Questão
é saber se contas fecham só com o contingenciamento
Para
entender a grande confusão da semana passada, que terminou produzindo um
Orçamento fictício para este ano, o leitor precisa recordar a grande polêmica
que surgiu em torno da proposta de emenda constitucional 186, a chamada PEC
Emergencial. Durante a votação, a nova base política do governo, mais conhecida
como “centrão”, queria retirar do teto de gastos da União a despesa com o Bolsa
Família. O objetivo era abrir espaço no teto para mais investimentos, que
seriam garantidos por emendas parlamentares ao Orçamento.
A proposta criou um tremendo reboliço, com o dólar e o juros disparando e a bolsa caindo. Parecia que o fim do mundo se avizinhava. Mesmo porque havia indícios de que até mesmo o presidente Jair Bolsonaro era favorável à medida. Depois que a temperatura do mercado subiu, o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a um acordo com os líderes do “centrão”. A questão das emendas seria resolvida quando o Orçamento deste ano fosse votado.
Guedes
se comprometeu em aceitar que mais R$ 16 bilhões para as emendas parlamentares
fossem acrescido aos R$ 16,3 bilhões que já estavam previstos na proposta
orçamentária enviada em agosto. O total, portanto, poderia chegar a R$ 32
bilhões. Caberia ao relator-geral do Orçamento, senador Márcio Bittar (MDB-AC)
apresentar as emendas com os R$ 16 bilhões adicionais. O acordo foi confirmado
por Bittar, em entrevista ao jornal “O Globo”, nesta quarta-feira.
Em
seu primeiro parecer, divulgado no dia 22 de março, o senador Bittar programou
emendas parlamentares no montante de R$ 22,7 bilhões, sendo que, desse total,
R$ 18,79 bilhões se referiam a emendas individuais de deputados e senadores e a
emendas de bancada estadual, que são consideradas de execução obrigatória, de
acordo com a Constituição. Bem abaixo do acordo firmado com Guedes.
No
dia 25 de março, Bittar apresentou um complemento ao seu parecer, no qual
informa um corte de R$ 26,46 bilhões na proposta orçamentária para este ano,
enviada pelo governo em agosto. O relator-geral está sendo um pouco
injustiçado, pois o corte que realizou nas despesas obrigatórias foi de R$
19,02 bilhões e não de R$ 26,46 bilhões como foi divulgado amplamente (ver tabela acima).
Isto
porque a redução de R$ 7,4 bilhões feita no gasto com abono salarial decorreu
de uma mudança feita pelo Codefat nas regras do programa. A decisão postergou a
parcela do abono de 2020 que seria paga no segundo semestre deste ano para o
primeiro semestre de 2022. Bittar, portanto, não cortou esta despesa. Ela
simplesmente desapareceu deste ano. O que o relator fez foi ocupar o espaço
aberto pela decisão do Codefat.
No
complemento do parecer, o relator apresentou emendas no valor de R$ 26,46
bilhões. A equipe econômica alardeou que o projeto orçamentário aprovado era
inexequível, um retrocesso e que haveria estouro do teto. Em conversas com
parlamentares, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), chegou a levantar
a possibilidade de que o presidente Bolsonaro corria o risco de sofrer um
processo por crime de responsabilidade se sancionasse a lei com despesas
obrigatórias subestimadas.
Ontem,
em carta enviada ao presidente Jair Bolsonaro, o senador Bittar informou que,
“após reflexões entre lideranças e as presidências da Câmara dos Deputados e do
Senado”, decidiu-se cancelar R$ 10 bilhões em emendas do relator, tão logo seja
sancionado a lei orçamentária. O raciocínio do relator, foi o seguinte: ele
apresentou R$ 26,46 bilhões em emendas e reduziu R$ 10 bilhões. Ficou,
portanto, com os R$ 16 bilhões, que tinham sido acordados com Guedes.
As
despesas obrigatórias estão subestimadas em, pelo menos, R$ 32 bilhões. Com o
espaço de R$ 10 bilhões aberto pelo relator, a insuficiência das dotações caem
para R$ 22 bilhões. Mas a carta de Bittar, que expressa uma decisão das
lideranças e dos presidentes das duas Casas do Legislativo, parece estabelecer
um divisor de águas entre o que é de sua responsabilidade e o que deve ser
creditado a Guedes.
Ao
contrário do que ocorreu em gestões anteriores, quando os parâmetros
macroeconômico utilizados para o cálculo das despesas da União apresentavam
mudanças relevantes, desta vez Guedes não encaminhou uma mensagem modificativa
da proposta orçamentária enviada em agosto. Assim, os deputados e senadores
aprovaram um Orçamento com despesas estimadas com base em um salário mínimo de
R$ 1.067, quando o que está em vigor é R$ 1.100. E inflação em 2020, medida
pelo INPC, de 2,09%, quando ela ficou em 5,45%. O INPC corrige todos os
benefícios acima de um salário mínimo.
Quando
o relator estava divulgando o seu parecer final, a equipe econômica informou
que as despesas obrigatórias da proposta orçamentária estavam subestimadas em
R$ 17,5 bilhões. A carta de Bittar dá a entender que este problema não é dele.
Ele elaborou um parecer com base em uma proposta que o governo apresentou. E
que, agora, quem tem que encontrar uma saída para as despesas obrigatórias
subestimadas é Guedes.
A questão é saber se o problema pode ser resolvido apenas com o contingenciamento das despesas discricionárias (investimentos e custeio) ou se será necessário também enviar um projeto de lei (PLN) de crédito adicional cancelando dotações para recompor as obrigatórias. A carta de Bittar recoloca o abacaxi de novo no colo de Guedes.
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