Se Bolsonaro imaginou um golpe, conseguiu apenas mostrar-se incapaz
A história do Brasil já teve ex-militar que demonstrou extraordinária incompetência para executar um golpe: Luís Carlos Prestes, em 1935. Jair Messias Bolsonaro está um patamar acima do lendário líder comunista, que também chegou a capitão. Mostrou-se extraordinariamente incompetente até para imaginar um golpe.
Um
golpe é sempre uma ação que, no final das contas, depende de correlação de
forças políticas (em sentido amplo) e militares (em sentido estrito) – e ambas
de um momento apropriado, que é fluido por definição, embora possa ser
“criado”. Bolsonaro ignorou tudo, leu errado os fatos da realidade e está sendo
visto como palhaço que subiu ao trapézio no circo.
Ao contrário de outros candidatos a caudilho, Bolsonaro não criou qualquer movimento político consistente, organizado e capilarizado que pudesse minimamente seguir um comando. Para comparação, no seu auge o PT dispunha de sindicatos, organizações comunitárias, setores da Igreja Católica e substancial parte da intelectualidade prontos a atender ao que fossem as diretrizes do comando partidário.
Bolsonaro
não dispõe de nada remotamente parecido, talvez por ter caído no fetichismo
tecnológico de que a espuma criada por redes sociais significa real capacidade
de mobilização de forças políticas. No sentido mais estrito da “política”, não
dispõe no tão importante Legislativo brasileiro de qualquer massa de manobra
significativa que ele controle como quiser. Ao contrário: Bolsonaro é massa de
manobra do Centrão, ao qual acabou de entregar a chave do cofre que o Planalto
controlava.
Se
em algum momento Bolsonaro acreditou que tinha um Exército para chamar de
“seu”, só um bom psiquiatra conseguiria explicar essa visão de mundo, pois, a
partir da realidade dos fatos, o presidente jamais poderia ter feito essa
afirmação. Bolsonaro ignorou completamente a evolução da doutrina e do
pensamento dos comandantes militares nos últimos 35 anos, que pode ser resumida
na ênfase que dão ao papel institucional e constitucional das Forças Armadas,
além do empenho em profissionalismo, hierarquia e disciplina.
No
episódio da demissão do Ministro da Defesa e seus comandantes militares,
Bolsonaro acabou de destruir o pouquíssimo respeito que os oficiais superiores
ainda nutririam por ele. Alguns já se referiam ao capitão como “ladrãozinho”,
pois tiveram de sobreviver décadas apenas a partir de seus soldos e olham com
nojo o esquema de “rachadinhas” no qual a família está envolvida. É fato que os
oficiais superiores abominam a tentativa de politização das Forças Armadas, mas
o que mais criticam em Bolsonaro é o que identificam como incapacidade de
liderança e comando.
Não
é à toa que circulam entre militares nos últimos dias textos relembrando uma
das grandes aventuras do século passado, a do navio “Endurance”, cuja
tripulação sobreviveu a partir de 1915 a 22 meses de indescritíveis
dificuldades no gelo da Antártica e acabou sendo salva pela capacidade de
liderança e decisão de seu comandante – um exemplo de chefe dedicado a seus
subordinados, exatamente o que os generais, almirantes e brigadeiros não enxergam
em Bolsonaro.
Por
último, Bolsonaro ignorou também o “momento”, que lhe é desfavorável. A
pandemia conduziu o País a um tipo de comoção plenamente justificada, a
economia está sendo ainda mais abalada, as elites empresariais abandonaram o
governo, o Centrão tomou conta do que lhe interessa e fez de Bolsonaro um ente
subordinado. Tudo isso fora o STF. Talvez ele esteja sendo assessorado por
conselheiros políticos e pessoais que mais parecem saídos da clássica comédia
do cinema italiano L’armata Brancaleone (em Portugal o título ficou mais
sugestivo: Capitão Brancaleone), de 1966.
É
um bando de malucos e mercenários, na Idade Média, incapaz de planejar e
concluir qualquer ação. Pode ser que confiem num final igual ao do filme,
quando milagrosamente são salvos de serem empalados.
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