar do Norte, em Belém (PA). Ao contrário de
Pujol, Paulo Sérgio mantém ativa presença nas redes sociais.
A
crise militar foi pura perda de tempo, tirou o foco do governo do principal
problema do país: a pandemia da covid- 19, que ontem registrou novo recorde:
3.869 óbitos em 24 horas. É a quinta vez que o país registra mais de 3 mil
vítimas por dia. Enquanto isso, Bolsonaro continua combatendo prefeitos e
governadores que adotam medidas de distanciamento social mais rígidas. Sabota
os esforços do novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e do presidente do
Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-RJ).
Em tempo: Junot marchou tranquilamente para Lisboa. Na Praça do Rossio, em janeiro de 1808, hasteou a bandeira francesa, declarou extinta a Casa Real de Bragança e dissolveu o Exército português.
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