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O Globo
Quando
foi anunciado o general Hamilton Mourão como vice-presidente na chapa de Jair
Bolsonaro para concorrer à Presidência da República, um dos filhos do candidato
fez o seguinte raciocínio, em voz alta: é bom ter um nome “cascudo”, para
deixarem de pensar em impeachment. Fazia referência a que o companheiro de
chapa era um general de Exército que já dera demonstrações de que seguia a
linha de seu pai, ao elogiar o torturador Ustra, ou ao se referir à
possibilidade de um “autogolpe”. O feitiço, porém, virou contra o feiticeiro.
Hoje, o fato de ter Mourão como vice traz tranquilidade diante do futuro, caso
Bolsonaro seja impedido pelo Congresso. Não que seja um estadista, muito menos
traidor, como o presidente desconfia, mas é o agregador natural, pelo cargo que
ocupa e pelas atitudes que vem tomando, das insatisfações disseminadas. Mourão
tem tido comportamento correto diante das grandes crises, demonstra bom senso
na maior parte das vezes, coloca-se como alternativa natural ao gênio explosivo
de Bolsonaro, sem precisar fazer declarações críticas, apenas usar o bom senso.
Quando os militares começaram a assumir cargos importantes no ministério de
Bolsonaro e em seu entorno, parecia a todos que serviriam como força moderadora
do instinto selvagem de Bolsonaro. O fato de não terem reagido às muitas
provocações do presidente, quando insuflava manifestações em frente ao Palácio
do Planalto ou do Quartel-General do Exército, contra o Supremo Tribunal
Federal (STF) ou o Congresso, fez supor que os militares o respaldavam nesses
assaltos ao estado de direito. Chamando de “meu Exército” o Exército
brasileiro, dava a impressão de que tudo estava dominado por seu radicalismo.
Demorou, mas ficou claro agora que o respeito à hierarquia tem um limite, coisa
que Bolsonaro desconhece. Assim como acha que o presidente da República é um
imperador, com todas as suas vontades atendidas, também acha que ser comandante
em chefe das Forças Armadas permite que suas vontades sejam aceitas sem
pestanejar por seus subordinados. Militares não seguem ordens absurdas é um
lema corrente nas Forças Armadas. Licença para ponderar é outro.
A escolha do general Paulo Sérgio Nogueira para o Comando do Exército e o
destaque dado pelo novo ministro da Defesa, Braga Netto, ao combate da pandemia
de Covid-19 são derrotas simbólicas do presidente Bolsonaro, que teve de
escolher os novos comandantes entre os mais antigos nas três Armas, e não entre
aqueles que lhe são mais próximos.
O general Paulo Sérgio deu uma entrevista no fim de semana ao jornal “Correio
Braziliense” destacando o sucesso que o Exército teve no combate à pandemia,
ressaltando que o índice de letalidade na corporação é de 0,3%, enquanto no
país está em 2,9%. E irritou Bolsonaro, que, no entanto, o nomeou. A escolha
pela antiguidade é uma tradição das Forças Armadas, mas o presidente da
República, como comandante em chefe, pode escolher entre os oficiais de quatro
estrelas. Saindo da antiguidade, no entanto, estaria criando mais incômodos
para os militares.
O almirante Garnier era o segundo em antiguidade, mas foi o escolhido. É
considerado o mais habilidoso dos almirantes que estavam na lista e já era
secretário-geral do Ministério da Defesa. Os dois são ligados ao demitido
general Fernando Azevedo e Silva, antigo ministro da Defesa, e ao ex-
comandante do Exército Edson Pujol.
Com suas atitudes erráticas e radicais, e um governo ineficiente, Bolsonaro vem
perdendo também apoio nos setores que, não sendo radicais, o preferiram ao PT.
O estopim dessa debandada foi a carta dos economistas e empresários deixando
claro que expressiva parte da sociedade perdeu a paciência com seu governo ou
com a impossibilidade de haver uma economia liberal com um presidente de visão
retrógrada não apenas nos costumes, mas também na economia.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, veio em seguida com o “sinal amarelo” de
advertência, que jogou na mesa a carta do impeachment. Mas o Centrão ganhou um
ministério que opera diretamente do Palácio do Planalto para o Congresso, com
distribuição de cargos e verbas para obras. Acomodou-se, por enquanto.
Os próximos meses, no entanto, nos reservam muitos problemas, com a economia em
frangalhos e a pandemia descontrolada. Um presidente destrambelhado e isolado
nesse cenário é caminho aberto para crises permanentes. Ciro Gomes tem razão.
Bolsonaro está mais perto do impeachment do que de uma quartelada.
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